Os gigantes também se abatem. Nesta semana, o mundo do desporto assistiu a uma das maiores surpresas dos últimos anos no basquetebol - em pleno Mundial da modalidade, que se realiza na China, a poderosa seleção dos Estados Unidos foi derrotada pela França (89-79) e caiu nos quartos-de-final da competição, falhando a revalidação do título que conquistou nas duas últimas edições. Como um mal nunca vem só, nesta quinta-feira foram novamente derrotados, pela Sérvia (94-89), e já só podem ser sétimos classificados, ou seja, a pior classificação de sempre da maior potência mundial do basquetebol - supera o sexto lugar de 2002..O espanto é perfeitamente justificável, pois há 13 anos (!) que os EUA não perdiam um jogo oficial de basquetebol (foram derrotados pela Austrália, em vésperas do Mundial, mas numa partida particular). E no espaço de apenas dois dias encaixaram derrotas. Algo nunca visto, e que não pode ser apenas justificado com as ausências de algumas das suas maiores estrelas, casos de LeBron James, Stephen Curry, James Harden e Kevin Durant, que preferiram focar-se nos treinos para a próxima temporada da NBA, temendo lesões e pressões das próprias equipas..A última derrota tinha acontecido no verão de 2006, no Japão, também em pleno Mundial de basquetebol, diante da Grécia (101-95). De então para cá, em Mundiais ou Jogos Olímpicos, nem uma derrota para amostra. Até esta quarta-feira, contra a França, que colocou um ponto final numa série de 58 derrotas consecutivas sofridas contra os norte-americanos. Algo reforçado nesta quinta-feira pela Sérvia, que aplicou o segundo desaire em apenas dois dias aos norte-americanos. Algo que só tinha acontecido em 2002..O mundo ficou de boca aberta com o feito dos gauleses. Mas os falhanços da seleção dos Estados Unidos, apesar de raros, acontecem. E ao longo da história há vários exemplos. O caso mais recente tinha sido em 2006, diante da Grécia (na altura com o estatuto de campeã da Europa), nas meias-finais do Mundial da modalidade, num jogo em que Spanoulis foi o grande carrasco dos americanos, com 22 pontos em momentos decisivos..Quatro anos antes, em 2002, tinha acontecido igual fracasso, com a agravante de a prova ter sido disputada em casa (Indianápolis) e com uma equipa que, mesmo sem algumas das estrelas da NBA, tinha nomes como Reggie Miller, Andre Miller, Michael FInley, Jermaine O'Neal e Ben Wallace. Depois de uma fase de grupos irrepreensível, os EUA caíram nos quartos-de-final. Obra da Jugoslávia (81-78), que acabaria por sagrar-se campeã do Mundo nesse ano. O mesmo cenário tinha acontecido em 1998, na Grécia, quando os norte-americanos caíram nas meias-finais contra a União Soviética (66-64)..A verdade é que desde a disputa do primeiro Mundial de basquetebol da história, em 1950, os EUA só venceram cinco de 18 edições (1954, 1986, 1994, 2010 e 2014). Tantas quanto a Jugoslávia (1970, 1978, 1990, 1998 e 2002). E mais duas do que a União Soviética (1967, 1974 e 1982), o terceiro país com mais troféus conquistados.."Qualquer derrota custa, mas nesta situação custa muito mais. Mas a vida continua", disse no final do jogo de quarta-feira o selecionador norte-americano Gregg Popovich, que não se desculpou pelo facto de os EUA estarem presentes na competição sem as suas maiores estrelas: "Justificar a derrota com isso seria uma falta de respeito com a França. Eles venceram-nos. Não importa quem estava ou deixava de estar na equipa. Só tenho de estar orgulhoso pelo facto de estes 12 rapazes terem sacrificado o seu verão para estarem aqui sem nunca terem jogado juntos.".A fraca atuação da seleção norte-americana foi muito criticada pela imprensa nos EUA. O The New York Times, por exemplo, não poupou o selecionador. "Sem conseguir pelo menos uma medalha, a estreia de Popovich como treinador da seleção não foi nada melhor do que os seus dolorosos períodos como auxiliar, em 2002 e 2004, quando os EUA terminaram em 6.º lugar no Mundial de Indianápolis e em 3.º lugar nos Jogos Olímpicos de Atenas. Nas seis competições entre essas duas competições, o técnico Mike Krzyzewski, da Universidade Duke, levou os EUA a cinco ouros: três em Olimpíadas e dois em Mundiais", escreveu o jornal, para quem os jogadores dos Estados Unidos que participam nos Mundiais "só são lembrados na derrota"..Três falhanços nos Jogos Olímpicos.Nos jogos Olímpicos a história é um pouco diferente, até porque, ao contrário dos Mundiais, nesta competição estão quase sempre presentes as grandes estrelas da NBA. Mas também na maior competição internacional de desporto os EUA já fracassaram. Nas 18 Olimpíadas em que participaram (não estiveram presentes na edição de 1980 porque boicotaram a prova), só perderam o ouro por três vezes. E mesmo assim contando com o facto de só a partir dos JO de 1992 a FIBA ter permitido que os jogadores profissionais da NBA participassem nos Jogos Olímpicos - antes só profissionais europeus e sul-americanos eram autorizados..As três únicas derrotas dos EUA em finais de JO aconteceram em 1972, 1988 e 2004. Nas Olimpíadas de Munique, ainda sem a presença de jogadores profissionais, os norte-americanos foram derrotados na final pela União Soviética, num jogo memorável em que perderam apenas por um ponto (51-50)..Foi provavelmente a derrota de sempre que mais custou aos americanos. Não só pelo rival se tratar da União Soviética, em plena Guerra Fria, mas devido a uma polémica em torno da arbitragem (o árbitro era o brasileiro Renato Righetto), que acrescentou mais três segundos ao jogo e permitiu aos soviéticos conquistarem a medalha de ouro com um cesto nesses últimos segundos extra, autoria de Alexandre Belov, que colocou o marcador em 51-50 a favor dos russos..Os nervos apoderaram-se dos jogadores norte-americanos no final do jogo, que nem sequer se apresentaram na cerimónia do pódio para receberem a medalha de prata. "Se tivéssemos sido derrotados de uma forma normal, teria orgulho em exibir a minha medalha de prata. Mas nós não fomos derrotados, fomos roubados", disparou Mike Bantom, jogador dos EUA, no final do jogo..Kenneth Davis, outro dos jogadores presentes nessa mesma partida, foi ainda mais longe e deixou um desejo expresso no seu testamento. "Declaro e disponho como manifestação de última vontade que, quando da minha morte, a minha mulher, Rita, os meus filhos, Jill e Bryan, e os seus descendentes jamais aceitem a medalha de prata dos Jogos de 1972 na Alemanha Ocidental", podia ler-se..Em 1988, os EUA voltaram a cair novamente diante dos soviéticos, nos Jogos Olímpicos de Seul, desta vez com uma derrota por 82-76. E a última vez aconteceu no verão de 2004, em Atenas, na Grécia, precisamente diante da seleção anfitriã (84-69), mesmo com jogadores como Allen Iverson, Tim Duncan, LeBron James, Carmelo Anthony e Dwayne Wade, na altura ainda aspirantes a estrelas..Para a história dos Jogos Olímpicos, contudo, fica a gloriosa prestação da célebre dream team de 1992, o primeiro ano em que os profissionais da NBA se puderem exibir nas Olimpíadas. Os EUA foram medalha de ouro num torneio em que não perderam nenhum jogo (nem nenhum período) e venceram todos os adversários com pelo menos 32 pontos de diferença, batendo na final a Croácia por 117-85. A quantidade de estrelas era tanta que o selecionador Chuck Daly chegou a dizer que era como ter Elvis e os Beatles juntos. E era caso para isso, pois na mesma equipa jogavam Magic Johnson, Larry Bird, Scottie Pippen e, sobretudo, Michael Jordan, entre outros.