"Discursos anti-Islão são uma bênção divina para os terroristas"
Este ataque, lançando um carro contra as pessoas, dá ideia que terá sido feito por alguém que decidiu seguir o livro de instruções do Daesh...
Exatamente. A revista do Estado Islâmico - que se chamava Dabiq e que agora se chama Rumiyah - fez esse apelo no ano passado: "atirem viaturas para cima da população." Foi o caso de Nice e de Berlim. A este propósito, vale a pena referir que o último número da Rumiyah, que saiu há cerca de dois meses, propunha que se atirem engenhos incendiários para dentro de espaços fechados com muita gente, por exemplo templos ou salas de espetáculos. É portanto possível que isso venha a acontecer nos próximos tempos.
O ataque de ontem deu-se precisamente no dia em que passava um ano sobre os atentados de Bruxelas. Terá sido uma coincidência de datas?
Não creio. Eles gostam muito de comemorações.
É quase impossível prever e combater este tipo de ataques...
Sim, tem razão. Mas há sinais que podem ser detetados. E é possível estabelecer perfis entre os elementos radicais, identificando aqueles que estão prontos para passar à ação - até por um eventual conjunto de exteriorizações ou de desabafos públicos. Claro que em teoria isto é simples de dizer e depois na prática é muito difícil.
Mas, mesmo que haja suspeitas e desabafos públicos, não havendo um crime a polícia não pode atuar...
Claramente. As expressões de desagrado não determinam crime, ainda que haja aquela figura jurídica do incitamento ao terrorismo... À medida que vamos retirando território ao Estado Islâmico na Síria e no Iraque eles vão fazendo este tipo de ações e projetando as suas metástases para outras partes - para os próximos tempos está previsto o aumento da atividade do Daesh em África. Não podemos festejar. O facto de perderem território na Síria e no Iraque não significa que sejam menos perigosos. São indivíduos muito perigosos que estão feridos - e um animal ferido é muito mais perigoso.
Até que ponto o discurso anti-Islão de alguns líderes europeus, como Geert Wilders ou Marine Le Pen, pode servir para atiçar o Estado Islâmico e os lobos solitários?
Sem dúvida. Esses discursos anti-islâmicos são uma bênção divina para os terroristas. Temos de ser inteligentes e não podemos lançar os moderados nos braços dos fundamentalistas, que são apenas uma minoria.
É inevitável que continuemos a assistir a ataques deste tipo?
Isto vai continuar de uma maneira imprevisível. A solução passa sempre por manter a vigilância, por aumentar o esforço dos serviços de informações, pela cooperação internacional desses serviços e pelo reforço de meios humanos e tecnológicos.
Não corremos o risco de passar para o lado de lá da fronteira, transformando os Estados numa espécie de Big Brother que tudo vigiam?
Em situações de crise há sempre o risco de ultrapassar essa linha. Mas mesmo em situações que não são de risco iminente é possível fazer mais.
As eleições em França e na Alemanha são um fator de risco?
São, até porque Marine Le Pen vai aumentar o seu discurso anti-islâmico, o que é um brinde para os radicais.
Portugal também pode ser um alvo?
Nenhum país está a salvo, mas Portugal, em comparação com outros países, está, por enquanto, numa situação mais favorável. Mas temos de continuar vigilantes e partilhar informações com outros países.