Primeiro veio a pressão diplomática, com o reconhecimento do líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como presidente interino da Venezuela. Depois, as sanções económicas contra os membros do governo venezuelano e até o vital setor petrolífero. Mas os meses foram passando e Nicolás Maduro continua sem ceder. Na semana passada, a aposta dos EUA foi acusá-lo de narcoterrorismo e oferecer 15 milhões de dólares pela sua captura. Agora, é a vez de apresentarem um plano de transição..O Marco Democrático para a Venezuela prevê o afastamento tanto de Guaidó como de Maduro, mediante a eleição de um Conselho de Estado e de um governo de transição, tendo em vista a realização de eleições. Além disso, Washington fala num possível levantamento de sanções aos membros do regime - numa tentativa de aumentar a pressão interna - com a continuação dos altos mandos militares nos cargos durante o governo de transição. Desde o primeiro momento que se diz que quem tem o apoio dos militares conseguirá ter o poder, mas estes até agora não viraram costas a Maduro..O governo venezuelano já reagiu, apelidando o plano, que tem o apoio da oposição, de uma "aberração". A resposta oficial veio do chefe da diplomacia, Jorge Arreaza: "A Venezuela é um país livre, soberano, independente e democrático que não aceita nem aceitará jamais tutela alguma de nenhum governo estrangeiro.".Mas será este o plano, apresentado em plena pandemia de coronavírus, que já fez três mortos na Venezuela, que vai derrubar Maduro? A resposta do governo era previsível, segundo os norte-americanos, mas o plano não tem como alvo Maduro, mas aqueles que o rodeiam.."O plano não é uma tentativa de mudar a posição de Maduro, mas um apelo para todos os outros na Venezuela que mudem de posição por ele", disse o representante especial para a Venezuela dentro do Departamento de Estado, Elliott Abrams. "O que esperamos é que isto intensifique a discussão dentro do Exército, do chavismo, do PSUV [Partido Socialista Unido da Venezuela] e do regime sobre como sair desta crise terrível em que estamos", acrescentou..Traduzindo tudo para a imagem da política do pau e da cenoura, temos primeiro a acusação contra Maduro - a lembrar aquela contra o general Noriega que antecedeu a invasão do Panamá no final dos anos 1980 - e depois o plano de transição que deixa uma abertura aos que rodeiam o presidente..O que diz o plano?.O Marco Democrático para a Venezuela proposto pela administração de Donald Trump prevê que tanto Maduro como Guaidó se afastem para que a Assembleia Nacional nomeie um Conselho de Estado e um governo de transição (com membros tanto do regime como da oposição), que se encarregaria de organizar presidenciais dentro de seis a oito meses..Para tal seria preciso também ter um novo e independente Conselho Nacional Eleitoral e um Tribunal Supremo. Foi por as eleições de 2018 não terem sido consideradas livres e justas que parte da comunidade internacional, liderada pelos EUA, não reconheceu a reeleição de Maduro. Foi a semente para que, quando este tomou posse para um novo mandato, o líder da Assembleia Nacional considerasse que o cargo tinha ficado vago e, ao abrigo da Constituição, assumisse a presidência interina..Os EUA, que foram os primeiros a reconhecer Guaidó como presidente interino em janeiro de 2019, não estão contudo a virar-lhe as costas com o seu novo plano, que pede a sua saída. O líder da Assembleia Nacional teria a porta aberta para concorrer às eleições, mas o mesmo não se aplica a Maduro. "Fomos claros desde o início de que Maduro nunca vai voltar a governar a Venezuela", disse o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, na apresentação do plano..Guaidó, que foi ouvido pelos EUA durante a preparação do projeto, já pediu ao "usurpador" (como apelida Maduro) para aceitar a proposta. O presidente interino tinha apresentado, no fim de semana, uma proposta de criação de um governo de emergência, que incluísse também os militares, para evitar uma "catástrofe humana" e "milhares de mortos" por causa do novo coronavírus..O Fundo Monetário Internacional rejeitou na semana passada o pedido de empréstimo feito por Maduro no valor de cinco mil milhões de dólares, alegando que existe divisão entre os seus membros sobre quem é o líder legítimo na Venezuela..A proposta dos EUA inclui um cronograma, no qual são detalhadas as sanções que os EUA iriam eliminando à medida que eles fossem cumpridos. O primeiro passo é o regresso dos membros da Assembleia Nacional e do Tribunal Supremo de Justiça, a restituição da imunidade parlamentar aos deputados e a dissolução da Assembleia Nacional Constituinte. Em resposta, Washington compromete-se a retirar as sanções impostas aos membros da Constituinte..No final, os EUA dizem que levantar as sanções contra o regime (exceto nos casos em que estejam em causa violações dos direitos humanos) e o setor petrolífero se as forças militares internacionais saírem também da Venezuela..Rússia e China têm apoiado Maduro e rejeitado a interferência norte-americana, não havendo razão para pensar que algo mudou entretanto. O plano norte-americano foi bem acolhido pela Organização de Estados Americanos, enquanto a União Europeia disse que ia estudar a proposta..Portugal, através do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, aplaudiu a iniciativa, especialmente tendo em conta o contexto de pandemia. "Neste momento, mais do que nunca, é necessário ultrapassarem-se as divergências políticas, face aos enormes desafios que enfrentam todos os venezuelanos", segundo o ministro..Guaidó já agradeceu o apoio português numa mensagem no Twitter: "Agradecemos o apoio de Portugal à nossa proposta de um governo nacional de emergência para proteger os venezuelanos e conseguir uma transição para a democracia.".E a acusação contra Maduro?.O plano norte-americano surge menos de uma semana depois de o Departamento de Justiça dos EUA ter revelado a acusação de narcoterrorismo contra Maduro. O presidente venezuelano, que chegou ao poder após a morte de Hugo Chávez, em 2013, é acusado de liderar o cartel Los Soles e de conspirar com a guerrilha colombiana das FARC para enviar mais de 200 toneladas de cocaína para os EUA..Maduro é acusado de converter o Estado venezuelano numa empresa criminosa ao serviço dos traficantes de droga e dos grupos terroristas, tendo o Departamento de Estado oferecido uma recompensa de 15 milhões de dólares por informações que possam levar à sua captura..A acusação incluía outros 14 membros atuais ou antigos do regime, incluindo o general na reforma Clíver Alcalá Cordones. O ex-general chavista, que estava na Colômbia e se entregou aos EUA, terá entrado em rutura com Maduro há quatro anos. Defendeu-se das alegações dizendo que estava até a preparar um golpe contra o presidente venezuelano, assumindo estar por detrás de um conjunto de armas apreendidas na semana passada na Colômbia. Disse que o objetivo era "começar a libertar" a Venezuela..Além disso, Alcalá alegou que tanto Guaidó como o líder opositor Leopoldo López (que está refugiado na Embaixada de Espanha em Caracas) estariam a par da alegada conspiração, denominada de Operação Liberdade..Guaidó e López rejeitam qualquer ligação, mas o regime venezuelano aproveitou as denúncias para apertar o cerco ao presidente da Assembleia Nacional. Guaidó foi chamado pelo procurador Tarek William Saab para prestar depoimento em tribunal nesta quinta-feira, mas respondeu que não vai estar presente por não reconhecer a autoridade das instituições chavistas..E o que tem um barco de bandeira portuguesa a ver com isto?.Maduro acusou nesta quarta-feira o navio de cruzeiro de bandeira portuguesa Resolute de ter realizado um ato de "terrorismo e pirataria" contra um barco da Marinha venezuelana que se afundou na segunda-feira, após ter sido abalroado quando procedia à sua escolta até a um porto..Segundo a versão venezuelana, a colisão entre os dois navios ocorreu a norte da ilha de La Tortuga, localizada a 181 quilómetros a nordeste de Caracas, pelas 00.45 de segunda-feira (05.45 em Lisboa). O navio da Guarda Costeira Naiguatá GC-23 realizava "tarefas de patrulhamento marítimo" no mar territorial venezuelano, quando "foi atingido pelo navio de passageiros Resolute (122 metros de comprimento e 8300 toneladas de deslocamento), de bandeira portuguesa"..De acordo com o ministro da Defesa, Vladimir Padrino, o navio de cruzeiro estava a ser escoltado até o porto da ilha de Margarita (norte) como parte do protocolo, quando atingiu o navio da Marinha venezuelana, causando o naufrágio..O navio de cruzeiro terá ainda violado os regulamentos internacionais ao não resgatar a tripulação (iriam 44 pessoas a bordo), segundo a Venezuela, com Maduro a instar as autoridades de Curaçau (território autónomo dos Países Baixos), onde o barco está ancorado com danos na proa, a investigar o "ato de pirataria internacional"..Maduro considera que se o navio de cruzeiro estava vazio, como se alega, não faria sentido tal ação. O presidente venezuelano questionou então se este não iria carregado de "mercenários para atacar bases militares" no país. "Podemos fazer mil perguntas neste momento em que o imperialismo [dos EUA] enlouqueceu para atacar a Venezuela de maneira multiforme", disse..Augusto Santos Silva, à Lusa, lembrou que não está em causa um incidente diplomático. "O incidente que envolveu um navio privado sob pavilhão português e uma lancha da Marinha da Venezuela não é um incidente entre Estados e o que os Estados devem fazer é colaborar entre si para que a verdade seja apurada. Do ponto de vista do Estado português há toda a disponibilidade para essa colaboração", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros..À SIC, o ministro indicou ainda que é preciso perceber se o incidente, que apelidou de lamentável, ocorreu em águas venezuelanas ou internacionais e se há confirmação de que a tripulação do navio venezuelano não foi auxiliada, como prevê a lei internacional..O navio Resolute, propriedade da empresa privada registada nas Bahamas Bunnys Adventure & Cruise Shipping Company mas operado pela empresa canadiana One Ocean Expeditions, esteve durante meses parado no porto de Buenos Aires por causa de uma dívida, tendo inclusivamente sido interrompido um dos cruzeiros à Antártida..Segundo o blogue especializado em navegação Halifax Shippinh News, o navio tinha partido de Buenos Aires a 5 de março sem indicar o destino, mas alegando que chegaria no dia 15. Mais tarde a data terá sido retirada, à medida que seguia para norte, tendo aparentemente sido reabastecido ao largo Trindade e Tobago na manhã de dia 26. A 29, ao largo da Venezuela, terá indicado que não estava a conseguir manobrar, pelo que todos os navios deviam manter-se afastados. Quando estaria já a nove milhas náuticas da ilha La Tortura começou a navegar para oeste, dando como destino o porto de Willemstad, Curaçau, onde se encontra.