Dois gigantes asiáticos na permanente antecâmara do conflito
Julho e agosto foram meses tensos entre a China e a Índia. As forças armadas de ambos os países estiveram frente a frente durante quase 70 dias no planalto de Doklam, os chineses a protegerem a construção de uma estrada que atravessa a área, os indianos, chamados pelo rei do Butão, a vigiarem-nos. Na ocasião, foi impossível não recordar que os dois gigantes asiáticos travaram uma guerra, com confrontos entre junho e outubro de 1962, por causa de divergências fronteiriças na delimitação territorial dos estados de Caxemira e de Arunachal Pradesh, reivindicado na totalidade pela China.
A crise de julho-agosto terminou com uma declaração conjunta, anunciando a retirada das tropas de ambas as partes e a suspensão da construção da estrada. Mas com ambas as partes a reafirmarem as suas posições, indicando que o diferendo sobre o planalto de Doklam (reclamado pela China) continua em aberto, tal como os restantes pontos em que os dois países mantêm reivindicações. A neutralização das tensões do verão foi interpretada mais pela necessidade de Pequim criar uma atmosfera favorável para a cimeira dos BRICS, no mês seguinte em Xiamen, do que por sentido de contemporização.
A declaração de agosto deixou claro até que ponto ambos os países suspeitam das reais intenções do outro e que, a qualquer momento e sob o mesmo ou outro pretexto, tropas de Pequim e Nova Deli podem convergir para Doklam. Ambas as partes mantêm uma retórica agressiva, com publicações, governantes e porta-vozes oficiais da Índia e da China acusarem-se mutuamente de "violações fronteiriças".
Os diferendos sobre a delimitação de fronteiras ou a posse de territórios resultam do período da presença britânica na região, como a Linha McMahon, inicialmente negociada por representantes de Londres, do Tibete e da China (em 1914), mas nunca reconhecida por Pequim. O acordo então assinado entre a Índia britânica e o Tibete foi usado, após a independência em 1947, por Nova Deli para definir a fronteira do novo Estado com a China. Nos anos 60, negociações entre os então primeiros-ministros Jawaharlal Nehru e Zhou Enlai não produziram qualquer acordo sobre este ponto nem sobre territórios como Arunachal Pradesh (que faz fronteira com o Tibete), e o estado de Jammu e Caxemira, onde, além da reclamação chinesa, o Paquistão também tem reivindicações. Este último país, que tem em Pequim um aliado central, é a outra constante na equação das tensões entre China e Índia. Desde 1981, prosseguem negociações sobre um conflito que permanece suspenso, e que não vai desaparecer tão cedo.