Coronabonds e estado de emergência. A pandemia evolui e Costa também

Arquivadas as certezas que António Costa tinha há duas semanas sobre <em>coronabonds</em> e as dúvidas quanto às virtualidades do estado de emergência. O covid-19 evolui e o primeiro-ministro, flexível, adapta-se.
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Estado de emergência e coronabonds. Em duas semanas, a posição do chefe do governo evoluiu. Quanto ao estado de emergência, sobre o qual tinha reservas há duas semanas, agora já o acha "imprescindível"; e sobre uma emissão de dívida da União Europeia (UE) para fazer face aos danos do covid-19, de que era defensor acérrimo, agora já considera, como ontem disse num entrevista à Rádio Renascença, que não é um "fetiche mágico".

Sobre o estado de emergência - essencialmente imposto pelo Presidente da República -, o primeiro-ministro assumiu ontem, na referida entrevista, que de facto teve "dúvidas". "A questão não era saber se eram necessárias medidas de contenção, mas se era preciso estado de emergência para que as medidas de contenção existissem. Já tínhamos encerrado as escolas, as pessoas estavam a cumprir as medidas de contenção social. A questão era saber se era necessário dar esse passo do ponto de vista jurídico e ter uma certa ideia de que este processo iria ser bastante mais longo. Na altura não senti que toda a gente tivesse consciência de que não bastava estar 15 dias fechado em casa para que a epidemia desaparecesse."

Agora, porém, António Costa pensa diferente: "Se há 15 dias podia haver dúvidas, agora é absolutamente imprescindível." E as medidas de contenção impostas terão tido mesmo resultados , traduzidos, na quinta-feira, numa frase da comunicação ao país na qual o Presidente explicou a renovação por mais duas semanas (até 17 de abril) do estado de emergência: "Para já ganhámos a primeira batalha, a da primeira fase, adiámos o pico e moderámos a progressão do vírus." Mesmo assim - insiste o primeiro-ministro - do que se tratou foi apenas de uma batalha e não da guerra toda: "Este processo vai ser muito mais longo. Temos o risco de ter uma segunda onda. E vamos ter um inverno em que continuaremos a ter vírus mas sem vacina. Isto tem de ser percorrido como uma longuíssima maratona e não como uma estafeta de quatro por cem metros."

"Recolhimento geral" agravado

O governo aproveitou a prorrogação do estado de emergência para lançar novas medidas que agravam as limitações à circulação. Por exemplo: serão proibidos doravante ajuntamentos de mais de cinco pessoas (exceto se forem familiares); nos dias da Páscoa (de 9 a 13 deste mês) ninguém poderá transitar de um concelho para outro, salvo se for em trabalho; os aeroportos estarão encerrados. E a aplicação do crime de desobediência foi alargada a quem viole as limitações à circulação e aos estabelecimentos que recusam a ordem de encerramento.

Quanto aos coronabonds, ainda há cerca de dez dias o chefe do governo português assinava, com outros sete líderes nacionais da UE - entre os quais o francês Macron, o italiano Conte e o espanhol Sánchez -, uma carta aberta destinada a reclamar a necessidade de se "trabalhar num instrumento de dívida conjunta, emitido por uma instituição europeia". "O argumento para um instrumento tão comum é forte, já que todos estamos a enfrentar um choque externo simétrico, pelo qual nenhum país é responsável mas cujas consequências negativas são suportadas por todos. E nós somos coletivamente responsáveis por uma resposta europeia eficaz e unida", lia-se na carta, dirigida ao presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.

"Como se fosse um fetiche mágico"

Costa defendia isto a 25 de março (data da carta enviada a Charles Michel) e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, fazia o mesmo no dia 31, numa audição no Parlamento: "Não podemos dispensar a emissão de dívida conjunta" porque "deixar tudo nos ombros do BCE é um erro político crasso, do ponto de vista português".

Ontem, porém, ficou claro que o chefe do governo português "arquivou" esta prioridade. O que lhe importa mesmo é que a assistência da UE venha, seja lá como for: "Não temos de nos agarrar, como se fosse um fetiche mágico, a nomes e a designações."

Por outras palavras: "Se é com eurobonds ou com coronabonds, se é com apoios diretos com base no orçamento da UE, se é com outro mecanismo, se é com recurso à emissão de dívida, se é com recurso a contribuições extraordinárias dos Estados, isso são opções técnicas, onde não está o cerne da questão. O cerne da questão está se a Europa prova que é capaz de enfrentar um desafio comum desta dimensão em conjunto e de modo solidário. Há muitas formas de o conseguir fazer, por mim não me agarro a nenhuma em específico."

Para o recuo de António Costa terá contribuído a intransigência de Bruxelas - que é, acima de tudo, uma intransigência alemã - em aceitar este como um instrumento possível para financiar as necessidades de cada país impostas pela pandemia.

Na quinta-feira , o comissário europeu do Mercado Interno, Thierry Breton, ensaiou uma espécie de ponto final na discussão: "Sei que gostaria que se usassem os coronabonds ou algo assim. Isso é uma resposta de cima para baixo e não se encaixa nesta crise." Assim, a cada país a sua solução: "O mais importante é definitivamente poder traçar um plano para cada Estado membro."

Virada a página da prorrogação do estado de emergência, o chefe do governo vira-se para a questão das escolas. No dia 9 serão anunciadas decisões sobre a continuidade (ou não) do seu encerramento. Ontem admitiu o que já se sabia, quanto ao ensino secundário: ou as aulas presenciais recomeçam até 4 de maio ou não recomeçam de todo. "Esse é o limite para que possa tudo decorrer normalmente." Falta exatamente um mês.

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