A guerra entre as duas Coreias começou a 25 de junho de 1950 e oficialmente ainda não acabou. No 70.º aniversário da invasão do Sul, capitalista e com o apoio dos EUA e das Nações Unidas, pelas forças do Norte, comunista e apoiado pelos soviéticos e eventualmente os chineses, a tensão na península continua a ser elevada, apesar de uma mudança de retórica da parte de Pyongyang..O líder norte-coreano, Kim Jong-un, suspendeu os planos militares para uma retaliação não especificada contra a Coreia do Sul, uma semana depois do corte de relações ter sido declarado por Pyongyang. Uma das medidas tomadas foi a destruição do gabinete de ligação. Em causa os folhetos propagandísticos que dissidentes e ativistas de Seul enviam para lá da fronteira..Dois anos depois de uma cimeira histórica entre Kim Jong-un e o presidente norte-americano, Donald Trump, continua a não haver alterações no que diz respeito às sanções impostas pelos EUA contra a Coreia do Norte e o país ressente-se da falta de vontade do vizinho do Sul em ajudar a pressionar Washington. Os EUA rejeitam levantar as sanções sem que Pyongyang ponha fim ao programa nuclear..O presidente sul-coreano Moon Jae-in tem defendido uma maior abertura com o Norte, tendo-se já encontrado várias vezes com Kim Jong-un e abrindo a porta à eventual assinatura de um acordo de paz, 70 anos depois do início da guerra. Mas desde o falhanço da segunda cimeira com Trump que Pyongyang voltou à retórica de sempre em relação ao vizinho do sul..Dois vizinhos que estão há mais de 70 anos a rumar em direções contrárias..Do fim do império japonês à guerra.A península coreana viveu numa paz tensa entre 1945 e 1950, depois de ter ficado livre do império japonês (que a tinha anexado em 1910) com o fim da II Guerra Mundial e ter sido dividida administrativamente entre os vencedores no paralelo 38..A Coreia do Sul, que viria a nascer como República da Coreia, era apoiada pelos EUA e pelas potências europeias e as suas ideias nacionalistas inspiravam-se na ciência, educação e industrialização destes países. Um dos líderes era Syngman Rhee, educado nos EUA, que chegou a ser presidente de um Governo provisório no exílio e viria a ser o primeiro presidente da Coreia do Sul..A Coreia do Norte, que viria a dar lugar à República Popular Democrática da Coreia, tinha o apoio da então União Soviética (e mais tarde da China). O seu movimento nacionalista inspirava-se nas ideias marxistas daqueles que tinham combatido o Japão ao lado dos chineses, na Manchúria. Entre eles o líder guerrilheiro Kim Il-sung, que tinha treinado com os russos e que viria a tornar-se no líder norte-coreano, dando origem à dinastia que continua hoje com o seu neto, Kim Jong-un..Logo depois da II Guerra, os dois lados estavam abertos a negociar um plano que independência e autonomia à Coreia, unificada, no espaço de cinco anos. Mas a Guerra Fria tornou impossível um acordo e nem com a interferência das recém-criadas Nações Unidas trouxe uma solução, com a realização de eleições apenas no sul e acabando o país dividido em dois estilos de governação diferentes: o sul capitalista e democrático contra o norte comunista..Um prelúdio para a Guerra da Coreia, que começou oficialmente a 25 de junho de 1950 quando o Norte invadiu o Sul e cujos combates terminaram em 1953 com mais de um milhão de baixas em ambos os lados. Um armistício, que criou uma zona desmilitarizada junto ao paralelo 38, foi assinado a 27 de julho de 1953, contudo, oficialmente, a guerra ainda não acabou, nunca tendo sido assinado um acordo de paz..Duas velocidades.Antes da guerra, o Norte era por vezes apontado como mais rico que o sul. Em causa, o facto de ser palco de mais indústrias, enquanto o sul era mais agrícola. E mesmo depois da guerra, estima-se que essa situação se mantivesse, com as potências que apoiavam cada um dos lados a injetar dinheiro para a reconstrução, numa tentativa de mostrar que o seu sistema era melhor que o do outro..No Sul, a partir do golpe de Estado de 1961, os destinos do país ficam nas mãos do ditador Park Chung-hee (que viria a ser assassinado em 1979). É ele que começa a empreender o chamado "milagre do rio Han", com a aposta na industrialização do país e na construção de vias de comunicação, que em meados da década de 1970, já com a aposta na indústria pesada, nos componentes eletrónicos e no aço, permite o derradeiro salto que o irá afastar do Norte..De facto, segundo os analistas, o Norte continuou alegadamente com um melhor PIB per capita do que o Sul até meados dos anos 1970, apesar de serem dúbios os números oficiais da economia que eram divulgados pelo Norte. A própria União Soviética também começa então a estagnar..No final da década de 1970, a Coreia do Norte era incapaz de pagar as suas dívidas, optando por renegociar com todos os parceiros e só mantendo os pagamentos ao Japão. O seu PIB era então um terço do registado no Sul. Uma situação que só se agravou na década de 1980, quando estava totalmente dependente de apoios externos, apesar da sua filosofia de vida, o juche, desenvolvida por Kim il-Sung, se basear na ideia de ser autossuficiente..Na década de 1990, com a queda da União Soviética, entrou em recessão profunda, enfrentando a "grande fome" (1994-1999), com as piores estimativas a falarem na morte de 3,5 milhões de norte-coreanos. O país nunca foi autossuficiente na área alimentar e estava dependente dos aliados. Para piorar a situação, sofreu enormes cheias que destruíram as reservas e alagaram as terras aráveis. E Kim Il-Sung morreu em 1994, sendo substituído no poder pelo filho, Kim Jong-il..O sistema centralizado do Norte, o isolamento e o autoritarismo do regime foram afastando cada vez mais o Norte do Sul em termos económicos. Enquanto Pyongyang tenta encontrar caminho à volta das sanções internacionais (e o seu regime é considerado um dos mais corruptos do mundo, sendo o 172 entre 180 no ranking da Transparency International) o Sul foi continuando a crescer até se sentar no G-20, o grupo das 20 maiores economias mundiais (é a 12.ª em PIB)..Além dos telemóveis da Samsung ou dos carros da Hyundai, o país exporta ainda cultura - a música K-pop à cabeça desta "onda coreana" que começou ainda na década de 1990, mas que ganhou fôlego nos últimos dez anos graças às redes sociais..Situação atual.Neto do fundador da Coreia do Norte, Kim Jong-un (no poder desde 2011) mantém o controlo apertado da economia do país, tendo nos últimos anos apostado numa abertura ao turismo. Ao mesmo tempo, contudo, mantém a aposta no programa nuclear. Por isso mesmo, as sanções económicas mantêm-se de pé..A pandemia de coronavírus - oficialmente a Coreia do Norte diz não ter qualquer caso - só veio piorar a situação, porque o principal parceiro económico, a China, fechou as fronteiras..Noutras ocasiões, a uma maior pressão económica e como moeda de troca, Pyongyang intensificou ações militares para obrigar o Sul a sentar-se à mesa. Parece ter sido isso a estar por detrás das últimas medidas do regime, entre as quais a de explodir com o gabinete de ligação aberto em setembro de 2018, que ficava na zona desmilitarizada..A irmã de Kim Jong-un, Kim Yo-jong, tem sido o rosto de medidas mais enérgicas contra o Sul, não sendo claro se terá agido contra as indicações do irmão, que agora a desautoriza, ou se o líder norte-coreano se manteve de propósito à margem para agora poder ter uma postura mais conciliadora com Seul.