Dez anos em obras: "Uns têm candeeiros do Siza, nós chuva em cima dos livros"
É um dos casos mais dramáticos de atrasos de obras em escolas e que parece agora ter fim à vista. Um fim que, na melhor das hipóteses, vai chegar em 2020, dez anos depois do início da empreitada. A Parque Escolar já tem luz verde do governo para concluir a renovação da Escola Secundária de Monte da Caparica, que desde 2010 vive entre contentores e um edifício antigo, paredes meias com outro completamente novo que está embargado há seis anos.
Uma portaria conjunta das Finanças e da Educação, publicada esta segunda-feira em Diário da República, autoriza a empresa a gastar nove milhões de euros na conclusão de umas obras que deveriam ter acabado em 2012. Os primeiros tempos da primeira de duas fases previstas para a empreitada, até correram bem, conta a diretora da escola, o problema veio com a mudança de governo e a chegada em força da austeridade. "Em 2011, a primeira fase do projeto estava praticamente concluída, como planeado, mas a meio do ano dá-se a saída de José Sócrates e a entrada do governo de Passos Coelho, que quis logo fazer uma auditoria à Parque Escolar", recorda Isabel santos. "O empreiteiro, uma empresa de Braga, ainda foi ficando pela escola, mas só a fazer pequenas coisas, porque se percebia o que ia acontecer. Até que em janeiro de 2012 abandonou por completo a empreitada". E não foi caso único: ao todo, 14 escolas ficaram no limbo, a ter de continuar as aulas entre estaleiros suspensos.
As novas instalações, que incluem um bloco de salas, ficaram encerradas, com grande risco de degradação, alertaram em 2014 deputados do PCP, "acarretando custos acrescidos quando for retomada a empreitada". "Têm sido anos complicados, de grande resiliência dos professores e em que os alunos têm sido fantásticos", enaltece Isabel Santos, que enumera dois tipos de custos que resultaram dos atrasos: os financeiros - o aluguer de cada contentor custa 15 mil euros por mês, sendo que a escola tem 22 salas a funcionar nestes monoblocos, a que se juntam a cantina, os bares de professores e alunos e a reprografia - e os de reputação - houve uma quebra de novas inscrições. "Ainda assim, os nossos estudantes não querem sair, tem tudo a ver com relações humanas".
Já no ano passado, uma petição pública "Pela conclusão urgente das obras na Secundária do Monte da Caparica", dirigida aos presidentes da República e da Assembleia da República, alertava para a fuga dos melhores quadros docentes, mas também dos próprios alunos. "De facto, passados sete anos, é incontável o número de alunos que nunca conheceu uma situação de normalidade no seu percurso pelo Ensino Secundário. Aquela que era uma boa escola, transformou-se num amontoado de contentores indignos de um país desenvolvido, que mais parece uma Aldeia Olímpica improvisada do que um estabelecimento de ensino - tal situação não só conduz à fuga dos melhores quadros docentes, mas também dos próprios alunos, que se veem, todos os dias, confrontados com os notórios limites da dignidade. Tudo isto à vista de todos e sem que nada se passe".
Isabel Santos também relata ao DN algumas situações no limite da dignidade - "há alunos de outras escolas que têm candeeiros do Siza Vieira, os nossos levam com chuva em cima dos livros e dos cadernos" -, mas ainda assim destaca casos de resistência como "o de um aluno que fez todo o secundário entre obras e que mesmo assim agora foi o melhor aluno da Faculdade de Ciências e Tecnologia".
Agora, com o despacho do Governo, a diretora espera poder usar as novas instalações já a meio do próximo ano letivo. "Faltam só coisas pequenas, como chão, espero que a 1ª fase acabe rapidamente". Fica a faltar a segunda etapa do projeto, que agora está previsto ficar concluído em janeiro de 2020. O grosso do investimento, mais de seis milhões de euros, está previsto para o próximo ano.
No início do ano letivo que agora acabou, o Ministério da Educação adiantou ao DN que das 173 obras que o programa Parque Escolar previa, 166 estão concluídas. Em 2016, 11 escolas ficaram prontas e em 2017 uma outra. Na altura, o gabinete de Tiago Brandão Rodrigues criticou o governo anterior pelos atrasos.
"Verificou-se uma quebra de cerca de 70% no investimento em escolas durante o mandato do XIX Governo Constitucional", indicava o ME. "Redução nos montantes do Orçamento do Estado para manutenção e investimento (21,8 milhões de euros em 2011, para 5,2 milhões em 2015)"; "suspensão de empreitadas iniciadas - em construção", no âmbito do Parque Escolar; "e interrupção de intervenções em 15 escolas em fase de contratação, 19 escolas em concurso, 4 escolas em fase de projeto, 2 escolas em início de projeto e 94 escolas em fase de definição de programa funcional, em agosto de 2011".