No início de abril, a Fox estreou um documentário sobre as leoas do Kruger National Park, na África do Sul. Malika the Lion Queen marcou uma viragem do canal para os programas de vida selvagem e ofereceu à audiência um rugido extra: a narração foi feita por Angela Bassett, atual protagonista da série 9-1-1 e conhecida por Black Panther, American Horror Story, ER e Master of None..A voz de Bassett neste especial de vida selvagem é um dos exemplos mais recentes de uma tendência que está em crescendo e que leva grandes atores do cinema e televisão a emprestarem as cordas vocais a projetos totalmente diferentes, em especial grandes documentários..A ideia resulta, como Bassett confirmou em 2020, quando foi nomeada para o Emmy de Melhor Narração pelo seu trabalho no documentário The Imagineering Story: The Happiest Place on Earth, sobre Walt Disney, depois de ter sido nomeada também em 2019 por First Pulse. Esta categoria nos Emmys, uma das mais recentes, foi criada precisamente para distinguir este tipo de trabalho narrativo, separando-o do trabalho de dar voz a personagens animadas. Jeremy Irons foi o primeiro consagrado com este Emmy, pelo documentário da National Geographic Game of Lions..Não são só as longas-metragens que estão a atrair grandes nomes da televisão e cinema em Hollywood. Em fevereiro, a CNN lançou uma minissérie de seis episódios produzida pela Glass Entertainment sobre o presidente norte-americano Abraham Lincoln, intitulada Lincoln: Divided We Stand, que foi narrada pelo ator Sterling K. Brown. Ele tornou-se verdadeiramente popular com o papel de Randall Pearson na série This is Us, mas tem uma carreira extensa em televisão e cinema - desde American Crime Story e Supernatural a Black Panther e Whiskey Tango Foxtrot..Os exemplos multiplicam-se. Em setembro de 2020, a Netflix estreou o documentário ambientalista Kiss the Ground com narração de Woody Harrelson, o premiado ator que a audiência conhece de Assassinos Natos, True Detective e Cheers, Aquele Bar. Alguns meses antes, em abril de 2020, a plataforma de streaming Disney+ tinha lançado um documentário de vida selvagem sobre elefantes, produzido pela Disneynature, com narração da Duquesa de Sussex, Meghan Markle. Em Elephant, a antiga atriz de Suits adota um estilo diferente do que é comum neste tipo de documentários, narrando de forma divertida e brincando com o que se vê nas imagens. A sua escolha (que chegou a ser alvo de rumores de influência do Príncipe Harry) não foi solitária no que toca a nomes sonantes para documentários Disney..A plataforma estreou Dolphin Reef, com narração de Natalie Portman, que venceu o Óscar de Melhor Atriz em 2011 por O Cisne Negro e faz parte do universo cinematográfico Star Wars pelo papel de Padmé Amidala na trilogia de prequela da saga. .Mas poucos meteoros de Hollywood são tão celebrados pelas suas capacidades narrativas como Morgan Freeman, que é hoje conhecido como "a voz de Deus". O epíteto surgiu depois de o ator ter usado as suas cordas vocais para encarnar o papel de Deus no filme de 2003 Bruce, O Todo-Poderoso, seguido da sequela Evan, o Todo-Poderoso em 2007..Freeman também foi escolhido como narrador da série documental A História de Deus, cuja temporada mais recente saiu em 2019 no National Geographic, e tem no seu currículo inúmeros outros documentários como narrador. São os casos de The Long Way Home, Island of Lemurs: Madagascar, Born to be Wild, March of the Penguin ou Cosmic Voyage, entre outros..DestaquedestaqueO seu timbre suave, grave e envolvente tem um efeito tranquilizador e ao mesmo tempo elucidativo, o que explica que Freeman entre em projetos inesperados.O seu timbre suave, grave e envolvente tem um efeito tranquilizador e ao mesmo tempo elucidativo, o que explica que Freeman entre em projetos inesperados - é ele, por exemplo, que dá voz à aplicação de navegação Waze. O fascínio com a voz de Morgan Freeman é tão grande que em 2016 a revista Time publicou um artigo sobre como a ciência explica porque é que toda a gente gosta dela.."Não é surpreendente que Morgan Freeman seja usado para tanto trabalho de voz-off, porque a sua voz é percebida como a de uma figura masculina forte e dominante", explicou o professor associado de ciência política na Universidade de Miami, Casey Klofstad, citado pela revista. As experiências científicas demonstram que as pessoas associam as vozes masculinas graves como sendo mais fortes e mais atraentes que as vozes masculinas agudas..Há ainda um fenómeno mais alargado, que explica o interesse crescente nas vozes de grandes atores para narrar documentários completamente fora do círculo em que costumam trabalhar.."Algumas das vozes que ouvimos muitas vezes formam realmente o pano de fundo das nossas vidas", disse Pamela Rutledge, diretora do Media Psychology Research Center em Newport Beach, California. Há um reconhecimento da tonalidade e um reforço da credibilidade quando as vozes pertencem a alguém que vimos repetidamente no pequeno ou grande ecrã. .Este fenómeno está associado a uma outra tendência que tem quebrado preconceitos do passado na indústria do entretenimento. Até há alguns anos, era quase proibitivo ter atores conhecidos a fazerem cenas de reconstituição em documentários. As reconstituições eram interpretadas por nomes menores e muitas vezes com qualidade questionável..Isso está a mudar. Prova A: o novo documentário lançado pela Netflix em março sobre o escândalo das admissões universitárias nos Estados Unidos. Operation Varsity Blues: The College Admission Scandal é um documentário de não ficção realizado por Chris Smith que tem o gigante de Hollywood Matthew Modine a reconstituir os factos na pele de William "Rick" Singer, o responsável pelo esquema fraudulento. Modine, conhecido por filmes como O Cavaleiro das Trevas Renasce e Nascido para Matar, dá um toque único a este documentário. E confirma a mudança de perspetivas. No ano passado, o documentário The Social Dilemma, também da Netflix, contou com um elenco de atores que incluiu Skyler Gisondo (À Noite no Museu, Santa Clarita Diet) e Kara Wayward (Moonrise Kingdom). .Ainda em 2020, Ralph Fiennes (O Paciente Inglês, A Lista de Schindler) ajudou Taghi Amirani a mostrar a história do agente MI6 Norman Darbyshire no documentário Coup 53. Há exemplos anteriores, como o de Errol Morris em 2017, quando realizou uma série documental sobre experiências secretas da CIA, Wormwood, com o ator Peter Sarsgaard..São novos formatos narrativos que tornam os documentários mais vivos e apelativos e diluem as fronteiras entre Hollywood e formatos adjacentes. A popularidade das plataformas de streaming, que só cresceu durante o confinamento, solidificou a mudança.