A de Arruda De entre as centenas de episódios de violência em campanha, o mais chocante, por ter sido filmado por camâras de segurança, vitimou Marcelo Arruda, tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, assassinado a tiro durante a festa de aniversário de 50 anos, ao lado da família e amigos, por um invasor bolsonarista..B de Bolsonarismo O que é, afinal, o "bolsonarismo", corrente que reúne de órfãos do moderado PSDB a fãs da ditadura, passando por terraplanistas? O tempo dirá. Mas o último neologismo da política brasileira, mesmo em caso de derrota, "continuará existindo", prevê o insuspeito Lula. Politólogos anteveem, entretanto, um processo de canibalismo entre as suas principais correntes..C de Cássio Cenali Cada eleição no Brasil tem uma palavra tema: a de 2018 começava por um C, de Corrupção. A de 2022 também: o C, de Comida. O vídeo gravado por Cassio Cenali, o patrão bolsonarista com dois C como iniciais que negou uma marmita de arroz e feijão à faminta Ilza Rodrigues, apenas por ela ser lulista, resumiu, com requintes de sadismo, o tema de campanha..D de Datapovo O principal instituto de sondagens do Brasil, o Datafolha, assim como todas as outras empresas concorrentes credíveis, foi dando consistentemente Lula em primeiro lugar e Bolsonaro em segundo, para ira dos apoiantes deste último, que responderam aos números com os registos fotográficos das manifestações a favor do presidente, chamando-os de "Datapovo"..E de Ey, Ey, Eymael "Lula Lá, Sem Medo de Ser Feliz", por ser o tema de campanha do líder das sondagens, andou na boca de muita gente. Mas o slogan mais famoso do Brasil é o recorrente "Ey, Ey, Eymael, um democrata cristão", do Constituinte Eymael, candidato à presidência pela sexta vez consecutiva. Em 2018, Eymael teve 0,04% mas então, como agora, disse "ver sinais" de que estaria a disputar a segunda volta..F de Frente Ampla Para encurralar Bolsonaro num extremo, Lula começou por convidar o ex-adversário Geraldo Alckmin [ver letra P] para vice. Depois juntaram-se a ambientalista Marina Silva e o banqueiro Henrique Meirelles, ambos candidatos em 2018. Mais tarde, até Joaquim Barbosa, o austero juiz do Mensalão do PT, e Reale Junior, um dos subscritores do impeachment de Dilma. Mesmo Faria Lima, também com F, espécie de Wall Street brasileira, se reuniu com o ex-sindicalista e saiu a sorrir. Por falar na letra F, Fernando Henrique Cardoso (FHC), himself, deu a entender, em nota, estar com o velho rival, apesar de o seu PSDB apoiar Simone Tebet..G de Guerra Santa Quando um dos candidatos tem como mote "Deus, Pátria, Família e Liberdade" e viaja sempre acompanhado de um pastor, a religião necessariamente entra na campanha, até porque o Brasil ésqx o país com mais católicos e o segundo país com mais protestantes do mundo. Grosso modo, muito grosso modo mesmo, os primeiros votam Lula, os segundos Bolsonaro..H de Haddad Nem só da corrida ao Planalto vivem as eleições brasileiras. Há 1607 vagas a preencher, executivas e legislativas, entre as quais a de governador de São Paulo, onde um terço do PIB do país se concentra. Lá, trava-se uma disputa em forma de tubo de ensaio para 2026 entre Fernando Haddad, o delfim de Lula, e Tarcísio Freitas, o delfim de Bolsonaro..I de Imbroxável Quis o destino que as comemorações dos 200 Anos da Independência do Brasil ocorressem durante uma campanha. Nelas, Bolsonaro, presidente e candidato (muito mais candidato do que presidente), chamou Lula de ladrão, comparou o físico das mulheres de ambos e puxou o coro "imbroxável" para constrangimento geral..J de Jefferson Três candidatos não chegaram à meta. Pablo Marçal, um coach cujo partido, PROS, decidiu apoiar Lula à última hora, André Janones, que chegou a 2% nas pesquisas, mas abdicou para se tornar um nervoso apoiante do antigo presidente, e Roberto Jefferson, inelegível por questões penais. Sem Jefferson, o Brasil pôde conhecer o seu excêntrico substituto, o padre Kelmon (que não é padre), auxiliar de Bolsonaro nos debates..K de Kid Bengala Por falar em K, de Kelmon, outro K chamou a atenção: o candidato a deputado Kid Bengala, um ex-ator pornográfico cujo slogan "vou meter o pau nessa bagunça" foi vetado por atentado aos bons costumes. Ainda no K, Lula indignou os bolsonaristas ao comparar as manifestações deles, no 7 de Setembro, com reuniões do infame Ku Klux Klan..L de L Se em 2018 se falou de corrupção e em 2022 se fala de comida, em 2018 o gesto da moda era a "arminha", pró-Bolsonaro, e em 2022 o "L", pró-Lula. Por coincidência, em ambos os gestos se estica o indicador e o polegar e se mantém os restantes dedos contraídos, a diferença está na direção que se dá..M de Michelle Para cativar as mulheres, Bolsonaro convocou a primeira-dama para a campanha. Ela fez-se notar pelo vestido levado ao enterro de Isabel II, por chamar a atriz lulista Bruna Marquezine de feia e vulgar, por pedir jejum por Jesus num país onde 33 milhões passam fome e por se ter envolvido em discussão com a ex do marido, Cristina, e o filho desta, Jair Renan, sobre quem merecia usar o apelido "Bolsonaro"..N de Nona Desde a redemocratização, em 1985, houve oito presidenciais. Na primeira, Collor de Mello bateu Lula, na segunda e na terceira FHC venceu o ex-sindicalista, na quarta e na quinta, este superou José Serra, primeiro, e Geraldo Alckmin, depois, na sexta e na sétima, Dilma ganhou ao repetente Serra e a Aécio Neves. A oitava, há quatro anos, viu Bolsonaro superar Haddad..O de Obrigatório O voto no Brasil é obrigatório - quem não cumprir o dever, pode ter até empréstimos bancários negados. É também eletrónico - o eleitor digita o número correspondente a cada um dos candidatos (Lula é o 13, Bolsonaro o 22), além de escolher governador, senador e deputados federal e estadual. E será, pela primeira vez este ano, simultâneo - apesar dos três fusos no país, todas as urnas encerram às 17.00 horas de Brasília, 21.00 horas em Lisboa..P de Picolé de Chuchu Em 2006, o PT cunhou em Geraldo Alckmin, o então candidato do PSDB, a alcunha "Picolé de chuchu" pela suposta falta de carisma do rival de Lula. Passados 16 anos, Lula e Alckmin estão lado a lado, como candidatos a presidente e vice. "O prato do ano no Brasil é Lula com Chuchu", resumiu Alckmin. Bolsonaro, por sua vez, namorou Tereza Cristina, a ministra da Agricultura, para somar apoios femininos, Gilson Machado, ministro do Turismo e sanfoneiro nas horas vagas, para somar apoios no nordeste, mas acabou nos braços fardados de Braga Netto, outro general, depois de Hamilton Mourão, em 2018, como candidato a vice..Q de Quilombolas Ainda que a população brasileira seja composta por 56% de pretos e pardos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Congresso apenas 17,8% dos parlamentares são negros. E não há nenhum quilombola - habitante de um dos seis mil quilombos, povoações de escravos fugidos da escravidão, ainda existentes no país. Por enquanto: este ano foram lançadas 17 candidaturas quilombolas a deputados em 13 estados..R de Raça Por falar em raça, os candidatos devem declarar a qual pertencem: branco, preto, pardo... Antônio Carlos Magalhães Neto [ACM Neto], candidato ao governo da Bahia, apesar de branco, declarou-se pardo. Os rivais chamaram-no "afroconveniente" e acusaram-no de fazer bronzeamento artificial durante a campanha. Ele respondeu que está queimado por causa das arruadas..S de Sergio Moro ACM Neto é um dos líderes do União Brasil, para o qual migrou o ex-ministro Sergio Moro já a meio da pré-campanha, convencido de que seria candidato presidencial. Acabou a lutar por vaga no Senado. Para o Planalto, o União começou por apresentar Luciano Bivar, mas decidiu-se pela bolsonarista arrependida Soraya Thronicke..T de Terceira Via Por meses, a imprensa especulou sobre o candidato da terceira via, a alternativa a Bolsonaro e Lula. Percorreu quase todo o abecedário, de apresentadores de TV, como Luciano Huck, a ex-ministros bolsonaristas, como Sergio Moro e Luiz Henrique Mandetta, passando por barões do PSDB, como João Doria ou Eduardo Leite, até chegar à letra T, de Tebet. A senadora, entretanto, segue em quarto nas sondagens empatada com Ciro Gomes..U de Útil Ciro Gomes começou por fazer de Bolsonaro o principal alvo, depois trocou-o por Lula e acabou a vociferar contra o "voto útil". Uma batalha perdida, tendo em conta que até os seus irmãos Cid e Ivo Gomes trocaram de lado no Ceará, estado natal da família..V de Vera Magalhães Os jornalistas não são notícia, mas Vera Magalhães, chamada num debate de "maior vergonha do jornalismo brasileiro" por Bolsonaro e pivô de uma briga entre um deputado, que a filmava e ameaçava, e um diretor de televisão, que a defendeu atirando o telemóvel para longe, acabou involuntária protagonista da campanha..W de Windsor Quando o Brasil ainda sacudia a poeira do discurso do "imbroxável" no 7 de Setembro, já Bolsonaro voava para o enterro de Isabel II, em Windsor, onde, da varanda do hotel, atacou a ideologia de género e as esquerdas sobre o caixão da rainha. A seguir foi à ONU ouvir Joe Biden exigir que o resultado das urnas brasileiras fosse respeitado, sem Capi- tólios tropicais..X de Xandão Apresentados os jogadores, eis o árbitro: Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Eleitoral (TSE). O juiz do Supremo, ministro da justiça no Governo Temer, tem defendido o voto eletrónico e combatido as notícias falsas, razão pela qual os bolsonaristas o detestam e os lulistas o aplaudem, ao ponto de o alcunharem, nas redes sociais, com o aumentativo Xandão. Se em 2018, as fake news se centravam na moral - Haddad, diziam, ia instituir a "mamadeira de piroca" [biberon de pirilau] para combater a homofobia - em 2022 foca em mal amanhadas aldrabices sobre os riscos das urnas eletrónicas..Y de Youtube Nem só Bolsonaro protesta, no entanto: a campanha de Lula queixou-se no TSE de que o algoritmo do YouTube privilegia a exposição de vídeos pró-Bolsonaro ao partilhar conteúdo da Jovem Pan, grupo de comunicação simpático ao governo chamado pelas esquerdas de "Jovem Klan"..Z de Zema Diz-se no Brasil que os mineiros "comem pelas beiradas", isto é, chegam aos objetivos devagar e discretamente. É o caso de Romeu Zema (Novo), perto da reeleição no governo de Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do país, e pronto para herdar nas presidenciais de 2026 os despojos da direita, em caso de derrota de Bolsonaro.