Crime e corrupção na Chicago dos anos 20 para Lisboa de 2019

Diogo Infante encena versão portuguesa do musical da Broadway que, entre plumas, critica a corrupção da justiça.
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Chicago, anos 1920. No pós-guerra, ao som do jazz e num ambiente boémio, a cidade surpreende-se com as manchetes matinais em que são relatados crimes sangrentos, muitas vezes passionais, cometidos por mulheres que matam os namorados, maridos ou amantes. Mas as mulheres mais atraentes raramente eram condenadas pelos júris predominantemente masculinos. O fenómeno despertou a atenção da jornalista Maurine Dallas Watkins que em 1926 publicou uma peça de teatro a partir da sua experiência como repórter criminal.

A peça, intitulada Chicago, deu em 1975 origem a um musical da Broadway, com música de John Kander e letras de Fred Ebb que também assinou o guião com o coreógrafo Bob Fosse. O espetáculo teve 936 apresentações e foi depois para Londres. Uma nova versão estreou-se em 1996 na Broadway - onde é o segundo espetáculo com a carreira mais longa (só superada por O Fantasma da Ópera).

Quem não teve oportunidade de ver o espetáculo é capaz de se lembrar do filme, vencedor de seis Óscares, incluindo o de melhor filme de 2002: realizado por Rob Marshall, Chicago tem interpretações de Renée Zellwegger, Catherine Zeta-Jones, Richard Gere e Queen Latifah.

Fazer Chicago em Portugal era um sonho antigo de Diogo Infante que em 2008 já tinha dirigido um outro musical de Bob Fosse, Cabaret. "Os primeiros filmes que vi foram Música no Coração e Serenata à Chuva, e foi, aliás, por causa deste que quis ser ator. Depois vi muitos outros musicais. Sinto uma afinidade com os códigos e esse imaginário", conta o diretor do Teatro da Trindade.

E, de entre os musicais, Chicago é o seu preferido. Não só por causa das músicas (como a conhecida All That Jazz ), mas sobretudo pela atualidade que encontra naquela história de duas mulheres que matam os maridos e que tentam aldrabar a justiça: "É um gozo, uma sátira a um sistema judicial, no qual nos podemos rever. O advogado Billy Flynn manipula e contorna as leis, de um modo que nos é familiar. Somos bombardeados diariamente com situações de corrupção, de fuga ao fisco e de outros crimes e como os poderosos conseguem safar-se usando vários artifícios", explica Diogo Infante.

Além disso, o encenador também achou curioso como já na década de 1920 os criminosos era promovidos ao estatuto de estrelas: "O texto faz uma crítica mordaz a estas celebridades efémeras. E hoje há uma avidez tão grande para ser notado, falado, seja nas redes sociais seja na imprensa, que este é um sistema perverso do qual nós nos alimentamos." Há uma crítica óbvia, também, à imprensa: num dos quadros os jornalistas são mostrados como marionetas manipuladas pelo astuto advogado.

O projeto "ambicioso" de montar o musical passou por fazer uma tradução e uma versão originais a partir da versão de 1975, uma vez que Diogo Infante não queria usar o franchise que lhe iria limitar a criatividade. Depois, além dos três atores convidados (José Raposo, Gabriela Barros e Catarina Guerreiro), houve um casting para atores-bailarinos-cantores no qual participaram 400 candidatos, dos quais foram selecionados 80 (50 para o ensemble e 30 para os protagonistas) até se chegar ao elenco final, que inclui Miguel Raposo, Soraia Tavares, Ana Cloe, e mais 12 bailarinos.

Há ainda a orquestra composta por cinco músicos. Não são tantos quantos os elementos que ocupam o palco na Broadway mas o encenador está satisfeito com o resultado: "Este é um espetáculo para o grande público e que quer ter uma carreira longa." Pelo menos até ao fim do ano.

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