Não são muitos os músicos que viram o seu nome ser transformado num verbo, como Caetano Veloso fez com Djavan, ao referir-se a um certo Djavanear para definir a variedade da obra do cantor alagoano, ora com um pé no samba, um ouvido no jazz ou a alma na soul. Tudo isto aliado a uma escrita muito própria, senão mesmo única no universo da MPB, pelo modo como diz sem dizer, picando e escarafunchando, mas sempre com um dedo "a apontar ao futuro e nunca a ninguém", como faz questão de salientar. Podia ter sido jogador de futebol, mas tornou-se um dos maiores embaixadores musicais do Brasil no mundo, já com 20 discos editados, que lhe valeram no currículo três prémios Grammy latinos..Filho de uma mãe negra, que trabalhava como lavadeira, e de um pai branco, vendedor ambulante, Djavan começou a cantar profissionalmente aos 23 anos, depois de se mudar do seu nordeste natal para a cidade do Rio de Janeiro. Começou por atuar nalgumas das mais famosas boates da Cidade Maravilhosa e pouco tempo depois já dava voz a temas de compositores como Dorival Caymmi, Toquinho e Vinícius de Moraes, na banda sonora da novela Gabriela. O primeiro disco em nome próprio, A Voz, o Violão, a Música de Djavan, seria lançado em 1976 e foi logo um estrondoso sucesso comercial, que o elevou ao estatuto de estrela da MPB..Aos 70 anos e já com mais de quatro décadas de carreira, Djavan ainda consegue surpreender os fãs. A melhor prova disso é seu último álbum, Vesúvio, no qual alarga ainda mais a diversidade de universos artísticos e musicais da sua música. É este disco que o traz de volta a Portugal, para três concertos, onde, além dos temas de Vesúvio, não faltarão também, como o próprio promete nesta entrevista, alguns dos seus mais celebrados êxitos, como Flor de Lis, Fato Consumado, Linha do Equador, Lilás ou Eu Te Devoro..É conhecido por ter uma obra musical bastante diversificada, que se passeia pelos mais variados estilos, do samba ao jazz, mas neste último disco parece haver uma sonoridade muito mais pop do que o habitual, concorda? Não concordo muito, não. Ou melhor, houve de facto uma opção minha em dar uma roupagem pop a algumas canções mais políticas, de modo a que a mensagem chegasse a um maior número de pessoas, mas dizer que todo o disco é pop parece-me um pouco exagerado, até porque a minha formação vai precisamente em sentido contrário, no buscar a maior diversidade possível na música..E isso é bem audível neste disco, ao nível das letras... Quando comecei a tocar, ainda adolescente, a capacidade de tocar diversos estilos musicais era muito bem-vista e valorizada. A minha obra musical tem muito que ver com essa formação, tal como a temática das minhas canções, que neste disco tanto abrangem as relações humanas como questões sociais ou a situação política atual, tanto no mundo como no Brasil. Essa diversidade que procuro também existe nas letras das canções..Considera que, em tempos tão polarizados como os que vivemos, os artistas devem tomar uma posição, seja para um lado, seja para outro? Isso é uma opção de cada um, que tem que ver mais com consciência. Eu considero que um artista, só por esse facto, tem direito a uma tribuna que o cidadão comum não tem e isso dá-lhe uma oportunidade para ser ouvido. Não podemos ignorar as coisas que acontecem à nossa volta e enquanto artista acho muito interessante abordar questões que realmente tenham que ver com a vida das pessoas que me ouvem..Daí algumas letras tão assumidamente políticas? Tento falar nalgumas das mazelas que nos afligem, mas sempre com um dedo apontado a um futuro mais promissor e não a ninguém..A exemplo do álbum anterior, contou com a participação de alguns velhos companheiros musicais, mas desta vez também com músicos de uma nova geração. Acima de tudo queria estar rodeado de músicos que me permitissem atingir essa tal diversidade musical e sonora que sempre procuro em cada disco. E essa mescla de músicos experientes com outros mais jovens permite-me essa liberdade de arriscar, especialmente ao vivo e este é um show em que isso se sente muito. É mais pop quando tem de ser, mas também é mais diverso, de modo a conseguir fazer uma grande festa durante o tempo em que estamos no palco..Vem apresentar o último disco, Vesúvio, mas também haverá espaço para os temas mais antigos, certo? Claro que sim. O meu objetivo, quando estou num palco, é interagir ao máximo com o público e por isso nunca podem faltar alguns clássicos, que vou misturar com alguns temas do disco novo e outros mais antigos, que raramente toco. Esta digressão teve início em março e continua a ser um enorme êxito no Brasil devido a esta dinâmica, o que é bem demonstrativo da felicidade do repertório escolhido..Como é que alguém com já quase 40 anos de carreira faz essa escolha? É muito difícil e por isso é um processo que envolve muita gente, apesar de a última palavra ser sempre minha (risos). Normalmente falo com a minha família, os meus músicos e a minha empresária, que sempre me ajudam muito nesse processo. E neste ano até perguntei ao público, numa votação na internet, quais as músicas que queriam ouvir..Qual foi a resposta? Foi surpreendente, porque escolheram uma que quase nunca toquei antes, chamada Flor do Medo..Estes concertos em Portugal vão ser idênticos aos que tem apresentado no Brasil? Sim, apesar de haver sempre pequenas coisas que se vão ajustando a cada espetáculo. Às vezes basta mudar a ordem de uma música para o espetáculo ser completamente diferente. Mas confesso que estou muito ansioso, como sempre acontece quando vou a Portugal, por ser um país de que gosto muito. Gosto da comida, da cultura, da arquitetura e, claro, do público, que ao longo dos anos tem sido sempre muito carinhoso comigo. Os concertos em Portugal são sempre momentos muito especiais para mim..DJAVAN.Casino Estoril, Cascais. Hoje, 6 de novembro, 21.30. €40 a €120.Campo Pequeno, Lisboa. 8 de novembro, sexta-feira, 22.00. €35 a €80.Coliseu do Porto. 9 de novembro, sábado, 22.00. €30 a €75