"Nunca saio de casa sem me vestir como uma estrela de cinema. Se querem ver a vizinha do lado, vão à porta ao lado!" A desconcertante declaração foi proferida, em plena idade dourada de Hollywood, por Joan Crawford, toda ela lamés, vison e pestanas quilométricas, mas poderia ter vindo igualmente da desdenhosa boca da sua arquirrival Bette Davis ou ainda de Barbara Stanwyck, Elizabeth Taylor, Marlene Dietrich, entre outras. As vedetas do espetáculo há muito que criaram o padrão que associa fama e talento ao direito a ser insuportável, umas vezes por estratégia mediática, outras por inevitabilidade natural, mas, bem vistas as coisas, essa característica é partilhada também por celebridades do desporto, das artes e até da política. Para deleite do público, que aprecia uma boa história... sem moral alguma..Divismos.Inacessivelmente belas, frequentemente talentosas, as grandes atrizes contratadas por estúdios como a MGM ou a Warner Brothers fizeram do mau feitio um acessório de beleza. Não cumpriam horários, faziam-se esperar por realizadores, colegas, jornalistas e pretendentes durante horas, usavam visons e diamantes sobre camisas de noite e acompanhavam um hambúrguer com champanhe? Não importa. O público adorava-as ainda mais por causa de tais excessos..Não se pense, porém, que só as atrizes eram dadas a tais divismos. Se olharmos para a galeria de ícones de Hollywood difícil será encontrar alguém mais caprichoso do que Marlon Brando ou, mais recentemente, do que Jack Nicholson, Christian Bale ou Johnny Depp..Do grande ecrã, a extravagância como privilégio da fama e do talento extravasou para outras áreas como a moda, o desporto ou a música. Nas décadas de 1980 e 90, as chamadas supermodelos substituíram, no imaginário de milhões, essas antigas divas do cinema. Para além das alegadas agressões da britânica Naomi Campbell a assistentes, jornalistas e até a dois polícias no aeroporto de Heathrow, que são casos extremos de divismo, importa lembrar a célebre declaração de Linda Evangelista: "Não me levanto da cama por menos de dez mil dólares." Mas divas da moda não se movem apenas nas passerelles: Karl Lagerfeld, com os seus inseparáveis óculos escuros, leques e rabo-de-cavalo branco, ou John Galliano, com o look à pirata (no qual Johnny Depp se inspirou para criar a imagem do seu Jack Sparrow, em O Pirata das Caraíbas), têm tanto de visionários como de prime donne..No mundo da música, a ópera não terá o monopólio das divas, mas da fama não se livra. Sopranos e tenores dignos desse nome fazem-se acompanhar por uma lista de exigências tendencialmente bizarra. Tal cânone parece ter sido fixado por Maria Callas que, se lhe desse na gana, não voltava ao palco após o intervalo, como fez, em 1958, em Roma, durante a apresentação de Norma. Dois meses depois, a cantora veio ao São Carlos e a direção do teatro, receosa, mandou remodelar o camarim especialmente para ela. Correu tudo pelo melhor e ainda hoje os melómanos consideram essa La Traviata uma das melhores de sempre..Sem leques ou foullards de luxo, mas de chuteiras, alguns dos grandes nomes do desporto contemporâneo fazem do capricho peça essencial da sua reputação. Antes de Serena Williams sofrer exuberantes crises de mau feitio em pleno court, já John McEnroe partia raquetas com muito à-vontade. José Mourinho, ao chegar ao Chelsea, intitulou-se The Special One e, a partir daí, comportou-se de acordo com tão lisonjeira imagem de si mesmo. Na história recente do desporto rei não faltam, aliás, casos destes, desde o indisciplinado avançado francês Eric Cantona (que se apresentava, domingo após domingo, com a gola do equipamento levantada) ao brasileiro Neymar. No último Mundial, os diferentes penteados com que aparecia em campo foram mais comentados do que as suas jogadas..Manias e provocações.Numa época em que as mulheres mal saíam de casa, Natália Correia falava alto e bom som sobre poesia, mas também sobre liberdade, democracia e erotismo. Fê-lo em plena ditadura e continuou depois da Revolução, maior do que as conveniências e as disciplinas partidárias. Em 1982, ficaram justamente célebres os versos que, em plena sessão parlamentar, dedicou a um deputado do CDS, João Morgado, que se opunha à despenalização do aborto. Assumidamente provocadora, Natália despertava autêntico terror em muitos dos seus pares nas letras e na política..Bem mais conservadora na pose e na conceção da sociedade, a escritora Agustina Bessa-Luís não deixou sempre de ser, à sua maneira, uma provocadora e de ter gosto nisso. A sua obra literária está cheia de mulheres perversas, que subvertem a ordem social que as constrange com prodígios de vontade e, frequentemente, de crueldade. Gostava de receber na sua casa da Rua do Gólgota, no Porto, rodeada por gatos que ela dizia, com prazer, serem maus..Entre os escritores, portugueses ou estrangeiros, não faltam, aliás, exemplos de temperamentos difíceis. Entre nós, Herberto Helder (que se recusava a dar entrevistas), José Saramago, António Lobo Antunes ou Vergílio Ferreira são frequentemente referidos tanto pela excelência das obras como por "maus feitios", que tendiam a dificultar as aproximações tanto de admiradores como de jornalistas. Misantropos? Também os há. É o caso do norte-americano J.D. Salinger que, em 1951, obteve um gigantesco sucesso com o romance Uma Agulha no Palheiro. Aparentemente assustado por tão súbita popularidade, correu a refugiar-se em local incerto, longe dos holofotes, até à morte, ocorrida em 2010..De Van Gogh, que se automutilou, cortando uma orelha, antes do suicídio aos 37 anos do norte-americano Jackson Pollock que, apesar do reconhecimento em vida, mergulhou no alcoolismo, acentuando, assim, a irritabilidade fácil, também na pintura não faltam exemplos de grandes obras assinadas por personalidades voláteis. Em 1912, Egon Schiele foi preso por alegada violação de uma menor e o próprio Picasso não se livra da fama de ter sido cúmplice do roubo de algumas estátuas primitivas do Louvre, que, estranhamente, viriam a ser encontradas no seu ateliê de Paris..Tão popular (sobretudo durante a II Guerra Mundial, em que foi determinante para a vitória dos Aliados) como irascível, Churchill ganha, por sua vez, o prémio do político mundial com maior registo de manias. Com uma extraordinária capacidade de ingestão de álcool, este filho de uma das mais antigas linhagens britânicas, partiu muito jovem para combater na Guerra dos Boers, que opunha o poder colonial aos africânderes. Não foi sozinho: fez-se acompanhar por 60 garrafas das mais variadas bebidas, desde whisky ao seu muito apreciado porto. Tinha também gostos muito particulares em matéria de roupa interior. Sob os seus austeros fatos de estadista, fazia questão de optar por ceroulas... cor-de-rosa. Na ausência delas, como, de facto, aconteceu durante uma visita à Casa Branca, em 1942, preferia estar nu nos seus aposentos..Verdadeiras maldades.Agatha Christie, rainha incontestada do policial, não resistiu a passar do papel à encenação do seu próprio assassinato, quando descobriu que o marido a enganava. Durante dias a fio, a polícia buscou os caminhos, dragou os lagos e interrogou o principal suspeito, o marido, claro, enquanto a escritora, escondida, desfrutava da vingança. Tudo acabou, como não podia deixar de ser, em divórcio litigioso. Outros escritores, pelo contrário, tiveram vidas nos antípodas das suas seráficas obras literárias. Roald Dahl, o festejado autor de clássicos infantojuvenis como Mathilda ou Charlie e a Fábrica de Chocolates, não escondia as simpatias pró-nazis e Enid Blyton, a autora das sagas Os Cinco e Os Sete, foi acusada publicamente de crueldade intolerável pelos próprios filhos..Frank Sinatra, que nunca se deu ao trabalho de desmentir os fortes rumores de ligação à Máfia, protagonizou muitos episódios de extrema violência. Um dos mais singulares ocorreu após o fim do turbulento casamento com Ava Gardner: tendo descoberto o affaire da "estrela" com o toureiro espanhol Luis Miguel Dominguín, o crooner contratou um grupo de homens para ir a Madrid destruir a casa do rival e voltar a Las Vegas, mas poder-se-ia igualmente enunciar episódios domésticos contados, em entrevistas e memórias, por ex-mulheres e namoradas como Mia Farrow ou Lauren Bacall..Caravaggio teve de fugir de Roma após matar um homem numa rixa em plena rua. Truman Capote ficou com a reputação de manipulador após a publicação de A Sangue Frio, o livro que nasceu das suas conversas com um homem no "corredor da morte". Bernardo Bertolucci (talvez em conluio com Marlon Brando) foi acusado de violação física e psicológica pela atriz Maria Schneider no set de O Último Tango em Paris. A lista de vilanias atribuídas a homens e mulheres que fizeram história, pela sua inteligência e o seu talento, é extensa e perde-se no tempo. Em muitos destes casos, vale a pena vencer o repúdio pelo criador, em favor da criação.