Cuidado! Nicolas Cage está à solta e com morte para dar
Demónios, moto-serras, motos e cultos satânicos. A receita para um disparate transformada numa das obras de terror mais originais dos últimos anos. O tal filme com um Nick Cage tresloucado à procura de vingança ganhou aclamação no Festival Sundance, teve críticas consensuais em Cannes e fez furor no MOTELx.
George Panos Cosmatos confirma-se como cineasta de altos voos num exercício de género que finta fórmulas e clichés. A história de um lenhador que vê a sua paz ser abalada quando chega à sua pequena localidade um culto religioso chamado Filhos da Nova Madrugada. Um grupo de homens e mulheres sinistros liderado por um louco satânico com ares de Charles Manson. O azar do nosso lenhador é que a sua namorada, a calma e serena Mandy, é raptada, torturada e sadicamente morta por eles. Segue-se um plano de vingança não menos sádico.
Regado de iconografia "pulp" dos anos 1980, Mandy é um tratado de misturas de género: vai do filme de ação puro e duro ao filme de monstros demente, passando ainda pelo gore demente e por uma apropriação ao thriller da linha Deliverance/Fim-de-Semana Alucinante, de John Boorman. Mas também é uma espécie de mergulho convulso na nostalgia da América de Reagan, em que uma direção de fotografia de Benjamin Loeb é capaz de nos atirar para um clima de perigo e tensão com cambiantes negras e através de texturas cerradas. Se a isso juntarmos todo um design sonoro inebriante e a música poeticamente tenebrosa do falecido Jóhann Jóhansson, entramos realmente num mundo à parte, numa terra de fantasia demente e assustadora.
Mandy restaura-nos a fé num certo cinema de terror, livre a autoral, sem freiras formatadas ou vilões faz-de-conta. Aqui, é mais do que garantido, há medo para dar e vender na figura do perturbado líder destes satânicos, um incrível Linus Roache, embora quem seja mesmo incrível é Nicolas Cage, que desde Morrer em Las Vegas, de Mike Figgis não estava tão bem. O seu anjo da vingança é interpretado com uma fúria tão carnavalesca como contida, tão demente como divertida. Um ator que nos faz acreditar que Mandy provoca efeitos de drogas fortes.
Panos Cosmatos, filho de Georg P. Cosmatos, realizador grego de Rambo II- A Vingança do Herói, filma tudo isto com um glorioso imaginário sci-fi e uma arrojada loucura de trip psicadélica. Um cineasta para idolatrar já sem medos e que será capaz de coisas à parte. Mandy é realmente cinema à parte. Nem que seja pela maneira como as cenas têm um tempo muito próprio. Toda a duração das sequências é em si mesmo uma declaração de uma outra dimensão de cinema.
4 estrelas (bom)