O PSD não é um partido ideologicamente bem definido. Não há quem não o saiba. Mas nunca foi um partido de direita, sobretudo da direita que o tomou. Talvez um partido conservador, mais por reflexo do seu tecido sociológico de origem - funcionários públicos, pequenos empresários, com maior implantação na província do que nos grandes centros urbanos -, mas jamais um partido que defenderia as divisões sociais que o anterior governo promoveu, de velhos contra novos, funcionários privados contra públicos, fortes contra fracos ou o ataque aos supostos preguiçosos, aos malandros do RSI e do subsídio de desemprego, aos que estavam numa imaginária zona de conforto..As grandes transformações sociais da nossa democracia foram feitas com a colaboração essencial e muitas vezes primordial do PSD, são bons exemplos o serviço nacional de saúde, o primado da escola pública, a progressividade fiscal. A direita que dominou até agora o PSD abomina estas conquistas como detesta que lhe falem dos problemas da desigualdade, da diminuição da importância do trabalho face ao capital ou para os dois milhões de portugueses que vivem abaixo do limiar de pobreza..Durante os últimos anos a vontade de transformar o PSD num verdadeiro partido de direita partiu de meia dúzia de pessoas muito recentes no partido, de radicais organizados em blogues e grupos de reflexão, sem esquecer o papel primordial do Observador. O programa da troika encaixava-se na perfeição no plano (correspondia, aliás, ao caminho que partidos de direita europeus foram tomando) e a batalha cultural foi feita por esses grupos acrescidos de mais dois ou três colunistas. Ainda bem que lhes correu mal e que agora andam a chorar a sua derrota pelas esquinas, mas a tentativa nada teve de ilegítima - estou convencido de que continuarão a tentar conquistar o PSD..A transformação da personalidade, dos valores de uma organização, leva tempo. Sabendo que quatro anos é pouco tempo para tal, tudo parecia correr bem com a vitória do PAF nas últimas eleições. Parte importante do eleitorado acreditou que não havia alternativa ao caminho que foi percorrido, parecia também concordar com a agenda além-troika. Sobretudo, acreditava que ao discurso da inevitabilidade se seguiria outro bem diferente..O facto é que o PSD não foi para o poder e, em vez de tentar mostrar o que faria diferente do governo PS, optou por o discurso da catástrofe. A inevitabilidade dos anos da troika era para ser prosseguida, nada mudaria. Ficou, finalmente, claro aos olhos do eleitorado quais as reais intenções do PSD que castigou a sua liderança de forma a tornar inevitável a saída do líder - foi nos locais onde o papel de Passos Coelho era relevante que o PSD perdeu de forma brutal..A falência do projeto de Passos Coelho e da sua entourage interna (pequena) e externa (maior) foi de tal maneira significativa que não há candidatos à liderança do PSD que reclamem a sua herança. Luís Montenegro ficou de fora por perceber que estaria demasiado colado à imagem do ainda líder e Paulo Rangel, ex-futuro candidato que supostamente ia agregar parte do passismo, escreveu um autêntico programa de candidatura, no Público, que não tinha ponta de contacto com a linha da anterior direção do partido e que é um excelente guia para quem quer que tome conta do partido..Se mudar radicalmente um partido leva tempo, mais tempo leva a mudar as convicções de uma parte significativa da comunidade. O projeto do grupo que estava a radicalizar o PSD precisava de mais tempo e que não se tivessem cometido erros estratégicos da dimensão do da chegada do Diabo. Só o tempo poderia permitir eventualmente mudar a realidade. E a realidade é aquilo que é e não o que gostaríamos que ela fosse: o eleitorado português não tem gente suficiente para dar uma maioria a um partido com a agenda que eles queriam impor..A estratégia de encostar o PSD a uma direita radical sempre teve e continua a ter um grande aliado: o Partido Socialista. Mais, o discurso, tão propagandeado por gente próxima do PS, de que com as últimas eleições o centro tinha acabado não passa de uma armadilha para afastar o PSD da governação por muito tempo. O centro não acabou, muito pelo contrário. Aliás, as últimas eleições - apesar de autárquicas - mostraram que o eleitorado está a rejeitar as partes mais radicais da geringonça..Claro que esta conversa também é acompanhada por quem não quer que o PSD se recentre e abandone a deriva radical. Aliás, ninguém estranha que os colunistas que defendem a direitização do PSD digam em coro que o partido vai eleger um Costa laranja..Ao contrário do que anda por aí a ser dito, a provável aproximação do PSD ao centro político é um fator de preocupação para o PS. O encosto do PSD à direita deixava o PS à vontade para conquistar o eleitorado que de facto decide as eleições em Portugal. Sendo impossível que o BE ou o PCP apoiem reformas importantes para o país, ser o PSD a propô-las vai deixar o PS em maus lençóis, pendurado entre uma aliança que já se desfez mas que lhe garante apoios à esquerda e mudanças que o seu eleitorado acha importantes..O PSD não terá vida fácil até às próximas eleições legislativas. Mas mantendo-se no rumo em que estava nunca ganharia nem as próximas nem tão cedo outras. Tornar--se-ia um partido médio que só por milagre voltaria a chegar ao poder. A democracia precisa de alternativas e só um PSD com uma estratégia clara de aproximação ao centro será alternativa.