Eram 08.41 da última quarta-feira, 18 de dezembro, quando um abalo sísmico de magnitude 4,7 na escala de Richter sacudiu a ilha do Faial, nos Açores. Não causou qualquer dano mas esse foi até agora o maior abalo desde que há mais de mês e meio, a 3 de novembro, se iniciou a atual crise sísmica na região, que já soma nesta altura mais de cinco mil sismos, 48 dos quais foram sentidos pela população. Um deles foi o da manhã de quarta-feira..Nesse mesmo dia, pelas 14.40, um novo abalo, sentido não só no Faial mas também nas freguesias mais a oeste das ilhas do Pico e de São Jorge, tal como o dessa manhã, ficou só um pouco abaixo: os sismógrafos da rede de monitorização do CIVISA, Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores, registaram dessa vez 4,4 na escala de Richter, o que o colocou em segundo lugar neste contexto. Os dois no mesmo dia. Mas os sismos continuam, a maioria mais fracos. Ainda ontem, sexta-feira, a terra voltou ali a tremer, não ultrapassando dessa vez os 2,3 graus na escala de Richter. Não chegou a ser sentido - só aqueles acima de 3 a 3,1 têm sido sentidos pela população do Faial durante esta crise. O que está, afinal, a acontecer naquela região dos Açores?.Esta atividade sísmica, que "está acima dos valores normais de referência para esta região, tem origem numa zona sismogénica situada entre 25 e 35 quilómetros a oeste da ilha", responde Rui Marques, presidente do CIVISA, sublinhando que "todos os sismos, que diariamente se têm registado desde o dia 3 de novembro, são de origem tectónica, não havendo nos dados registados qualquer sinal de atividade vulcânica"..A atividade sísmica não é propriamente uma novidade nos Açores, pelo contrário. E o certo é que há dezenas de áreas sismogénicas nos Açores, cuja monitorização é feita em contínuo pelos especialistas e pela rede de monitorização do CIVISA.."Fruto da sua localização geográfica muito particular, numa zona de junção de três placas tectónicas - a americana, a euroasiática e a africana -, o arquipélago tem sismicidade diária", explica Rui Marques..Na prática, é o jogo de forças entre aquelas três placas tectónicas, num complexo enquadramento geodinâmico, "que é muito peculiar no contexto do planeta Terra", como sublinha o especialista, que determina a atividade sísmica, também ela muito particular, na região..No caso do grupo central do arquipélago, e concretamente na situação presente, o que está em causa é a atividade e consequente libertação de energia numa zona globalmente designada por Rift da Terceira, localizada na fronteira entre as placas euroasiática (a norte) e a africana (a sul)..Estas duas placas estão a mover-se muito lentamente na direção de leste e, com elas, as ilhas açorianas dos grupos central e oriental - Flores e Corvo, já sobre a placa americana, caminham para oeste, em direção à América. Mas a questão é que as placas eurasiática e africana não se movimentam à mesma velocidade - a primeira vai um pouco mais depressa do que a segunda -, e é esse desfasamento que gera tensões, que por sua vez, de tempos a tempos, libertam energia, gerando atividade sísmica.."A zona sismogénica a oeste do Faial faz parte do Rift da Terceira, onde se juntam as duas placas euroasiática e africana, e onde existem muitas falhas. Os sismos que estamos a registar nesta altura não estão, aliás, associados a uma única falha, mas a várias, que libertam energia e geram esta sismicidade", resume o presidente do CIVISA..Dada a distância entre a ilha do Faial, que é a mais próxima, e a zona do epicentro dos sismos, entre 25 e 35 quilómetros, grande parte dos sismos acima de 3 ou 3,1 graus na escala de Richter são sentidos pela população, principalmente nas freguesias de Capelo e Praia do Norte. Mas os sismos que excedem o valor 4, como os dois da última quarta-feira - e já lá vão sete ao todo, desde que a situação se desencadeou há mais de mês e meio -, "têm sido sentidos também nas freguesias localizadas mais a oeste das ilhas do Pico e de São Jorge", nota Rui Marques, sublinhando que "nenhum dos 48 sismos sentidos pela população causou quaisquer danos"..Por isso, o dia-a-dia no Faial "segue normalmente e sem quaisquer constrangimentos", assegura Rui Marques, sublinhando que o CIVISA "continua a acompanhar diariamente, através da suas redes de monitorização, a sismicidade e as alterações geoquímicas das fumarolas e das nascentes termais, para avaliar qualquer alteração nos sistemas vulcânicos". Prever, no entanto, quanto tempo mais poderá durar a presente situação, ou quantos mais sismos poderão ainda fazer-se sentir no Faial, e nas outras ilhas do grupo central, "não é possível", garante o presidente do CIVISA. "Resta-nos acompanhar a situação. Se não tivéssemos redes de monitorização não saberíamos sequer da maioria dos sismos que estão a ocorrer porque a esmagadora maioria não chega a ser sentido.".Para a população do Faial, esta não é de resto uma situação nova. Um sismo mais forte do que qualquer um dos que se registou até na presente crise e que ocorreu a 20 de janeiro de 1993, a 20 de janeiro - atingiu 5,8 na escala de Richter e foi gerado exatamente na mesma zona sismogénica que agora está em causa, a oeste da ilha -, apenas causou algumas fissuras nas casas mais debilitadas das freguesias de Capelo e Praia do Norte, sem provocar mais danos..Bem mais grave foi o sismo que ocorreu a 9 de julho de 1998, que atingiu 5,9 graus na escala de Richter: oito pessoas morreram e cerca de 70% dos edifícios da ilha ficaram destruídos..Os sismos mais destruidores em Portugal.Foi em Portugal que ocorreu um dos maiores sismos de sempre. Não havia ainda sismógrafos, mas as descrições detalhadas do que ocorreu e da destruição causada, mandadas registar por todo o país pelo marquês de Pombal, que então governava, forneceu a informação necessária para o cálculo da sua magnitude. Hoje é consensual entre os cientistas que o terramoto de 1755, que arrasou Lisboa, causando entre 70 e 90 mil mortos, teve uma magnitude entre 8,5 e 8,7 na escala de Richter. Nos Açores, o sismo mais destruidor de sempre ocorreu a 22 de outubro de 1522, com a devastação quase total de Vila Franca do Campo, que era então a capital da ilha de São Miguel.