Colecionar insetos. Foi este simples e antigo prazer de infância do japonês Satoshi Tajiri que o inspirou na criação da tão popular e internacional marca Pokémon. Pode dizer-se que são memórias bucólicas literalmente transferidas para um mundo eletrónico. Com efeito, a ideia materializou-se pouco depois do lançamento do Game Boy, nos anos 1990, quando tal objeto de teclas começava a moldar os hábitos de entretenimento de uma nova geração. Com apenas dois jogos difundidos nessa pequena consola portátil, o futuro estava à porta - o enorme sucesso alcançado garantiu o crescimento da marca para lá do reduzido ecrã, inclusive passando de imediato os jogos para a Nintendo 64..Qual o conceito em que assentava? No dito espírito de colecionar bichos, os jogadores, ou melhor, "treinadores Pokémon" tinham de capturá-los e treinar os seus poderes para competirem com as equipas de outros treinadores. Uma lógica que, de resto, definiu a base de funcionamento desse universo até hoje, e desenhou o próprio marketing à volta dos bonecos coloridos, desde os jogos de cartas, mangas, séries televisivas, filmes de animação, brinquedos (quem não se lembra da moda das coleções de autocolantes e tazos, que vinham como brindes nos pacotes de batatas fritas?), à mais recente e polémica aplicação Pokémon Go, que, ao fundir o jogo com a realidade que nos rodeia, causou alguns acidentes graves....Entranhada na cultura pop, a febre Pokémon, que se alastrou através dos videojogos e da televisão na década de 1990, chega agora à linguagem de Hollywood numa coprodução americana e japonesa. Pokémon: Detective Pikachu, de Rob Letterman, surge assim como uma forma de manter acesa a chama dos fãs, mas também de conquistar novos públicos juvenis, partindo para a aventura com o protagonismo da fofinha mascote amarela que se distingue pelo poder dos choques elétricos. A animar Pikachu, essa pequena figura digital com um chapéu de Sherlock Holmes, temos a voz de Ryan Reynolds, cujas últimas experiências com a personagem de Deadpool lhe dão créditos mais do que suficientes para imprimir uma personalidade enérgica (amante de cafeína) dentro da aparência felpuda e ternurenta..Aqui o cenário é Ryme City, uma metrópole repleta de néones onde humanos e Pokémons coexistem, ainda que entre eles a comunicação não vá além dos nomes próprios dos Pokémons. O que acontece de diferente é que, pela primeira vez, alguém consegue ouvir realmente um Pokémon a falar... Tim (Justice Smith), o rapaz com essa "alucinação", chega à cidade na sequência da notícia da morte do pai, que era um famoso detetive, e acaba envolvido numa investigação em torno desse mesmo desaparecimento..A seu lado, Pikachu, o antigo parceiro de ofício do seu pai, dá provas de que juntos podem formar a dupla perfeita para a resolução do mistério, desde logo por terem a inusitada vantagem de se entenderem como gente grande. E, pelo caminho, cruzam-se com diversas personagens exóticas deste universo, como Psyduck, o Pokémon de uma jovem aspirante a repórter que vai ajudar na revelação do caso, Mr. Mime, um outro Pokémon de elaborada e divertida expressão gestual, ou Snubbull, Aipom, Bulbasaur, Jigglypuff, Snorlax... um longo inventário que culmina no Pokémon Mewtwo, figura-chave de uma secreta intriga científica..Alinhado no género de aventura familiar das anteriores realizações de Rob Letterman (As Viagens de Gulliver, Goosebumps: Arrepios), Pokémon: Detective Pikachu é somente um filme que cumpre, com competência mas sem brilhantismo, as exigências de uma rotineira produção juvenil. Quer isto dizer que, a partir da matriz pura e dura de um videojogo, o trabalho foi criar uma história com pés e cabeça e, sobretudo, com o coração no sítio certo - não por acaso, são várias as ocasiões em que se procura demonstrar que os sentimentos filtram a ação e a experiência humana. Mas, relembre-se: sem a voz de um ladino Ryan Reynolds, nada disto teria muita graça... Mesmo que, na versão dobrada portuguesa, Nuno Markl procure garantir a qualidade com outro tipo de carisma humorístico.