Deixámos a troika, mas a troika ainda não saiu de nós
Há um antes e um depois da chegada da troika a Portugal. Há oito anos, a 17 de maio de 2011, Lisboa assinou o Memorando de Entendimento (MoU, na sigla inglesa) e nos três anos seguintes foi esse documento que ditou boa parte das políticas económicas do governo.
O DN, no dia em que se comemoram cinco anos desde a saída do programa de resgate, faz uma espécie de #eightyearchallenge, com alguns indicadores-chave que são um retrato do que mudou depois do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF).
O esforço exigido pelos credores internacionais para manterem o financiamento à economia portuguesa passaram por diversas reformas - chamadas de estruturais - que dariam à estrutura económica do país um novo rosto, à imagem e semelhança da troika. Para o economista Pedro Brinca, da Nova SBE, que na altura estava fora do país, "a intervenção criou um clima político que permitiu a introdução de algumas reformas e realinhamento dos custos com o pessoal no setor público que de outra maneira teria sido impossível", defendendo que o MoU "cumpriu um papel importante no possibilitar a implementação dessas reformas".
No mesmo sentido, a economista Susana Peralta, da Nova, refere a utilidade do memorando pelo "exercício sistemático de revisão de vários domínios de política", em concreto, "o esforço de recolha de informação consistente relativo a vários mercados e políticas públicas e a reflexão que foi feita pelas equipas de especialistas que se debruçaram sobre toda esta informação".
Os impostos da troika
Do tempo do PAEF ainda hoje há vestígios que são sentidos pelas famílias e pelas empresas todos os dias. O mais imediato é o IVA da eletricidade e do gás que subiu da taxa mínima de 6% para a máxima de 23%. Mas também houve alterações nas chamadas taxas ambientais, sobre os combustíveis que ainda se mantêm. Ou nos impostos especiais sobre o consumo ou no imposto sobre veículos.
No IRS, apesar das alterações introduzidas nos últimos anos com o governo PS para aliviar o imposto, ainda subsiste a taxa adicional de solidariedade, para os rendimentos mais altos, acima dos 80 mil euros, com dois escalões (de 2,5% e 5%).
Também sobre o património houve alterações de fundo com a reavaliação geral dos imóveis e a redução da isenção de IMI e o fim das deduções para as casas compradas depois de 2012. Mas não foi só no património que perdeu deduções. Também as despesas de saúde e de educação viram encolher a parte que servia para abater no IRS e, mesmo depois de recuperar alguma parte, nunca regressaram aos valores anteriores a 2011.
Do lado das empresas, também há um lastro de taxas que, para já, parecem persistir no tempo: por exemplo, a contribuição extraordinária sobre o setor energético, aprovada em 2013, com início de cobrança em 2014. Mas também houve efeitos positivos, lembra Susana Peralta, referindo que "uma investigação recente da Ana Gouveia e Christian Osterhold mostra que a alteração à lei da insolvência facilitou o desaparecimento de empresas com níveis elevados de endividamento e pouco produtivas (as chamadas zombie)".
O Ronaldo do Eurogrupo
Pôr as contas públicas portuguesas em ordem mereceu a Mário Centeno o epíteto de Ronaldo das Finanças da zona euro e logo pelo austero ex-ministro alemão das Finanças Wolfgang Schaeuble.
Há três indicadores que podem ser usados para suportar a afirmação do antigo dirigente alemão: o saldo orçamental, a dívida pública e os juros das obrigações do Tesouro a dez anos.
No primeiro caso, o défice quase desapareceu durante o legado de Centeno no Terreiro do Paço. O défice orçamental, que em 2014 chegou a 7,2% do PIB, muito acima da meta de 3% definida por Bruxelas, recuou para 0,5% em 2018. E a previsão é que se chegue a um excedente em 2020, mas aí já será com outro governo.
No segundo, já não há tanta razão para festejos, mas o facto é que a atual equipa das finanças conseguiu reduzir a dívida em quase dez pontos percentuais do PIB, ou mais de contarmos com a previsão para este ano. A dívida bateu um pico de 130,6% do PIB em 2014; este ano caiu para 118,6% e a previsão de Mário Centeno é que chegue a 99,6% em 2023.
Para financiar as necessidades do país (défice) é necessário ir aos mercados internacionais, e também neste caso houve uma redução significativa das taxas exigidas pelos credores. As yields passaram de 10,2% em 2011, para 1,8% em 2018. É uma redução de 8,4 pontos percentuais. E hoje Portugal consegue emitir as taxas de juro negativas nos prazos mais curtos, rivalizando com países como a Espanha, a Itália e até o Reino Unido.
O economista Pedro Brinca acredita que as "medidas adotadas para a melhoria da eficiência fiscal foram também determinantes e fizeram de Portugal um caso único de diminuição da evasão fiscal num período de grave crise económica", acrescentando que "beneficiamos muito (principalmente no período da geringonça) do facto de a conjuntura internacional ter tido uma aceleração económica muito importante, porque a nossa abertura ao exterior tem estado historicamente a crescer bastante e acelerou ainda mais após 2011".
Salários sobem, mas pouco. Preço das casas dispara
Ainda é uma questão que intriga os economistas. Tendo em conta a redução da taxa de desemprego, os salários deveriam estar a crescer a um ritmo mais acelerado, mas ainda não é assim. As estatísticas sobre as remunerações declaradas ainda não existem para 2018, mas num estudo da Organização Internacional do Trabalho publicado no final do ano passado, em 2017, os trabalhadores portugueses por conta de outrem ainda não tinham recuperado o valor dos salários reais (descontando a inflação) de 2011. Seja como for, o salário líquido mensal está hoje nos 902 euros, mais cem euros (+12,46%) desde que a troika saiu de Portugal. É o valor mais alto de sempre.
Já sem travões aparentes, o preço das casas, que também são um importante bem para as famílias, não tem parado de subir. E o céu é o limite. Entre 2011 e 2018, o preço das casas registou uma variação superior a 15 pontos percentuais.
A recuperação global de rendimentos fez-se, em boa parte, pela diminuição da taxa de desemprego que chegou, em 2013, a superar os 16% da população ativa. Em 2018, a taxa fixou-se nos 7% e, pelas previsões do Ministério das Finanças, deverá descer para os 6,6% neste ano.
A economista Susana Peralta reconhece que houve melhorias, mas chama a atenção para a necessidade de mais estudos para compreender os impactos da crise económica. "Perceber, por exemplo, o impacto que as condições de vida dura destas famílias vão ter na performance escolar das suas crianças ao longo da vida, e até na vida adulta destas. Tudo o que sabemos com base em estudos realizados noutros países mostra que períodos da infância passados na pobreza têm impactos na saúde, longevidade e capacidade de ganhar a vida destas pessoas quando adultas."