É o presidente da Câmara do Porto quem tem na sua secretária a chave da caixa de madeira onde, dentro de um frasco de vidro e submerso em formol, se encontra o coração de D. Pedro I (IV de Portugal), o pai fundador da independência do Brasil. Mas, por outro lado, é a Venerável Irmandade da Lapa, quem tem a chave da Igreja, no Porto, onde se encontra guardada a preciosa relíquia. É pela conjugação da vontade entre as duas partes que se aceitará - ou não - o pedido para que o coração de D. Pedro seja emprestado ao Brasil, no âmbito das comemorações, este ano, dos 200 anos da independência..O pedido foi tornado público pelo embaixador brasileiro George Prata, um dos coordenadores das comemorações do bicentenário do Brasil. "Nós iniciámos conversações, preliminares, com o lado português para explorar a possibilidade da transladação temporária do coração do D. Pedro para o Brasil", afirmou o diplomata à Lusa, no princípio deste mês. Foi ele próprio, ao visitar Portugal em fevereiro, que fez alguns contactos iniciais: "Quando eu estive em Portugal, estive no Porto, visitei a Câmara Municipal e tive também uma reunião com representantes da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa." A matéria é delicada - e existem receios quanto aos efeitos na relíquia desta aventura transatlântica. Aparentemente - embora oficialmente não fale do assunto - o presidente da Câmara Municipal do Porto estará inclinado a dizer que sim ao pedido brasileiro. Rui Moreira acha que é uma boa medida para a promoção do Porto no Brasil. A Irmandade da Lapa, porém, coloca aquilo que a sua provedora, Maria Manuela Maia Rebelo, definiu ao DN claramente como uma "condição prévia"..Ou seja: a Irmandade quer um parecer científico, feito de preferência pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, que assegure que a viagem transatlântica da relíquia não implicará perigos para a sua integridade física. A verdade é que há cerca de dez anos cientistas brasileiros pediram para fazer uma biópsia do coração do primeiro imperador do Brasil. Queriam perceber definitivamente as causas da sua morte (não é certo se foi doença de Chagas, tuberculose ou doença cardíaca). E a Irmandade disse que não..Quanto ao resto, a decisão política de dizer que sim ou não às autoridades brasileiras, isso, salienta a provedora, competirá à autarquia. "A Irmandade é apenas fiel depositária da relíquia, a sua guardiã. Mas D. Pedro na verdade doou o seu coração à cidade e não especificamente à Irmandade. Portanto, é a cidade que tem de decidir". De acordo com Maria Manuela Maia Rebelo, já se iniciaram conversações com a Faculdade de Medicina tendo em vista a realização da perícia científica. Enquanto isto, a diplomacia brasileira aguarda. "Não há desenvolvimentos recentes a referir", esclareceu ao DN a embaixada em Lisboa. Na esquerda brasileira, esta iniciativa é vista com muitas reservas. Teme-se que Bolsonaro use as comemorações do bicentenário na sua campanha presidencial (eleições marcadas para 2 de outubro)..É ao liberal D. Pedro e às gentes do Porto que a cidade deve o título de Invicta. De julho de 1832 a agosto de 1833, resistiu ao cerco das tropas do seu irmão, D. Miguel. Resistindo acabou por vencer, com a causa liberal a derrotar definitivamente a absolutista.