O apelido Le Pen tem sido sinónimo de extrema-direita em França nas últimas cinco décadas, mas a possibilidade de Marion não apoiar a tia Marine Le Pen nas presidenciais de abril revela que já não detém o monopólio desta corrente política. A eventual deserção da ex-deputada para a campanha de Éric Zemmour é mais um sinal de que o cenário está complicado para a líder da Reunião Nacional (RN, ex-Frente Nacional), que tem visto vários nomes do partido anunciarem o apoio ao antigo jornalista tornado adversário. Nalguns casos por considerarem que Marine Le Pen ficou demasiado moderada..Marion, que em 2017 deixou a linha da frente da política e em 2018 passou a usar apenas o apelido Maréchal (do pai), disse na quinta-feira ao Le Parisien que "ainda estava a pensar" em quem apoiar nas eleições de 24 de abril. "Nenhuma decisão foi tomada", afirmou, deixando contudo claro que "se apoiar o Eric, não será apenas para aparecer e dizer olá", deixando entender que quer voltar para a política, mas não reacender os conflitos na família. Marion está grávida do segundo filho, fruto do segundo casamento com o italiano Vicenzo Sofo - eurodeputado eleito pela Liga, mas que passou para os Irmãos de Itália..Noutra entrevista, ao Le Figaro, Marion defendeu que Zemmour adotou uma estratégia melhor e tem "amplo espaço de manobra para subir nas sondagens junto das classes populares e dos abstencionistas". A neta de Jean-Marie Le Pen - o fundador da Frente Nacional, expulso pela própria filha depois de ter dito que as câmaras de gás nos campos de concentração eram apenas um "detalhe" na História - foi em tempos vista como a herdeira política da família Le Pen, apesar da rivalidade com a tia, e continua, aos 32 anos, a ser uma voz popular entre as bases da extrema-direita..As suas declarações não caíram bem junto de Marine Le Pen, que tem vindo a perder apoios. Nas últimas sondagens surge em segundo lugar com 17% das intenções de voto, empatada com a candidata d"Os Republicanos (direita), Valérie Pécresse, e ainda longe do presidente centrista Emmanuel Macron, que tem 24% apesar de ainda não ter oficializado a sua candidatura à reeleição. Zemmour é quarto, com 13% das intenções de voto.."É brutal, é violento", disse Le Pen à estação CNews, face à possibilidade de a sobrinha vir a fazer campanha por Zemmour. "Tenho com a Marion uma história particular, porque a eduquei com a minha irmã durante os primeiros anos da sua vida, por isso evidentemente é brutal, é violento, é difícil para mim", afirmou emocionada a candidata. O pai escreveu no Twitter que quer reunir com ambas, antes de tomar uma posição..O desacordo político entre tia e sobrinha não é de agora, com Marion a defender a ideia de uma "união das direitas", que inclua Os Republicanos, mesmo se estes têm optado pela "frente republicana" contra os candidatos da extrema-direita. Essa "união das direitas" tem sido precisamente defendida por Zemmour com o seu partido Reconquista, formado em 2021..A possível deserção de Marion (que nas últimas eleições europeias já não tinha apoiado a RN) é apenas o último golpe contra Marine Le Pen, que tem visto vários nomes importantes do partido declararem o apoio em Zemmour. Os eurodeputados Jérôme Rivière (que era o líder parlamentar) e Gilbert Collard foram duas das baixas, tendo sido entretanto expulsos do grupo Identidade e Democracia (ao qual a RN pertence). Marine Le Pen tinha denunciado uma "deriva de mercenários" e defendido que deviam renunciar aos mandatos, já que os eleitores tinham "votado pelas ideias do RN, não de Zemmour.".Rivière alega que, na sua busca por quebrar o "telhado de vidro" (o máximo de votos que a extrema-direita poderia alcançar), Le Pen tornou-se branda em temas como a imigração. "Zemmour diz as coisas como elas são. É preto ou branco, não usa sombras de cinzento para descrever a realidade", disse à Reuters aquele que é agora vice-presidente do Reconquista. Le Pen nega uma aproximação ao centro..As deserções a favor do antigo jornalista, condenado várias vezes por discurso de ódio, não são exclusivas da extrema-direita. O antigo vice-presidente d"Os Republicanos Guillaume Peltier também apoia Zemmour, que considera o único que pode derrotar Macron. Contudo, em todos os cenários de segunda volta, este é reeleito (a luta mais renhida com Pécresse)..susana.f.salvador@dn.pt