Foi eleito o melhor jogador de futsal do mundo por seis vezes. Bateu recordes e fez história. A conversa com o DN andou muito à volta do adeus e do legado que vai deixar aos "próximos Ricardinho", "porque o fim da carreira está próximo". Mais dois ou três anos. Homem de negócios na sombra (tem várias empresas), sonha com o mundial, não quer ser treinador, reclama mais atenção da FIFA para a modalidade e gostava de ser embaixador mundial do futsal. Eis Ricardinho aos 35 anos!.Uma operação, uma época acabada... Como está a lidar com isso? Está a ser ridiculamente duro. Estou a viver o pior que pode acontecer a um jogador, que é não jogar. Há dias em que acordo bem disposto e sorridente a pensar que o futuro vai ser bom e há outros em que está tudo escuro, tudo errado e o tempo não passa e não é fácil, mas penso que tomei a decisão certa ao ser operado. Agora é ter paciência que é algo que não corre muito a meu favor..Porquê? Não sou nada paciente. Sou uma pessoa que relaxa a jogar (risos). Gosto de treinar, jogar, trabalhar, estar ocupado, sentir-me útil e agora... Sei que tenho de ter paciência e que isso ajudará à minha recuperação, mas não é o meu forte. Não sou pessoa de tirar prazer do não fazer nada. Gosto de competir, andar no fio da navalha, lutar por um resultado....Tem tido a companhia da bola? Nem pensar. Outro dia estava a ver jogos de futsal e tive de desligar a televisão, porque já estava a bater a saudade. E só ainda passaram uns dias. Está a ser duro, principalmente nesta fase que não posso fazer absolutamente nada, só estar sentado ou deitado e com a perna ao alto. Sinto-me um inútil e não gosto nada desse sentimento e isso dá cabo da minha cabeça. Está num clube novo, lesionou-se na seleção... Sentiu a pressão da decisão de ser operado já? Pressão para mim é não ter dinheiro para por comida na mesa dos meus filhos. Senti o peso da decisão, isso sim. Era uma lesão que eu vinha a arrastar há meses. Tínhamos de tomar uma decisão, é um ligamento importante na perna direita (tendão longo) e estava em causa o meu último mundial com a seleção. Dizer ao clube que tinha de parar para me preparar para o mundial com a seleção não foi uma conversa fácil. Felizmente o presidente compreendeu. Sei que fui contratado para fazer algo muito importante no ACCS Paris, que o projeto roda à minha volta, que estamos na luta pelo título e dou visibilidade e competitividade à liga francesa, por isso custou abandonar o clube durante quatro meses para colocar a seleção e o mundial em primeiro lugar..O mundial é a coroa que falta à carreira do Ricardinho? Antes do mundial (12 de setembro a 3 de outubro) temos de conseguir o apuramento para o Europeu para defender o título. O apuramento começou ao tropeções e agora temos de fazer contas... Os próximos dois jogos com a Noruega (1.º na segunda-feira) são decisivos, mas acredito que nos vamos apurar para o europeu. Se vai ser um Europeu com o Ricardinho logo vemos, o importante é Portugal lá estar. Quer dizer que o adeus está perto? É ganhar o mundial e abandonar? Isso é que era uma saída em grande. Imagine que eu digo que abandono depois de ser campeão mundial. E se não for? Não aguento mais quatro anos até ao próximo. Impossível (risos). A seleção não é o Ricardinho. Houve seleção antes do Ricardinho e haverá seleção depois do Ricardinho, mas até lá quero deixar marca. Ganhar um mundial seria inigualável. Fazer melhor do que o 3.º lugar na Guatemala em 2000 seria brutal. Estando lá temos de sonhar, porque qualidade temos. Custa-me imaginar o dia em que vou ter de deixar de jogar. Nós jogadores somos como os produtos, temos data de validade e a partir de certa altura estamos sempre a verificar se ainda estamos no prazo. O corpo vai dando alguns sinais e o meu já deu alguns e já me vai dizendo que um dia vou ter de parar. A lesão veio atrapalhar um pouco os planos, mas não me derruba e vai ajudar a que valorize ainda mais daqui para a frente. Tenho mais dois anos de contrato e já fui abordado para renovar, mas ainda não quero pensar nisso....Porquê? Há algum desejo escondido de acabar no Benfica ou criar um projeto de raiz no FC Porto? Toda a gente faz essa pergunta. Vou confessar uma coisa, quando soube que ia ser operado disse ao presidente que estava a 100% no projeto do ACCS Paris e que não era só por dinheiro, que não precisava de me pagar o salário durante os quatro meses de recuperação. Ele ficou de boca aberta e disse que nunca viu um jogador abdicar daquilo a que tem direito, mas para mim foi uma forma de lhe dizer que a recusa em renovar era sinal de respeito e não uma questão de dinheiro. Quer sair no auge ou jogar até se sentir bem? Eu quero abandonar no auge. São estes dois anos de contrato e talvez mais um se forçarem muito... Eu não vou deixar que o futsal me abandone eu é que o vou abandonar, vou ser eu a decidir. Quero sentir que sou útil em campo, não sou pessoa de me agarrar a um lugar ou a um contrato para ganhar mais uns dinheirinhos ou andar a arrastar em campo. Quando tiver de dar lugar a outro dou. A mim também me abriram espaço para entrar um dia, mas não há que o esconder, o fim da carreira está próximo..Esta conversa tem andado muito à volta do futuro e no adeus... O que ainda o faz continuar a jogar? Trabalhei tantos anos para estar nesse patamar que era muito mau ir para o treino em vez de ir treinar. Eu ainda vou treinar. Poder competir todos os fins de semana e olhar para a cara de alguns adversários e ver a expressão "eu quero ganhar ao Ricardinho". Ouvir os guarda-redes dizer que jogaram contra o Ricardinho e não sofreram golos, os colegas felizes por jogarem comigo e eu puder dizer "o futsal cresceu e o Ricardinho ajudou nesse processo". É isso que me motiva, para que um dia possa sentar-me no sofá e olhar para os troféus e desfrutar deles. Agora ganho-os, coloco-os na vitrina e penso no próximo. Talvez mais um de melhor do mundo? Foi seis vezes eleito o melhor do mundo, um recorde... depois deixou de ser, apesar de para muitos, como disse o selecionador português há dias, ainda ser o melhor do mundo... Algum dia tinha de ser... Isso mexeu consigo? Não. Quando jogava na Rússia tive a noção que se queria ser o melhor do mundo tinha de ir jogar para Espanha, a melhor liga do mundo e talvez o única profissional a 100%. Se queres ganhar tens de estar entre os melhores. E senti isso desde o início. Eu fui o melhor jogador do mundo pela primeira vez em 2010 porque ganhei a Champions pelo Benfica e era difícil fechar os olhos a isso, mas para seres coroado tens de jogar em Espanha, ponto final e parágrafo. O meu trabalho falou por mim, mas não é casualidade estar no Inter Movistar e ganhar cinco anos consecutivos. Mas se valorizei o prémio antes não é agora que deixo de lhe dar importância. Aliás esse prémio devia ter o selo da FIFA e digo-o com mágoa. É preciso algo mais palpável do que a distinção de um site para dar mais credibilidade ao prémio. Um dos projetos que tenho é juntar a UEFA este projeto, com nomeações livres de pessoas devidamente registadas e uma gala anual à séria. Eu sinto que nos últimos anos ainda era dos melhores do mundo e merecia estar pelo menos nomeado, mas entendo que estava de saída de Espanha, já tenho uma certa idade e é preciso aparecerem novos talentos. Faz parte do processo. Eu não ia ser o melhor do mundo até aos 40 anos (!), mas custa acordar um dia e já não veres o teu nome entre os melhores..Já deixou marca na modalidade. É pessoa de se preocupar com a evolução do futsal ou quer é mais um troféu na vitrina lá de casa? Houve fases em que me preocupei mais comigo, com os recordes, os troféus individuais, mas depois percebei que não podes só olhar para ti. Com o tempo e a maturidade percebi que se eu estiver no meu melhor e tentar conquistar os meus objetivos pessoais isso vai ajudar coletivamente. Eu conciliei isso muito bem e por isso nos últimos 14 anos ganhei 12 campeonatos, seis Champions e um europeu e fui seis vezes o melhor jogador do mundo. Fui maduro o suficiente para aprender com várias pessoas e passar por vários campeonatos também ajudou a abrir a mente. No Japão era obrigatório cumprimentar sempre o adversário e aplaudir o público do rival mesmo quando perdias coisa que nunca me imaginei a fazer e que me fez aprender a saber perder, que é coisa que muita gente no desporto não sabe fazer..Já era tempo da FIFA olhar para o futsal sem ser como o parente pobre do futebol? E já vem tarde. Não somos o parente pobre, somos a ovelha negra da família. Já houve tempos piores e a UEFA tem feito grandes avanços, mas a FIFA continua sem gente do futsal a quem não deve interessar a progressão da modalidade. Eu vivi para o futsal, dei o máximo ao futsal, e eu ajudei muito na evolução da modalidade, mas o mais importante é dar-lhe continuidade. Se já temos essa satisfação de jogar mundiais, vamos tentar que no futuro seja melhor, porque se é para estagnar não vale a pena. A partir de certa altura o mundo do futsal passou a discutir quem era o melhor do mundo: Ricardinho ou Falcão. Tal como o futebol se discute Messi ou Ronaldo... No desporto procura-se muito o rei em vez de desfrutar de vários príncipes digamos assim. O meu pai nunca me diz que o Maradona era melhor que o Pelé, diz-me "eu sou do tempo do Maradona, do Eusébio e do Pelé". Porque é que nós nos cansamos a discutir se o Ronaldo é melhor que o Messi e não desfrutamos? E isso aplica-se ao futsal. No Brasil isso nota-se mais e estão sempre a dizer "ah o Ricardinho é muito bom, mas o Falcão foi melhor". Eu não procuro a comparação e toda a gente sabe que ele é o meu ídolo e tenho uma tatuagem dele na perna. Trabalhei tantos anos para estar no topo para agora me andar a cansar com essa discussão. Nem faz sentido para mim. Gosta da expressão "o próximo Ricardinho" ou faz-lhe confusão? Gosto. Acho é que metem muita pressão a quem querem comparar comigo. Fazer comparações tornou-se demasiado fácil e toda a gente quer opinar e esquecem o que custa chegar a esse patamar. Para ser o próximo Ricardinho é preciso de ganhar seis Champions, seis Bolas de Ouro, um europeu e pelo menos 12 títulos nacionais em quatro países. Eu já vi dois ou três atletas serem comparados comigo que já ninguém os vê no radar no futsal, o que é uma tristeza. A mim também me comparavam sempre, "o próximo André Lima", depois o "próximo Falcão". Eu dizia sempre "eu sou o Ricardinho", mas fui inteligente e aprendi com eles. Aprendi a ser melhor jogador, melhor pessoa, melhor homem, eu insultava quem me insultava e até a vestir-me melhor com as dicas do José Carlos (guarda-redes). Eu ia sempre de fato de treino e ele dizia "miúdo não podes andar sempre de fato de treino, tens de aprender a vestir". E eu aprendi e foi aí que ganhei gosto pela moda..Como nasceu o famoso cabrito (drible) que é a sua imagem de marca? Eu tinha 15 anos e jogava no Gramidense, onde jogava um brasileiro que uma vez num jogo ele fez um drible espetacular. Fiquei maluco e pedi para me ensinar a fazer. Quando ele disse que se chamava cabrito fartei-me de rir. Uma vez marquei golo e correu mundo e comecei a aperfeiçoar o movimento. Eu gosto de inventar. Sou um consumidor de YouTube, é uma grande escola para quem adora adaptar coisas de outros desportos. Ainda há dias vi um golo de um jogador de andebol do Sporting frente ao Benfica e liguei-lhe a dar os parabéns pelo golaço já a pensar se aquilo dava para fazer com o pé, mas parece complicado. Falando em Sporting. Em 2018 podia ter feito história e assinar pelo Sporting. O que falhou? Ainda pedi opinião a muita gente próxima de mim, era um contrato milionário, com números nunca vistos no futsal, mas houve três motivos fortes para isso não acontecer. Primeiro porque o Sporting só queria pagar um milhão e a minha cláusula de rescisão era de 1, 5 milhões, embora eu acho que seria fácil negociar. Depois porque estava muito bem em Espanha, a minha mulher é espanhola e vivia um grande momento no Inter e porque a história tornou-se pública e isso criou um ruído insuportável. Os adeptos do Benfica ficaram revoltados, os meus pais foram ameaçados...Comecei a receber chamadas do Benfica e isso deixou-me ainda mais chateado, parece que só mostraram interesse no meu regresso quando o Sporting apareceu na jogada, mas não foi por causa do Benfica que não fui. Não estou arrependido e depois até fiz o melhor contrato da minha vida com o ACCS Paris. Quase nem negociei, a única exigência foi o contrato de três anos e não cinco como queriam. Como está a ser a experiência em Paris? Eu fui para França porque cheguei aquela fase em que já me sentia a ir para o treino sem querer treinar. Ficar de fora por lesão ou castigo já não me incomodava. Senti que precisava mudar de ares e para isso precisava mudar de país. Os primeiros meses foram fenomenais. Batemos o recorde de assistência nos dois primeiros jogos, sempre com o pavilhão cheio... depois a pandemia estragou tudo. Ainda lutamos pelo título e espero que os meus colegas o consigam sem a minha ajuda agora..YouTubeyoutubehttps://www.youtube.com/watch?v=xKvjVAcEdLs.O futsal vai continuar na sua vida ou tem outros planos para a reforma? Digo já que treinador nem pensar, mas vou estar ligado à modalidade. Tenho as minhas academias, as minhas agências e empresas. Tenho alguns negócios, mas estou na sombra porque ainda não é o momento de estar à frente. Sou das poucas que teve a sorte de ganhar muito dinheiro, vivi e vivo bem do futsal e consegui desde cedo buscar alguma estabilidade financeira com alguns investimentos, mas não dá para ficar à sombra da bananeira para sempre, o futsal não é o futebol. Projetos há muitos. Estou a pensar em abrir uma empresa de póquer, que é uma coisa que eu gosto muito, mas o eu adorava que um dia a UEFA ou a FIFA me fizessem um convite para ser embaixador do futsal. Já houve conversas mas não estou obcecado com isso. A reforma vai passar muito por ter tempo para os meus filhos..Que tipo de pai é? Permissivo ou ... Um pai ausente, que é para mim das piores coisas que um pai pode ser, embora esteja a preparar um futuro melhor para os meu filhos. Vivi no Japão, na Rússia, em Espanha e agora em França. Há muitos anos em que só estou presencialmente com os meus filhos uma média de 30 dias por ano. Isso é horrível para eles, para mim... embora eles já tenham idade para entender o porquê e me deixa mais tranquilo. Não sou o melhor pai do undo mas estou a trabalhar para os compensar no pós-carreira. A minha ideia é tirar pelo menos dois anos sabáticos para eles assim que abandonar e dar-lhes aquilo que não tive em criança. E onde é que entra a linha de joias masculinas em parceria com a Zarco? Não é que eu seja muito vaidoso, mas adoro moda, acessórios... O meu primeiro investimento aos 22 anos foi uma loja de roupa, que vendi pouco temo depois porque percebi que não estava preparado para estar à frente de um negócio. Foi um passo à maluca que me ensinou bastante. Quando me propuseram esta linha nem hesitei, mas tive de dar o meu cunho pessoal. Eu não quis dar só o nome e quis participar no processo criativo. Eu gosto de participar. À vezes as pessoas dizem-me "calma rapaz, isto é só para dar a imagem", mas eu não sou assim, gosto de me envolver e sou um bocado esquisito nisso. O feed back tem sido muito bom..isaura.almeida@dn.pt