Há quem diga que a cereja é um superalimento. Embora não goste de utilizar este termo, Ana Paula Duarte reconhece que, se for comparada com outros produtos apresentados como tal, "então não será exagerado dizer que é um superalimento". No âmbito do projeto que coordenou no Centro de Investigação em Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior (CICS-UBI) - "O potencial terapêutico das cerejas do Fundão: do pomar à clínica?" -, a vice-presidente da Faculdade de Ciências da Saúde da UBI adianta que foram confirmados vários benefícios deste fruto para a saúde, que vão desde a prevenção de doenças à regulação do sono..Da investigação feita no âmbito do projeto, que teve início em 2015, foi possível concluir que as cerejas têm "uma série de compostos fenólicos", que são substâncias com um elevado potencial antioxidante, associadas à "prevenção de doenças provocadas pelos agentes oxidantes", nomeadamente "doenças degenerativas, vários tipos de cancro e envelhecimento". Mas o facto de estarem presentes na cereja não quer dizer que sejam absorvidas pelo organismo. No entanto, ao passar do estudo da atividade in vitro para a investigação in vivo, os investigadores concluíram que "há uma quantidade razoável que é absorvida pelo organismo". Essa parcela, que tem a capacidade de exercer atividade antioxidante, altera-se consoante a variedade da cereja, mas está presente em todas..De acordo com a coordenadora do CICS-UBI, foram também realizados "ensaios muito preliminares" com células do cancro da próstata usando a variedade saco, típica dos cerejais do Fundão. "Houve uma diminuição do crescimento das células de cancro na presença dos extratos destas cerejas", adianta a responsável, destacando a necessidade de aprofundar a investigação nesta área..Ainda no decorrer do mesmo projeto, que deu origem a cinco teses de mestrado, foi procurada a presença de melatonina -que influencia o ritmo circadiano - na cereja. E as suspeitas confirmaram-se, o que quer dizer que este fruto ajuda a regular o sono e pode ser útil em situações de jet lag, por exemplo..Não foi quantificada qual a dose diária recomendada de cerejas, mas, segundo a investigadora, "quanto mais se comer, melhor", até porque hidrata, não tem muito açúcar e aquele que está presente no fruto não é prejudicial para a saúde. No âmbito de um outro projeto que ainda se encontra a decorrer no CICS - "Cerejas do Fundão confitadas com mel e carqueja como promotoras de saúde" -, foi possível concluir que estas também têm "propriedades antidiabéticas"..Viajámos até à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), onde há cerca de 30 pessoas a fazer investigação com este fruto, no âmbito do Grupo Operacional Cereja de Resende, do qual fazem parte empresas, produtores individuais e autarquia. Criado no final de 2017, este grupo pretende melhorar "o processo produtivo, a produtividade e a qualidade" do produto..Um dos objetivos é estudar formas de proteger as árvores dos seus principais inimigos: chuva, granizo e pragas. Berta Gonçalves, coordenadora do grupo, conta que, para isso, foram instaladas redes com uma malha muito fina (com menos de dois milímetros) em alguns pomares. Esta não é uma prática habitual em Resende, o que faz que, quando chove, "praticamente toda a produção seja perdida, porque os frutos racham". Um problema com bastante expressão, já que as cerejas "da região são as primeiras na Europa a ser colhidas", logo no mês de abril. "Quando está bastante calor, as cerejas crescem e mudam de cor. Se chove um ou dois dias antes da colheita, racham.".Segundo a investigadora do Centro de Investigação e Tecnologias Agroambientais e Biológicas (CITAB) da UTAD, com a utilização de redes nos pomares "a diminuição do rachamento é uma evidência e é possível antecipar a colheita", pois há um "efeito de estufa". Desta forma, aumenta a produtividade por árvore e a qualidade do fruto: "A cereja é maior e mais homogénea." Além disso, a rede pode ter um efeito antipraga e proteger os pomares da mosca drosófila suzukii, que tanto atormenta os produtores..Outro dos objetivos do grupo é caracterizar o funcionamento da subfileira da cereja na região de Resende, desde a produção ao consumo. Até 2021, que é quando termina o projeto, deverá ser elaborado um manual de boas práticas "para aconselhar os produtores da região a escolher a melhor variedade, o porta-enxerto mais adequado, a rega mais adequada, os tratamentos fitossanitários"..As necessidades hídricas estão a ser estudadas, bem como os fertilizantes e os bioestimulantes. Tudo para fazer da cereja um fruto ainda mais especial.