Covid-19. Apelo dos produtores: não deixem de consumir cabrito na Páscoa
Aquilo que a muitos parecia um cenário de má ficção científica - uma Páscoa sem famílias reunidas, sem mesas fartas como nos anos anteriores, sem chocolates nem beijinhos trocados entre avós e netos -, é uma realidade muito presente para Arménio Adérito Vaz, produtor de cabritos de raça serrana de Mirandela. "Esta vai ser uma Páscoa muito diferente. Muito diferente mesmo", lamenta o presidente da direção da Associação Nacional de Caprinicultores da Raça Serrana (ANCRAS), aflito com os próximos dias: "Estávamos a contar escoar o cabrito facilmente nesta altura e, em vez disso, debatemo-nos com um problema aflitivo decorrente do coronavírus."
Tudo porque, de repente, restaurantes fecharam. Famílias refrearam o consumo habitual nesta época sem estarem certas de querer cabrito assado numa mesa de três ou quatro, onde antes se sentavam dez e mais pessoas à vontade. "Temos uma grande superfície que é o El Corte Inglés a ficar-nos todos os anos com uns 400 a 500 cabritos, mas também eles estão na incerteza", conta Arménio Adérito Vaz.
Até ao momento ainda não conseguiram precisar à ANCRAS a quantidade que irão comprar para esta Páscoa, o que significa um potencial prejuízo de meio milhar de cabritos serranos pequenos, com seis ou sete quilos no máximo, cuja carne é a única de Denominação de Origem Protegida (DOP) do país. "Neste momento temos para sair uns 800 cabritos, que é mais ou menos a média que vendemos anualmente, dependendo de o El Corte nos ficar com os animais do costume", adianta o dirigente da Associação.
Se não chegarem a comprá-los, Arménio Vaz nem quer pensar no desfecho: "Será complicadíssimo porque ficamos com esse excedente e não temos capacidade de congelação", resume. Teriam de ser os associados a ficar com eles nos estábulos, arcando com o prejuízo de alimentá-los e vê-los crescer, com a carne a perder qualidade no processo. Pelo mesmo caminho vão os queijos que a associação fabrica após recolher o leite das explorações, embora aí ainda haja capacidade de armazenamento para um mês.
"Como se não bastasse, os nossos produtores são pessoas com uma certa idade, que vivem praticamente dos rebanhos", sublinha o responsável. Sem esse rendimento da venda dos cabritos e do leite a entrar em casa, a maioria ficará privada de qualquer forma de subsistência, sem ter sequer como comer ao final do mês. "Isso custa-me muito, a incerteza. Não sei realmente como vai ser", lastima. Só não chora por vergonha e porque ainda tem esperança de nem tudo estar perdido.
"Nos últimos três dias houve amigos e conhecidos que foram contactando outros amigos e conhecidos, num passa-a-palavra que nunca pensei que funcionasse tão bem, e a verdade é que temos tido particulares a fazerem-nos encomendas", revela o produtor de Mirandela. Até ao final da semana (o abate será na segunda-feira) estão a aceitar pedidos para cabritos inteiros ou metades, a 11,95€ o quilo, com entregas ao domicílio em todo o país ao longo de quarta e quinta-feira da próxima semana. O pagamento faz-se por transferência bancária após a receção.
"Já nos disseram que estamos a confiar de mais nos clientes, mas nesta fase temos de confiar em toda a gente", defende Arménio Adérito Vaz. O objetivo é minimizar os prejuízos dos produtores, dê por onde der. Deitar-lhes a mão no pior cenário possível numa altura em que a ministra da Agricultura, Maria do Céu Albuquerque, veio pedir aos portugueses que mantenham a tradição de comerem cabrito assado no domingo de Páscoa. Lá porque as famílias não se podem juntar devido à pandemia, há sempre a possibilidade de congelarem e fazerem mais tarde, em tempos melhores.
"O desespero e o prejuízo desta época ninguém nos tira", resigna-se o dirigente da ANCRAS, a rezar para nem tudo estar perdido apesar do sufoco. Uma vez ultrapassada esta Páscoa de coronavírus, resta-lhe esperar que o verão traga boas crias e mais saúde, e depois dele também o Natal para compensar. "Entretanto esta produção ficará perdida se não conseguirmos vender estes cabritos na altura certa, que é agora, e estamos a fazer de tudo para que não aconteça", reforça.
Quem quiser encomendar um cabrito deve enviar um mail para fernando.pintor@ancras.pt