Se o Banco de Portugal não adotar medidas urgentes para travar a subida do crédito ao consumo, vai aumentar ainda mais o número de famílias sobre-endividadas em Portugal. O alerta é da Deco, que em 2019 recebeu 2787 pedidos de ajuda de famílias que não conseguiam pagar as contas e os créditos no fim do mês. É uma subida de 50 famílias face ao número de pedidos registado no ano anterior, mas "o que nos preocupa é que, dada a baixa taxa de desemprego, devia estar a haver uma diminuição dos pedidos de ajuda. E não só não está a descer como aumentou ligeiramente", alertou Natália Nunes, que gere o Gabinete de Proteção Financeira da Deco..A especialista alerta que a tendência deverá manter-se em 2020 caso não se adotem novas medidas. "Há sinais de abrandamento da economia e os salários não vão crescer, mas a concessão de crédito regista recordes." Para Natália Nunes, a intervenção do Banco de Portugal é crucial. Para a especialista, tem havido um foco na travagem da subida do crédito à habitação, mas não está a ser dada a devida atenção aos perigos decorrentes do aumento do crédito ao consumo. "Sobretudo na área dos cartões de crédito deve haver uma intervenção rápida.".endividamento familias Infogram.A Deco lembra que, segundo os dados divulgados pelo Banco de Portugal, "o endividamento dos particulares no ano de 2019 bateu alguns máximos históricos. Entre janeiro e outubro, as famílias pediram emprestado para habitação, para consumo e outros fins 14 680 milhões de euros". E o valor subiu em novembro para 16 360 milhões. "A nossa preocupação neste momento prende-se com a necessidade de a concessão de crédito ter de ser feita de forma responsável, não só na área do crédito à habitação mas também no crédito ao consumo e para outros fins. É primordial que a análise da solvabilidade do consumidor seja efetuada", diz a Deco no relatório Sobre-endividamento, os Rendimentos e as Despesas das Famílias em 2019, divulgado nesta quarta-feira..Precariedade é a maior causa.A precariedade é o fator número um para uma família ficar sobre-endividada, segundo o relatório da Deco. "O desemprego deixou de ser a principal causa das dificuldades financeiras das famílias, substituída pela deterioração das condições laborais como razão primeira. Quem regressa ao mercado do trabalho é confrontado com contratos temporários e/ou parciais. E as pessoas têm cada vez salários mais baixos", refere Natália Nunes..Um dos casos recentes que chegaram ao gabinete da especialista envolve uma consumidora que ganha o salário mínimo e o marido trabalha como condutor numa empresa de transporte de passageiros através de uma aplicação móvel. "A casa foi vendida pelo banco e não conseguem encontrar uma habitação com uma renda que consigam pagar." Este tipo de situações são preocupantes também pelo risco de levar famílias para a marginalidade e uma vida como sem-abrigo, avisa..A segunda maior causa para o sobre-endividamento é o desemprego, a que se segue a incapacidade para o trabalho e penhoras. O divórcio é o quinto motivo, a par da alteração do agregado e o aumento dos custos com saúde. Mas somando a baixa médica com os encargos com doença, o tema da saúde passou a ser a segunda causa para o sobre-endividamento das famílias..A maioria dos consumidores que pedem ajuda à Deco por já não conseguirem pagar as dívidas têm entre 40 e 54 anos, são casados, trabalhadores por conta de outrem e têm como habilitações literárias no máximo o 9.º ano de escolaridade. Em média, o rendimento líquido das famílias sobre-endividadas é de 1200 euros mensais, mas o valor total dos créditos - em média são cinco - leva-lhes 920 euros por mês, colocando a taxa de esforço em 76%. Para as despesas normais do mês, como alimentação, vestuário, água, gás e luz, sobram apenas 280 euros.