Costa e o fim da quarentena: "No final deste mês? Em meados do próximo? Ou no final?"
António Costa continua a resistir à tentação de dizer que já se começa a vislumbrar uma luz ao fim do túnel no combate à pandemia do covid-19. Nesta terça-feira, apesar de muito questionado sobre o assunto numa entrevista ao Observador , recusou novamente dar datas.
Deixou no entanto pistas sobre os fatores que estão em ponderação: "Não podemos levantar estas medidas restritivas enquanto o risco de contágio não tiver sido reduzido para um nível controlável."
É portanto decisivo passar da situação atual de "expansão da pandemia" (os números de infetados aumentarem todos os dias) para uma de "declínio da pandemia" (o número de infetados começar a diminuir), à qual "ainda não chegámos".
Portanto, "é prematuro tomarmos uma decisão". E, seja como for, o parecer dos cientistas será decisivo. "Os cientistas não são ainda capazes de antecipar com suficiente precisão quando é que lá chegaremos. Será no final deste mês? Será em meados do próximo mês? Será no final? Não sabem dizer."
Sinal talvez relevante é o facto de ter sido publicada em Diário da República a resolução do Conselho de Ministros que prorroga até às 00h00 horas do dia 14 de maio o fecho de fronteiras com Espanha. Mas essa decisão pode, no final de contas, ter mais que ver com a dramática situação de Espanha (18 056 mortos, o terceiro país com mais mortos depois dos EUA e de Itália).
Hoje, no Infarmed, o Presidente da República, o primeiro-ministro, o presidente da AR e os principais líderes políticos nacionais, bem como os líderes dos parceiros sociais e os conselheiros de Estado, voltarão a reunir-se, pela quarta vez, para discutir mais uma renovação do estado de emergência, por mais duas semanas, que será discutida e votada na quinta-feira no Parlamento.
Os cientistas vão lá estar, como sempre têm estado. Serão feitas "apresentações técnicas" por epidemiologistas da DGS (Direção-Geral da Saúde), do INSA (Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge), do ISPUP (Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto) e da ENSP (Escola Nacional de Saúde Pública). Tempo para pontos da situação mas também para começar a pensar como - usando uma expressão do PR - se poderá começar a "aliviar a mola".
À tarde, Marcelo receberá em Belém os líderes de duas das empresas que mais têm lucrado com a situação: Pedro Soares dos Santos (presidente do Grupo Jerónimo Martins, dono da cadeia de supermercados Pingo Doce) e Clara Azevedo (presidente do Grupo Sonae, dos hipermercados Continente).
Politicamente, Costa não está sujeito a pressões fortes para "reabrir" o país, nem por parte de Belém - foi aliás Marcelo quem insistiu na instauração do estado de emergência - nem por parte do maior partido da oposição, o PSD.
Na verdade, o único partido que se ouve a insistir na ideia de que o estado de emergência tem sido pernicioso (para os direitos laborais, no caso) tem sido o PCP (que nunca votou a favor dos decretos presidenciais, abstendo-se). Talvez por causa disso, Costa prepara-se para, na prorrogação do estado de emergência, na quinta-feira, eliminar limitações "em matéria de direitos coletivos dos trabalhadores".
Internamente, no PS, o que tem acontecido são pressões de muitos autarcas para que as autoridades locais de saúde lhes identifiquem com nomes e moradas todos os infetados com covid-19 - algo que violaria frontalmente todas as regras do segredo estatístico. O governo recusa terminantemente fazê-lo, por recear que isso pudesse dar azo a processos locais de verdadeira caça às bruxas.
A pressão tem sido de autarcas do PS - mas na verdade de todos os partidos. Só as autoridades de saúde e as forças de segurança podem saber quem são os infetados - e no caso das forças de segurança para que saibam quem está ou não a violar deveres de confinamento.
As pressões para se "aliviar" a pressão do confinamento e do lock down de setores importantes da economia (a restauração, por exemplo) são assim de setores empresariais - e já foram expressas numa carta aberta assinada por 167 personalidades, entre as quais os presidentes da Altice, da Vodafone e da NOS.
Basicamente o que dizem é que "não é possível suspender a atividade económica até que não exista qualquer risco de contágio" porque "o nosso modelo de sociedade não suportaria uma espera tão prolongada".
A isto o primeiro-ministro diz apenas que o levantamento das medidas será gradual e regionalmente diferenciado - sendo que aos mais idosos, o grupo populacional mais vulnerável (taxa de letalidade de 11,4%, enquanto a taxa média é de 3%) será pedido que prolonguem mais o confinamento.
Dito de outra forma: "Vamos ter seguramente um país com múltiplas velocidades. De regiões diferentes, de setores de atividade diferentes, de pessoas com riscos diferentes."