Luís Newton, presidente da Junta de Freguesia da Estrela, em Lisboa, multiplicou-se em declarações assim que foi conhecida a detenção, na terça-feira de manhã, do alegado traficante de droga Heitor Brandão, no âmbito da Operação Origami da Polícia Judiciária. O dirigente político, que é também deputado municipal e presidente da concelhia de Lisboa do PSD, quis passar a ideia de que a relação com Heitor Brandão é distante ou circunstancial. No entanto, a proximidade entre ambos é grande e está bem demonstrada. "A ligação é mais do que evidente", garante fonte policial..Heitor Brandão, luso-cabo-verdiano de 45 anos, que declara cerca de nove mil euros anuais no IRS e que é proprietário de um Mercedes AMG 53, cujo valor de mercado supera 150 mil euros, é militante do PSD desde 2015, com o cartão número 230 661. Documentou ao longo de anos nas redes sociais a cumplicidade com Luís Newton..No seu perfil de Facebook, o alegado traficante surge em várias fotos ao lado do presidente da Junta da Estrela, e este deixou "gostos" nessas imagens..Segundo fontes próximas da investigação, ambos estão a ser investigados por alegados negócios ilícitos em comum, o que Luís Newton energicamente desmentiu ao DN na terça-feira. "A insinuação de que sou cliente do Heitor só pode ser uma brincadeira", sustentou. Sobre indícios reunidos pelas autoridades de que Brandão mantinha relações muito próximas com diversos políticos, fornecendo-lhes estupefacientes e acesso a prostitutas e facilitando a falsificação de documentos, o presidente da Junta acrescentou: "São indícios "totalmente falsos" e uma "tentativa de assassinato de caráter". Há igualmente indícios de alegados crimes económicos e da mobilização de dezenas de moradores da Estrela para a prática de crimes, comprovados através de escutas telefónicas e de registos informáticos do serviço de e-mail Proton..Ainda na última terça-feira, Luís Newton garantiu em declarações ao Correio da Manhã: "Não é meu amigo, tínhamos apenas ligações institucionais" Esta versão contradiz factos plasmados no Facebook. Numa publicação a 8 de setembro de 2017, Heitor Brandão descreve o presidente da Junta como "grande amigo". Envia-lhe um "grande chi-coração" e acrescenta: "Estamos juntos". O próprio Newton escreveu um comentário à publicação: "Um grande abraço meu amigo!"..Quem servia de intermediária entre os dois seria a irmã do agora detido, Karine Brandão, que trabalha na Junta de Freguesia liderada por Luís Newton e que é vogal da concelhia do PSD liderada por Newton..São vários os familiares de Heitor Brandão empregados na Junta, alguns deles por ajuste direto, ou seja, sem terem passado por concurso público, o que adensa a impossibilidade de Newton e Brandão terem apenas "ligações institucionais"..Além de Karine Brandão, que entrou na Junta em 2017 com ajuste direto anual de oito mil euros, trabalham ou já trabalharam ali um outro detido na terça-feira, Márcio Marujo, cunhado de Heitor Brandão, que é fiscal, e Graciete Brandão, que faz limpezas. Sara Brandão, cunhada de Heitor, foi contratada sem concurso em janeiro de 2018 por nove mil euros ao ano para atendimento ao público, como mostra o portal Base da contratação pública. Leonid Brandão, sobrinho do alegado traficante, está na Junta desde 2021, contratado por ajuste direto para funções de operário e calceteiro por 10 800 euros ao ano. Em 2019, Leonid concorreu à junta mas foi "excluído por não comparência à entrevista", lê-se numa ata da Junta..Estas contratações, descritas como pagamento de favores, são apenas a ponta do icebergue, de acordo com fontes da investigação..O DN tentou contactar Luís Newton por telefone, sem êxito, e na quarta-feira dirigiu-lhe várias perguntas por escrito, pedindo que explicasse o porquê de várias pessoas com relações familiares entre si terem funções na Junta e se considera que tal situação é normal. As respostas não tinham chegado até à hora de publicação desta notícia..Heitor Brandão foi detido na terça de manhã num café de que será proprietário, localizado na Rua Possidónio Silva, à Estrela. Estava sob a mira da PJ desde há um ano e três meses. Preparava-se para apanhar um voo da TAP na tarde daquele dia com destino à Holanda para tratar de supostos negócios de narcotráfico. A detenção foi feita em cumprimento de um mandado emitido pelas autoridades francesas, informou a Judiciária em comunicado..O suspeito terá cometido vários crimes em França ligados ao transporte de cocaína dissimulada no casco de navios. A droga tinha origem no Brasil presumivelmente através da rede de Sérgio Carvalho, antigo oficial da Polícia Militar brasileira de Mato Grosso do Sul e descrito como um dos maiores senhores da droga a nível mundial..Sérgio Carvalho foi detido na Hungria em 2022 e extraditado para a Bélgica no último verão, onde se encontra a aguardar julgamento. É a mesma rede de narcotráfico que tinha como cabecilha em Portugal Rúben Oliveira, conhecido como Xuxas, detido há 16 meses..Presente o juiz na quarta-feira, Heitor Brandão ficou em prisão preventiva e pode vir a a ser extraditado para França, para julgamento. Além dele, foram também detidos o seu sogro, conhecido por "Francês", que também ficou em prisão preventiva, e ainda o cunhado, Márcio Marujo, também funcionário da Junta da Estrela, que ficou em prisão domiciliária..A droga chegaria à costa francesa alojada em cascos de barcos. A somar ao alegado tráfico em Lisboa, que faria numa escala expressiva, Heitor Brandão contrataria mergulhadores em Portugal e Espanha que viajavam até França com frequência para retirarem a droga das embarcações..dnot@dn.pt