Coronavírus. Estado de emergência sim, mas "confinado"
"Pode." Esta é a fórmula verbal mais repetida no decreto presidencial sobre o estado de emergência, aprovado nesta terça-feira no Parlamento, só com as abstenções de PCP, PEV, IL e Joacine Katar Moreira e os votos a favor das restantes bancadas (PS, PSD, BE, CDS, PAN e Chega).
O governo "pode" limitar direitos de circulação, "pode" requisitar meios privados (hospitais, por exemplos), "pode" suspender o exercício do direito à greve em "infraestruturas críticas", "pode" controlar fronteiras, "pode" impor limitações aos direitos de reunião e de manifestação, "pode" limitar a liberdade de culto "na sua dimensão coletiva".
O governo "pode" agora fazer isto tudo - com o controlo da legalidade exercido pela Procuradoria-Geral da República -, mas nada o obriga a fazer, a não ser que a necessidade se imponha.
E António Costa já garantiu: fará "tudo o que for necessário", mas "nada mais do que o necessário" e já estava antes disposto a isso, "com ou sem estado de emergência".
Deixou, pelo meio, um recado que parece dirigido a Belém: "É absolutamente essencial que as decisões políticas sejam tomadas pelos políticos com base em opiniões técnicas e não com base nas suas opiniões voluntaristas."
A preocupação evidente do primeiro-ministro relaciona-se com a eventualidade de a pandemia ter efeitos muitos prolongados (no mínimo até ao final de maio, segundo disse) e com o desgaste na população face a medidas drásticas de longa duração - para já não falar da questão económica (o governo já percebeu que não haverá excedente orçamental, por exemplo).
Com a aprovação do Parlamento, o Presidente da República passou ontem ao governo uma extensa carta-branca para lidar com a pandemia do covid-19. "Uma mais vasta base de direito", explicou o Presidente da República, à noite, numa comunicação ao país transmitida a partir de Belém.
Marcelo e António Costa esforçaram-se, aliás, por desdramatizar os efeitos da medida nos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. "A democracia não está suspensa", assegurou o chefe do governo, ao princípio da tarde desta terça-feira, depois de o Conselho de Ministros extraordinário ser convocado para dar parecer favorável ao decreto presidencial. Será "um estado de emergência confinado", acrescentaria Marcelo.
No diploma, o PR fez questão de colocar uma norma a dizer que "em caso algum" serão impostos limites à liberdade de expressão e de informação - uma nota de tranquilização para os media, visto que o regime geral do estado de emergência e do estado de sítio possibilita o encerramento de órgãos de comunicação social.
O decreto foi redigido a quatro mãos, em colaboração entre o PR e o governo, como o próprio Marcelo fez questão de dizer na sua comunicação ao país. O PR justificou-o com o princípio de "mais vale prevenir do que remediar", mas reconheceu o carácter controverso do que decidiu: "Sabia e sei que os portugueses estão divididos. Há quem o reclame para anteontem, há quem ache prematuro. Sabia e sei que muitos esperam do estado de emergência um milagre que tudo resolva. Entendi ser do interesse nacional dar este passo."
Terça-feira começou cedo, com o Conselho de Estado a reunir-se, em teleconferência, para aconselhar o PR quanto a esta decisão. Do que se soube, só o histórico comunista Domingos Abrantes se manifestou contra o estado de emergência - e à tarde, no Parlamento, o PCP expressaria as suas reservas, como também o PEV, abstendo-se ambos os partidos na votação.
A seguir ao Conselho de Estado reuniu-se o Conselho de Ministros, que deu o parecer favorável. E depois o decreto foi discutido no Parlamento, merecendo, então aí, a aprovação final.
Nesta quarta-feira, o Conselho de Ministros voltará a reunir-se e o covid-19 voltará a ser o tema dominante. Se haverá medidas novas - e já enquadradas pelo que é sugerido no decreto do estado de emergência -, é algo que falta saber. Esperam-se, pelo menos, regulamentos para as medidas já tomadas.