Dorme pouco como Marcelo? Faz mal. Dormir não é perder tempo

Dormir restabelece o organismo e ajuda a prevenir doenças, relembram especialistas a propósito do Dia Mundial do Sono, que se comemora nesta sexta-feira.
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Marcelo Rebelo de Sousa dorme pouco - quatro a cinco horas por noite -, dizem todas as suas biografias e perfis. Não é caso único. 46% dos portugueses com mais de 25 anos dormem seis horas ou menos por dia. Mas se no caso do Presidente da República já é traço de personalidade, 40% das pessoas têm depois dificuldade em manter-se ativas durante as tarefas diárias, nomeadamente enquanto conduzem, e 32% dizem que o seu sono é mau. É o que revela um inquérito feito a 653 pessoas pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia e pela Sociedade Portuguesa da Medicina do Trabalho a propósito do Dia Mundial do Sono, que se assinala hoje.

"Estamos numa época em que há o primado do sucesso e o primado do dinheiro e eu digo exatamente o contrário: para ter dinheiro, sucesso e pensar bem é melhor dormir", afirma Teresa Paiva, especialista na área do sono em Portugal.

Segundo a médica, é importante dormir em média entre sete e oito horas. Uma noite descansada ajuda a consolidar a informação que recebemos durante o dia, os sistemas restabelecem-se, a pressão arterial e a frequência cardíaca diminuem e os músculos relaxam.

A falta de sono está diretamente relacionada com o défice de concentração, de irritabilidade, com as alterações de humor e as perdas de memória. Há ainda hormonas dependentes do sono como a insulina (glicose no sangue), a tiroide, a leptina e a grelina (apetite).

E para descansar melhor é necessário "ter horários regulares de dormir e de levantar, de alimentação; não trabalhar de mais nem de menos, não fazer ginástica a mais nem a menos, não fazer ginástica à noite, andar ao ar livre, evitar o stress desnecessário e tentar viver uma vida feliz e equilibrada", aconselha Teresa Paiva.

As comunidades médica e cientifica vão conferindo cada vez mais importância a este tema. Em 2017, o Prémio Nobel da Medicina foi atribuído a três investigadores americanos que estudam os ritmos circadianos (ciclo biológico que regula o sono e o apetite). E em Portugal já existem mais de 50 especialistas a trabalhar neste domínio, segundo Teresa Paiva. Avaliam os hábitos de dormir, diagnosticam e tratam mais de uma dezena de doenças que impedem um sono restaurador, como a apneia obstrutiva, de que sofria Manuel Rosa Nazaré.

"Fazia um esforço imenso para abrir os olhos mas não conseguia"

Aos 67 anos, Manuel Rosa Nazaré fazia 31 paragens respiratórias por hora. Sentia-se sonolento durante todo o dia, cansado e ressonava muito. Adormecia numa fração de segundos e acordava pouco depois. "Se eu estivesse ativo não acontecia, mas mal me sentava adormecia logo, a qualquer hora", afirma. Acontecia-lhe quando estava a falar com amigos e até quando estava a conduzir. Chegou a ter dois acidentes por não conseguir manter os olhos abertos. "Fazia um esforço imenso para abrir os olhos mas não conseguia."

O acidente mais complicado aconteceu na Ponte Vasco da Gama, em Lisboa, "ia com um olho aberto e o outro fechado". "Fechei os dois olhos e só dei por isso quando empurrei uma carrinha uns dez ou 15 metros e saí ligeiramente da faixa de rodagem", recorda.

Foi ali, por cima do Tejo, que entendeu o aviso que a mulher vinha a fazer-lhe: "Manuel, tu andas sempre cansado e durante a noite parece que paras de respirar." Decidiu ir ao médico e foi diagnosticado com apneia. "Não sabia o que era na altura", em 2008. Hoje já sabe do que se trata: a apneia é uma das doenças associadas ao sono. Considerada um problema de saúde pública, consiste numa sequência de paragens respiratórias durante a noite (mais de dez segundos, pelo menos cinco vezes por hora); os níveis de oxigénio ficam mais baixos, o que implica um despertar. A doença pode ainda traduzir-se numa hipersonolência durante o dia.

Manuel foi durante grande parte da sua vida motorista. Há uma década, fazia grandes viagens ao volante de camiões. Na altura em que a maioria das pessoas chegam à cama, ele saía de casa para iniciar mais um dia de trabalho. Conduzia durante a noite, parando apenas para dormitar três ou quatro horas debruçado sobre o volante. O estilo de vida que levava fez ainda que fosse ganhando peso. Quando foi diagnosticado com apneia pesava 115 quilos e media 1,63 metros. Estes fatores terão sido decisivos para contrair a doença do sono, explicou-lhe a doutora Paula Pinto, coordenadora da Unidade de Sono e Ventilação não Invasiva do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, que tem acompanhado Manuel.

Nos últimos anos, alterou os seus hábitos, adotou um estilo de vida mais saudável, perdeu peso e faz um tratamento que consiste na utilização de um ventilador com uma máscara colocada no nariz durante a noite, que fornece ar de forma continua (impedindo as vias respiratórias de se fecharem) - o CPAP. "Para ter qualidade de vida, tenho de fazer aquilo [o CPAP]. E resulta. Já não tenho sono durante o dia e durmo tranquilamente sete horas", diz Manuel.

No entanto mantém-se sob vigilância médica até porque a apneia pode ser o ponto de partida para outras doenças; a falta de oxigénio "pode levar a um aumento do risco de doenças cardiovasculares, como hipertensão arterial, enfarte e arritmias e tem sido apontada como responsável pelo aumento da mortalidade observada nestes doentes", indica a doutora Paula Pinto. "Um estudo realizado na consulta de Patologia do Sono do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte verificou que, entre os doentes com síndrome de apneia do sono, 60% apresentavam hipertensão arterial, 12% sofriam de enfarte e 11% de arritmias", acrescenta.

As doenças do sono

Mas como se descobre que se tem uma doença do sono? "Na medicina do sono o processo de diagnóstico inicia-se na entrevista clínica com uma detalhada história de sono que deve avaliar vários parâmetros, tais como: padrão e hábitos de sono, estilo de vida, existência de fatores de risco e uso de medicamentos e doenças concomitantes", responde Joana Serra, psiquiatra com competências na área da medicina de sono.

É assim para as mais de uma dezena de doenças associadas ao sono tais como:

Insónia. É uma das perturbações do sono mais frequentes e trata-se da dificuldade em começar a dormir, manter-se ou despertar precocemente. "A insónia diminui a qualidade de vida das pessoas apresentando como consequências diurnas mais comuns a função cognitiva prejudicada (problemas na atenção, concentração e memória), fadiga ou cansaço, sensação de sonolência, diminuição da motivação e iniciativa e humor depressivo ou irritabilidade", refere Joana Serra. As insónias aumentam também o risco de doenças cardiovasculares, de hipertensão arterial, de diabetes de tipo 2, obesidade, depressão, ansiedade, demência ou suicídio. São combatidas com uma mudança de hábitos do sono ou fármacos.

Narcolepsia. Preguiçoso, dorminhoco: é assim considerado muitas vezes quem sofre desta patologia, caracterizada por uma sonolência diurna que impede muitas vezes a realização das tarefas comuns. É tratada com estimulantes.

Roncopatia. Ressonar. O relaxamento muscular resulta numa vibração do fluxo do ar inspirado e expirado. É identificado ainda como um dos sintomas de apneia.

Hipersónia. Dormir mais do que é normal, o que causa uma sonolência excessiva durante o dia. Pode ser uma consequência de outra doença do sono não tratada anteriormente, como a apneia ou a narcolepsia.

Bruxismo. É o hábito de ranger os dentes de forma rítmica. A utilização de uma goteira é muitas vezes a forma de travar o desgaste dos dentes e imobilizar as articulações.

Sonambulismo. Acontece quando uma pessoa se levanta enquanto dorme para caminhar pela casa de forma inconsciente (raramente se lembra do que aconteceu na manhã seguinte). Geralmente, não é necessário um tratamento, apenas tomar algumas medidas de segurança para evitar acidentes.

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