Divulgação de vídeos de interrogatórios "abala os fundamentos do Estado de Direito Democrático"
"O procedimento utilizado não constitui apenas uma violação da lei processual penal vigente. Ele viola flagrantemente os direitos, liberdades e garantias constitucionalmente protegidos dos Arguidos, contribui para julgamentos populares totalmente desaconselháveis em sociedades democráticas saudáveis, ausentes de um contraditório capaz de formar uma opinião crítica, antes potencia a conflitualidade social em prejuízo da paz desejada, e abala os fundamentos do Estado de Direito Democrático", sublinha em comunicado o Bastonário da Ordem dos Advogados (OA), Guilherme Figueiredo e a Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo penalista Paulo Saragoça da Mata.
Em reação à divulgação dos vídeos de alguns dos interrogatórios da "Operação Marquês", entre os quais o do ex-primeiro-ministro José Sócrates e do ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, a Ordem diz que esta publicação - que configura crime de desobediência - "tem a potencialidade de crispar a sociedade, violando um princípio base de paridade de armas, contribuindo não para uma pacificação, mas antes para um tumultuar de sentimentos, com a possível potenciação de comportamentos de conflitualidade social".
Guilherme Figueiredo e Saagoça da Mata sublinham que, "mesmo que a lei não existisse, a deontologia profissional do jornalista imporia sempre que a divulgação de informações relativas a processos criminais em curso não fosse filtrada unicamente por critérios, também eles jornalísticos, daquilo que se considera ser de interesse público. E é manifesto que a situação criada levou a que fossem tornadas do conhecimento público apenas "partes" de interrogatórios e de "escutas", ademais como suporte de prova da narrativa jornalística reclamada de investigação, não permitindo aos "julgadores populares" o acesso à integralidade das provas da mesma e igual natureza que possam infirmar ou mitigar as consequências que intelectualmente se retiram da escolha e decisão jornalística".
E pedem sanções: "concorde-se ou não com o regime legal estatuído no Código de Processo Penal no que concerne à divulgação pela comunicação social do conteúdo de actos processuais em processo criminal, o certo é que, em primeiro lugar, existindo Lei em vigor, a mesma tem de ser cumprida. E uma violação de lei impõe, para reafirmação do império do Direito e para restabelecimento da paz social, que seja perseguida e sancionada".
Por tudo isto, é salientado, "a Ordem dos Advogados, e a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, não podem deixar de repudiar o sucedido, dadas as consequências nefastas que tem no equilíbrio dos interesses em presença".