Ao longo dos últimos anos, o mercado português recuperou um velho conceito cinéfilo: o conhecimento do cinema do presente pode (e deve) integrar as memórias dos filmes do passado. Dito de outro modo: através de autores como Alfred Hitchcock, Yasujiro Ozu ou Paulo Rocha, as reposições de títulos clássicos regressaram às nossas salas. Agora, surge um evento proposto pela Leopardo Filmes que fica, desde já, como um dos acontecimentos fulcrais deste ano cinematográfico: um Ciclo do Grande Cinema Russo, a partir de quinta-feira, 21 de abril, em Lisboa (Espaço Nimas) e no Porto (Teatro Municipal Campo Alegre) - serão 19 filmes com sessões que se vão prolongar até 15 de junho (Porto) e 13 de julho (Lisboa)..[youtube:axosrbPaWcw] O arranque do ciclo com O Homem da Câmara de Filmar (1929), de Dziga Vertov, envolve um simbolismo muito especial. Desde logo, porque se trata de uma das expressões mais puras e fascinantes de uma lógica experimental capaz de construir (em boa verdade, inventar) admiráveis mecanismos de montagem; depois, porque o seu projeto de dar conta do dia-a-dia das populações da União Soviética envolve um desejo documental cuja agilidade, muito para além de qualquer princípio banalmente "descritivo", desafia as próprias fronteiras do documentarismo. Enfim, a conjugação de tudo isso gerou um objeto cuja dinâmica criativa permanece exemplarmente atual. O subtítulo do ciclo - "Do mudo à Perestroika" - é especialmente sugestivo, subtraindo o conjunto de títulos programados a uma mera emanação ideológica da Revolução de Outubro encerrada na galeria, obviamente incontornável, de nomes como Vertov, Serguei Eisenstein, Aleksandr Dovzhenko e Boris Barnet (todos representados no ciclo). Aliás, ainda recentemente, num filme notável intitulado Eisenstein em Guanajuato (apresentado entre nós pelo Queer Lisboa), Peter Greenaway nos recordou que a história de Eisenstein, em particular, se cruza, de forma conflituosa, com os fantasmas que a prática política vai gerando..A identidade de um povo.Será possível, assim, ver ou rever obras de autores como Larissa Shepitko (incluindo o drama de guerra Ascensão, de 1977), Elem Klimov (Adeus a Matiora, uma produção de 1983, é uma incontornável referência épica) ou Nikita Mikhalkov (o seu Olhos Negros, de 1987, com Marcello Mastroianni, persiste como uma das mais belas variações tchekhovianas que o cinema já produziu)..Entre as raridades absolutas, o destaque vai para Marlen Khutsiev, veterano cuja história pessoal e criativa acompanha as convulsões históricas da própria Rússia - estará representado através do clássico Chuva de Julho (1966) e também do documentário E Ainda Acredito (1974), co-assinado com Mikhail Romm e Elem Klimov. Talvez se possa considerar que todos estes títulos desenham um arco temático e crítico em que, das experiências da década de 20 às vertentes realistas do tempo da Guerra Fria, é a própria identidade de um povo que emerge como questão recorrente, eufórica e angustiada. Daí que o ciclo integre também (9 de Maio) o lançamento em DVD da obra integral de Andrei Tarkovsky, autor que, recentemente, foi também objeco de um ciclo retrospetivo.. Primeiras sessões.LISBOA.Dia 21 O HOMEM DA CÂMARA DE FILMAR 13.45, 15.45, 17.45, 19.45, 21.45 [com apresentação de José Manuel Costa].Dia 22 O HOMEM DA CÂMARA DE FILMAR 13.45, 15.45, 17.45, 19.45, 21.45.Dia 23 O COURAÇADO POTEMKINE 13.45, 15.45, 17.45, 19.45, 21.45 [com apresentação de António da Cunha Telles].PORTO.Dia 21 O COURAÇADO POTEMKINE 18.30, 22.00.Dia 22 O HOMEM DA CÂMARA DE FILMAR 18.30, 22.00.Dia 23 O HOMEM DA CÂMARA DE FILMAR 15.30, 18.30, 22.00