Mais de um mês após ter assumido a presidência interina da Venezuela, Juan Guaidó já provou que consegue mobilizar multidões, conta com o apoio de mais de 50 países que aplicam pressão económica e diplomática sobre Nicolás Maduro, mas na prática não consegue exercer o poder em face de um presidente que não quer ceder. Alguns diplomatas venezuelanos reconheceram-no e os militares vão desertando a conta-gotas, mas o caminho ainda é longo..Depois de vários encontros com líderes estrangeiros na Colômbia, no Brasil e no Paraguai, o próximo desafio do presidente da Assembleia Nacional será regressar à Venezuela - onde arrisca a prisão por ter violado uma decisão do Supremo Tribunal (cuja legitimidade não reconhece) e ter saído do país sem autorização. Em Brasília, disse que o faria até o mais tardar segunda-feira, apesar das "ameaças"..Diplomacia.Enquanto no Conselho de Segurança da ONU, EUA e Rússia - em lados opostos - vetam resoluções, nas embaixadas venezuelanas nos países em que Guaidó é reconhecido, há diplomatas a anunciar o seu apoio ao presidente interino, enquanto os outros estão a ser expulsos. E Guaidó está também a nomear os próprios representantes..Nos EUA, por exemplo, 11 diplomatas terão desertado, enquanto em Portugal há registo de um: o segundo-secretário da embaixada, Victor Liendo-Muñoz, que anunciou a sua decisão no dia 27. Ao DN, disse que a sua tomada de posição é "pessoal", tendo admitido que fica agora numa posição de "incerteza". No comunicado, pediu a outros que tomassem a mesma decisão. A embaixada, numa nota enviada à agência Lusa, indicou que este tinha sido notificado do fim das suas funções, já no dia 18 de fevereiro..Guaidó nomeou José Rafael Cots como embaixador em Portugal. "Já recebemos a comunicação formal da parte da Assembleia Nacional venezuelana e o nosso departamento jurídico já está a analisar essa comunicação", disse o chefe da diplomacia portuguesa, Augusto Santos Silva, sem avançar prazos para concluir o processo. "Os Estados devem ter o tempo que entendem necessário para analisar com cuidado as propostas de representação que lhes são feitas por outros Estados." O governo de Maduro anunciou entretanto a transferência dos escritórios da petrolífera PDVSA de Lisboa para Moscovo, alegadamente para manter seguros os bens do país..Militares.É impossível conhecer o número concreto de deserções, sabendo-se que pelo menos 600 militares terão fugido para a Colômbia nesta semana. Contudo, segundo um suposto documento oficial da Guarda Nacional que veio a público, teria havido mais de quatro mil deserções desde o início do ano. Guaidó tem lançado apelos aos militares para que deixem de responder a Maduro e se ponham "do lado certo da história", prometendo uma amnistia..Entre os nomes mais sonantes que abandonaram Maduro - que ainda tem o controlo das chefias militares - está, por exemplo, o ex-general Hugo Carvajal, que foi chefe dos serviços de informação militares durante quase uma década. "Assume a miséria que trouxeste à nossa terra. Assume a crise humana, económica, política e social com que atormentaste toda a Venezuela", disse, dirigindo-se a Maduro..No vídeo, tinha deixado uma mensagem aos militares: "Não pode ser possível que este exército, agora nas mãos de uns quantos generais subjugados às diretrizes cubanas, se tenha convertido no maior colaborador de um sistema de governo ditatorial desenhado para assolar o povo de miséria", indicou..Carvajal, que também é deputado, reiterou nesta semana que a Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e agentes dos serviços de informação cubanos controlam a Força Armada Nacional Bolivariana (FANB), estando por trás de atividades criminosas. A GNB, "além de violar os direitos humanos em repressões, é a verdadeira escrava do narcotráfico.".O general indicou ainda que "o objetivo primordial do governo legítimo [Guaidó] é tomar o controlo da FANB. Para isso, é preciso desmontar o aparato de inteligência cubana e os mecanismos de controlo que mantêm a estrutura governamental" do país. Sem isso será impossível "neutralizar elementos sem desencadear uma guerra"..A denúncia de que os cubanos se teriam "infiltrado" nas FANB não é nova, sendo repetida há vários anos pela oposição - mas os laços militares entre os dois países permanecem envoltos em segredo, havendo contudo um acordo técnico militar que inclui a formação de pessoal venezuelano por oficiais cubanos. Após assumir a presidência interina, Guaidó afirmou que os cubanos deviam deixar as FANB..Segundo Pascal Fletcher, analista da BBC Monitoring, depois do fracasso do golpe contra Chávez, em 2002, este procedeu a uma purga dos dissidentes e implementou um modelo de doutrinação ideológica semelhante ao das Forças Armadas cubanas. Adotou também a chamada "guerra popular", com a criação de grupos de milicianos que se poderiam juntar às forças regulares para responder no caso de um hipotético "ataque imperialista".