Se fosse normal, se fosse como todas as pessoas, como ela própria diz, e não alguém com síndrome de Asperger, com um distúrbio obsessivo-compulsivo, talvez Greta Ernam Thunberg, de 16 anos, não fosse hoje um ícone mundial com o poder de liderar a agenda ambiental..Se não fosse diferente talvez não tivesse conseguido perceber o que era óbvio e contra o qual ninguém estava a combater, como já disse tantas vezes em apenas um ano e desde que encetou a luta pelo ambiente..Se não fosse diferente, talvez não tivesse conseguido que os pais aceitassem que faltasse à escola para protestar em frente ao Parlamento sueco, no dia 18 de agosto de 2018, quando o país estava a arder, talvez não tivessem aceitado o seu argumento: "Porquê ir à escola se não há futuro?".Aliás, uma das frases icónicas é mesmo aquela em que explica: "Se fosse como todas as outras pessoas, não teria começado uma greve à escola", lembrando que, quando contou aos pais os seus projetos, "eles não gostaram muito da ideia", mas ela disse-lhes: "Porque devemos ir à escola se não há futuro? Porque devemos aprender sobre factos se os factos mais importantes não importam?", questionou..Se não fosse uma jovem diferente, talvez não tivesse tido o poder de fazer que líderes mundiais, organizações internacionais como a ONU e o próprio Papa a tivessem convidado para a ouvir e acolher o seu grito de mudança em nome de uma geração que, diz, "está condenada"..O se - para pegar ainda nas palavras de Greta - é o se da diferença, aquela que a obriga a focar-se, a organizar-se e a rejeitar tantas e tantas outras coisas que ocupam e contagiam o olhar quotidiano de tantos, ou de todos os outros a quem chamam normais..O se não a diminuiu, pelo contrário, "deu-lhe um superpoder". Greta, a menina que se apresentou ao mundo com tranças à Pipi das Meias Altas, vai estar nesta terça-feira em Lisboa, uma paragem para falar aos jovens ativistas portugueses e para descansar antes de partir para a capital espanhola, onde irá participar na COP25-Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2019, que se realiza de 2 a13 de dezembro..O veleiro em que a ativista fez a viagem de Nova Iorque para a Europa - depois de o Chile, onde deveria acontecer, ter pedido que fosse transferida devido à tensão social que vive - está previsto chegar entre as 8.00 e as 12.00 à Doca de Santo Amaro, em Lisboa..Depois da conferência de imprensa, Greta irá descansar num hotel, para à noite partir para Madrid, para mais encontros com líderes mundiais, entre eles o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez e o secretário-geral da ONU, António Guterres..A jovem sueca escolheu uma causa, deu a conhecer-se ao mundo e, a partir de determinado momento, mais do que qualquer frase, foram as suas ações que se tornaram virais..Num ápice e sem formas de financiamento conseguiu viajar pelo mundo de veleiro, um deles o de Pierre Casiraghi, filho de Carolina do Mónaco, porque não anda de avião para não agravar as emissões de CO2..Num ápice mudou a vida dos pais, da irmã, de toda a família, escreveu um livro sobre a Casa de Todos Que Está a Arder, mas também sobre o conflito da família em gerir o seu ativismo e a vida doméstica..Muitos se perguntam como aguenta a pressão, quem define a sua agenda, como se prepara para os seus discursos, com quem se quer encontrar ou falar? Tudo está a cargo da família..O ambiente mudou a família de Greta.Os pais casaram-se há 14 anos, quando Malena Ernman, a mãe, ainda construía a sua carreira internacional de soprano e o pai, Svante Thunberg, tentava trilhar caminho como ator. Casaram-se e Malena engravidou de Greta, dois anos depois de Beate. Os avós, Mona Andersson e Olof Thunberg, ator, já eram conhecidos..A vida familiar começava a ocupar-lhe o tempo quase todo. Greta exigiu sempre muita atenção da família. Até que lhe foi diagnosticado síndrome de Asperger. Desde criança que reage ao toque dos outros, desde pequena que constrói obsessividades com as quais a família tem de lidar..Uma das suas obsessões é o andar, o ter de avançar sempre com o pé esquerdo, recusando-se a pisar certas partes do passeio. Ela exige que "a mãe siga o mesmo caminho, pedindo-lhe sempre que a espere do lado de fora da escola enquanto está nas aulas, que não se mexa, nem mesmo quando ela própria se ausenta da sala para ir à casa de banho"..Em 2009, quando Greta completava 6 anos e registava vários distúrbios, já Malena tinha escrito o livro Cenas do Coração, em que revelava de forma detalhada a situação da filha, os seus distúrbios psicológicos, o seu comportamento e a maneira como tudo isto tinha afetado a sua própria vida. A filha mais nova começava também a revelar um lado explosivo, com acessos de raiva..Malena tenta relançar a sua carreira ao representar a Suécia na Eurovisão, em Moscovo, 2009. Alcançou o 21.º lugar e abandonou de todo a carreira musical. A filha também a convenceu dos danos que estava a causar ao planeta com as suas viagens frequentes de avião, contou em várias entrevistas..O pai, Svante Thunberg, seguia a vida de ator, com pequenos papéis em séries nas televisões nacionais, porque, contam também os media, "não herdou o talento do pai", Olof Thunberg, avô de Greta, abandonando a carreira para aproveitar os contactos que tinha e tornar-se produtor e o agente da própria mulher..Agora, é ele quem se ocupa da agenda da filha mais velha, enquanto a mãe se ocupa da filha mais nova. Beate decidiu avançar com a sua carreira musical. A ativista é protegida pela família, ajudada pelos pais, na agenda e nos discursos, embora sejam seus e os sinta sozinha, referiram em entrevistas..No livro A Nossa Casa Está a Arder. Uma Família e Um Planeta em Crise, escrito em conjunto por Greta e pela mãe, a mudança de vida na família imposta pelo ativismo e a gestão que é preciso fazer para cumprir todos os compromissos são abordadas abertamente..Malena conta que não tem sido possível conciliar esta vida de ativismo e a familiar com compromissos profissionais, quer dela ou do marido. Greta chegou a dizer que "a crise na família e no clima são simplesmente sintomas do mesmo distúrbio sistémico". .Greta está feliz, mas o pai e a mãe dizem que não ganham nada com o ativismo, apesar de alguns media dizerem que em pouco tempo os pais criaram duas empresas e que têm tido o apoio de organizações internacionais. Aos 8 anos ouviu falar de alterações climáticas..Uma causa que nasce aos 8 anos na escola.Foi na escola, aos 8 anos, que Greta Thunberg ouviu falar pela primeira vez em alterações climáticas. Os professores mostraram-lhe fotos de ursos polares famintos, florestas destruídas e o plástico a tomar conta dos oceanos. "Em pequena tinha planos para ser várias coisas, de atriz a cientista, até os meus professores me falarem nas alterações climáticas. Fiquei muito impressionada e isso abriu-me os olhos", confessou a jovem numa entrevista ao programa Today, da BBC Radio 4..Mais tarde, aos 11 anos, sofreu uma depressão profunda. Deixou de falar, de ir à escola, pensava muito na crise climática e ecológica. "Estava muito triste, achava que havia algo de muito errado e que nada estava a ser feito para se mudar a realidade, nada estava a fazer sentido.".Este sentir e a ausência de ação por parte dos líderes, da sociedade, fez que quatro anos mais tarde, no verão de 2018, quando subitamente a Suécia passa por uma onda de calor e começa a arder, Greta decidiu sentar-se no chão, em Estocolmo, em frente ao Parlamento para protestar. As alterações climáticas eram a causa de tudo..No primeiro dia ficou sozinha, no segundo começaram a juntar-se outras pessoas, depois, o vírus das redes sociais manifestou-se e ela juntaram-se milhares em todo o mundo. "Jamais poderia imaginar nos meus sonhos mais loucos que isto iria acontecer. E muito rapidamente." Ela própria contou ao The Guardian que enquanto estava na rua não deixava de ler livros, especialmente sobre o clima. Aproveitando para questionar os políticos e o governo sueco: "O que querem que vá aprender à escola se os políticos não ouvem os cientistas?".Ela conseguiu que jovens de todo o mundo se juntassem à sua causa, inclusive jovens portugueses, e aumentou o movimento Friday for Future. Ela, desde o dia 18 de agosto de 2018, falta às aulas todas as sexta-feiras para protestar em prol do ambiente e exigir medidas concretas dos políticos contra o aquecimento global..No dia 15 de março deste ano, Greta impulsionou uma greve mundial à escola pelo ambiente. Portugal não fugiu à regra e muitos jovens por todo o país saíram à rua..Os discursos, as ações e os encontros.Em outubro de 2018 chegou a Londres e escreveu o discurso que ficou conhecido como a "Declaração de Rebelião", em que afirmava "estamos a enfrentar uma crise sem precedentes, que nunca foi tratada como crise. Os nossos líderes estão a agir como crianças. Precisamos de acordar e mudar tudo"..Em novembro, já em Estocolmo, contou pela primeira vez como este sentido pelo ambiente se tornou uma causa. Dramatizou. Afirmando: "Um dia os meus filhos e os meus netos vão perguntar-me porque não agimos em 2018, enquanto ainda havia tempo." E gritou: "Nós não podemos mudar o mundo a jogar pelas regras, porque as regras precisam de ser mudadas.".A 4 de dezembro entra na COP24 ao escrever uma carta e ao falar num dos plenários. E faz um ultimato aos jovens e aos políticos: "Não temos mais tempo." Neste tempo, Greta já ganhou vários prémios e foi indicada para outros, como para o Nobel da Paz..Em janeiro deste ano vai a Davos, na Suíça, para entrar no Fórum Económico, e adotou a sua postura habitual. A primeira frase não deixou dúvidas do que se seguia: "A nossa casa está a arder." E terminou: "Quero que vocês entrem em pânico e sintam o que sinto todos os dias.".Antes de passar por Lisboa e na COP25, Greta esteve em Nova Iorque para participar numa cimeira da ONU, convocada pelo secretário-geral António Guterres. Falou perante mais de 60 líderes mundiais. O seu discurso comoveu uns, exaltou outros. Na sala das Nações Unidas, Greta disse aos líderes mundiais: "Como se atrevem? Como? A dizerem aos jovens que tenham esperança?".Os apoiantes e os críticos.Um dos primeiros a criticar fortemente a jovem foi o cronista do jornal The Sun Jeremy Clarkson, após o discurso na ONU: "Se Thunberg se acha no direito de poder analisar o comportamento da sua geração, então também esta a pode a analisar", aconselhando a jovem a voltar à escola e a estudar para se juntar aos cientistas para arranjar uma solução. Vai mesmo mais longe ao dizer-lhe que se torne "uma boa menina e que se cale enquanto os adultos continuam à procura de uma solução"..Do lado político, a crítica mais forte surgiu da direita francesa, que tentou impedir que a jovem discursasse no Parlamento, depois de ter sido convidada a fazê-lo por um grupo de deputados. Falou noutra sala, não no hemiciclo, pedindo a todos que escutem o que os cientistas têm a dizer..Sobre ela, Trump não tem falado, no Twitter apenas registou que parecia ser "uma menina feliz", menorizando-a pela sua idade..Mas Greta tem tido ao seu lado figuras como Barak Obama, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, a chanceler alemã, Angela Merkel, o secretário-geral da ONU, António Guterres, o líder da Igreja Católica, que a recebeu no Vaticano, e até atores como Leonardo DiCaprio ou ativistas mais antigos como Al Gore..Consigo tem também muitas organizações não governamentais e ambientalistas. É com estas que a sua equipa, sobretudo o pai, tem contactado a pedir apoio logístico para que Greta possa continuar com a sua causa e pelo mundo..Da vida real às fake news.A vida de Greta saltou para as redes sociais e tornou-se um poço de "mentiras", "boatos" ou de fakenews, obrigando a jovem a ter de vir desmentir muito do que se tem dito sobre ela e os que a rodeiam ou até sobre os seus projetos..Uma das primeiras notícias associava-a a um movimento político antifascista, o que fez que Greta fosse ao Twitter dizer: "Eu não apoio nenhum movimento político e jamais apoiarei qualquer tipo de violência.".Depois veio a público que a jovem estava a ser financiada pelo milionário George Soros, cuja fundação que dirige teve de vir tomar posição sobre o assunto e divulgar a lista de bolsas a atribuídas a jovens..E que Greta andaria também na escola mais cara do mundo. Os pais tiveram de revelar que escola a jovem frequenta. Os pais começaram a aparecer em fotos que os mostravam mais arranjados, em eventos sociais, com um estilo de vida diferente daquele que reivindicam. Tiveram de provar que as fotos eram montagens..Tudo isto durante um ano e três meses, em que Greta passou quase de zero seguidores no Instagram para 8,3 milhões, e para mais de 470 mil no Twitter. O que mais acontecerá a Greta e à sua família, que se uniu por uma causa?