Julian Assange e Rui Pinto estão ambos presos. Foram ambos acusados de pirataria informática - embora os seus percursos sejam muito diferentes - e de outros crimes que vão desde conspiração, no caso do fundador do WikiLeaks - até tentativa de extorsão, o crime que mantém o português em prisão preventiva. Mas, como sempre acontece com "denunciantes", a condenação do que fizeram não é consensual - são criminosos ou peças fundamentais para a liberdade da informação? Pode um hacker ser um bom vilão?.Neste caso, ambos são detidos numa altura em que o Parlamento Europeu institui um prémio que pretende "homenagear indivíduos que tenham sido intimidados e/ou perseguidos por descobrir a verdade e a expor ao público". Ambos fazem parte da shortlist. E ambos são os nomes mais conhecidos. Neste mês vai também ser votada a primeira diretiva europeia sobre a proteção dos whistleblowers (denunciantes)..O galardão é atribuído pelo grupo parlamentar socialista e comunista, composto pelo partido da Esquerda Europeia e pela Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL), e será atribuído no dia 16 de abril. É a segunda vez que é entregue. O vencedor recebe um cheque de cinco mil euros - que o ajudará "a apoiar e a divulgar o seu trabalho de investigação num esforço para salvaguardar e promover a liberdade de imprensa e o direito à informação", lê-se no site do grupo GUE/NGL..A presidente do grupo parlamentar, a alemã Gabriele Zimmer, já reagiu à detenção de Assange. "Espero que o sistema judicial britânico permaneça imparcial e que não se curve à pressão externa do governo dos EUA", lê-se no comunicado da eurodeputada. "Outros crimes que Assange supostamente tenha cometido devem ser julgados separadamente e de forma justa - assim como acontece com qualquer outra pessoa", acrescenta na nota. "Assange é um caso especial", afirma, por seu turno, a eurodeputada Ana Gomes, uma das vozes que se têm erguido para defender Rui Pinto e insistido na importância de proteger os "lançadores de alertas".."A justiça é que terá agora de resolver".Ana Gomes é, no que diz respeito ao percurso do fundador do WikiLeaks, e ao contrário do que lhe é habitual quando se trata de defender denunciantes, mais cautelosa. "Aquilo que ele fez com o WikiLeaks é de interesse público (...) e deveria ser protegido por isso, mas depois há o resto (...) um herói também pode ser um vilão", diz ao DN..O "resto" é o ter alegadamente servido de instrumento de Vladimir Putin para boicotar a eleição de Hillary Clinton e ajudar Trump a ocupar a Casa Branca. O site WikiLeaks publicou dezenas de milhares de e-mails do endereço eletrónico pessoal de Hillary Clinton e do Partido Democrata. Não está provado, mas a suspeita deixa Ana Gomes cautelosa na defesa de Assange. Existem ainda duas acusações de violação que pesam sobre o australiano. "Conheço os processos, sei que são duas mulheres diferentes e que há ouras pessoas que descrevem o mesmo comportamento", revela Ana Gomes, que empurra a conclusão - e a definição do estatuto de Assange - para a barra do tribunal. "A justiça é que terá agora de resolver essa questão.".Julian Assange foi preso por não se ter apresentado em tribunal em junho de 2012, depois de o Reino Unido ter aprovado a sua extradição para a Suécia - que o queria interrogar por causa dos alegados crimes de violação e agressão sexual, entretanto prescritos. A sua detenção surge também no decorrer de um pedido de extradição dos EUA que acusam o fundador do WikiLeaks de pirataria informática e de conspiração por tentar aceder a um computador do governo norte-americano. O Equador - que retirou o asilo ao ativista e deixou a Scotland Yard entrar na embaixada para prender o ativista - anunciou que deixou claro que Assange não poderia ser extraditado para um país onde pudesse ser torturado ou existisse a pena de morte. "A Grã-Bretanha ainda pertence à União Europeia, pelo que tem de cumprir as normas que incluem não enviar presos para países onde existe a pena de morte, como os EUA", alerta Ana Gomes.."A força por detrás do Football Leaks".Rui Pinto surge descrito no prémio dos grupos do PE como "a força por detrás do site Football Leaks" que denunciou como alguns dos futebolistas mais conhecidos do mundo (Cristiano Ronaldo ou Lionel Messi são citados] usaram paraísos fiscais para fugir ao pagamento de impostos..As denúncias levaram a "uma série de processos por evasão fiscal em Espanha" e "o Parlamento Europeu creditou o Football Leaks por ter desencadeado a sua própria investigação em 2017"..É ainda referida a colaboração de Rui Pinto com investigadores franceses desde 2016 e de como estará em marcha uma possível colaboração com as autoridades fiscais suíças e alemãs [as autoridades francesas, belgas e holandesas terão já copiado parte dos ficheiros do hacker]..A nota não omite os crimes de que o português está acusado: "Tentativa de extorsão [à Doyen Sports], violação de sigilo e aquisição ilegal de informação - isto é, hacking de computadores.".Deixa, no entanto, a ressalva: "Enquanto esteve em prisão domiciliária em Budapeste, Pinto disse aos jornalistas que não se sentia seguro numa prisão portuguesa.".Quem são os outros denunciantes?.Katya Mateva.A ex-diretora responsável pela atribuição de cidadania búlgara no Ministério da Justiça do país denunciou uma fraude nacional que consistia em vender certificados falsos que eram depois usados para obter a cidadania búlgara, uma espécie de vistos gold para garantir passaporte europeu. Mateva trabalhou no ministério até 2016 e alega ter sido despedida depois de ter denunciado o esquema que terá beneficiado até o vice-presidente do país. Os pagamentos eram feitos em dinheiro e em plena luz do dia "nas calçadas em frente às instituições, no coração de Sófia", contou ao jornal EUobserver..Os certificados eram vendidos a macedónios que pretendiam obter a cidadania búlgara por valores entre os 500 e os 7000 euros. Katya Mateva negou 60 pedidos de naturalização depois de ter recebido um alerta da Interpol e a polícia deteve um dos cabecilhas do esquema, Petar Haralampiev, além de outros 20 suspeitos..Haralampiev era o responsável pela agência estatal para búlgaros no exterior e é suspeito de ter vendido milhares de certificados falsos que indicavam ascendência familiar búlgara. Mas Mateva garante que a detenção não acabou com a fraude..Mateva esteve 11 anos no cargo e afirma que pelo menos cinco mil pessoas por ano conseguem comprar um certificado falso em que é dito que têm ascendência búlgara, o que lhes permite serem considerados europeus e viajar sem necessidade de visto nos Estados membros. Os subornos eram pagos mesmo por aqueles que tinham de facto ascendência búlgara. "Todos pagaram. Ninguém recebeu um certificado sem pagar e estes não são impostos estatais", denunciou. O esquema terá beneficiado principalmente a elite política do país. O vice-primeiro-ministro do país, Krassimir Karakachanov, a ex-ministra da Justiça Ekaterina Zaharieva (atual ministra das Relações Exteriores) e o deputado europeu Andrey Kovatchev (do partido GERB de Boyko Borissov) estarão ligados ao esquema. Zaharieva e Kovatchev rejeitam "categoricamente" todas as alegações de irregularidades..Yasmine Motarjemi.A engenheira alimentar trabalhou dez anos para a Organização Mundial de Saúde na prevenção de doenças transmitidas por alimentos antes de ser contratada pela Nestlé, em 2000, como responsável pela área de segurança alimentar. Durante dez anos terá lançado vários alertas à empresa que foram ignorados. Em 2010 foi demitida e cinco anos depois iniciou um processo contra o gigante alimentar na Suíça alegando que a sua demissão foi injusta. A Nestlé também processou a antiga funcionária alegando que a Motarjemi tinha violado as cláusulas de confidencialidade do seu contrato. O tribunal ainda não deliberou em nenhum dos processos..Os alertas lançados por Yasmine Motarjemi à Nestlé eram graves e incluíam a ausência de processos adequados para validar o conteúdo de nutrientes da fórmula infantil de leite - a empresa só começou a fazê-lo depois da fórmula de uma empresa concorrente ter levado à morte de bebés. Motarjemi diz que foi alertada para casos de sufocamento em bebés de 8 meses após terem ingerido bolachas da marca Nestlé..Em 2009, 77 pessoas nos EUA ficaram doentes com E. coli depois de comerem a massa de biscoito da Nestlé crua. Motarjemi disse que, apesar de esta questão ter sido relatada na literatura científica, nada havia sido feito para evitar esse risco..Motarjemi descreveu ainda, segundo a nota da GUE/NGL "uma cultura de assédio e intimidação na Nestlé, o que significava que - embora as políticas da empresa parecessem boas no papel, a Nestlé não estava interessada em pôr em prática as suas preocupações [enquanto responsável pela segurança alimentar dos produtos]"..Luis Gonzalo Segura.O ex-tenente espanhol Luis Gonzalo Segura foi condenado em janeiro deste ano pelo Supremo Tribunal do país a dois meses de prisão por ter denunciado alegados atos de corrupção e irregularidades no Exército. O antigo oficial escreveu um livro em 2014 - Un Paso al Frente (Um Passo à Frente) sobre os casos de corrupção e outras práticas ilegais que terão sido cometidas e que o militar terá testemunhado..Foi acusado de "indisciplina" e colocado sob custódia militar. No ano seguinte acabaria por ser expulso do Exército por "repetidamente cometer atos contrários à disciplina e à subordinação aos superiores", por ter publicado vários livros críticos à instituição (escreveu três, no total) e ainda por ter denunciado privilégios "insultuosos, criminosos e antiéticos para alguns oficiais", segundo o El Español..Segura passou cinco meses numa prisão militar, a maior parte do tempo numa cela isolada. A GUE/NGL diz que a situação do ex-tenente reflete "as disposições nacionais de proteção a denunciantes em Espanha que não os protegem e muito menos aos militares"..Howard Wilkinson.O ex-diretor de mercados do Danske Bank na Estónia denunciou irregularidades financeiras na ordem dos 200 mil milhões de euros provenientes de lavagem de dinheiro. Wilkinson alertou a instituição bancária para a qual trabalhava através de vários e-mails em que alertava para várias irregularidades em contas de clientes. Antes de deixar a empresa escreveu um e-mail onde expressava a sua indignação pela auditoria interna realizada em janeiro daquele ano que não tinha resultado na desativação das contas desses clientes..Wilkinson deixou o Danske Bank em abril de 2014 após assinar um acordo que o proibia de falar no caso à polícia..Em 2015 o Danske Bank encerrou a sua filial na Estónia, mas o caso só veio a público após a publicação de várias reportagens no jornal Berlingske da Dinamarca, em 2017, que originaram a realização de um relatório interno na empresa. Thomas Borgen, CEO da Danske Bank, renunciou pouco depois ao cargo e o nome de Howard Wilkinson foi revelado por um jornal da Estónia sem que este o tenha autorizado.