Há 15 anos no poder na Alemanha, a chanceler Angela Merkel já conviveu com quatro presidentes franceses. Mas hoje, pela primeira vez, será convidada para conhecer a casa de férias dos residentes do Palácio do Eliseu: o Forte de Brégançon, na Riviera Francesa. Na agenda do encontro com Emmanuel Macron estarão todos os temas quentes da rentrée: do combate ao novo coronavírus até ao Brexit, passando pela situação na Bielorrússia ou no Líbano..Em junho, após meses de reuniões por videoconferência por causa do covid-19, Merkel convidou Macron para o Castelo de Meseberg, retiro oficial dos chanceleres alemães nos arredores de Berlim que pode também ser usado para visitas oficiais de dignitários estrangeiros..Os três antecessores de Macron no Palácio do Eliseu tiveram direito a estadias na residência construída em 1739 que o governo alemão aluga simbolicamente por um euro desde 2004. Depois de obras de segurança profundas, serve como retiro da chanceler desde 2007..Nesse encontro em junho, Merkel e Macron concordaram num plano de 750 mil milhões de euros para apoiar a economia europeia no pós-pandemia, que viria a ser finalizado na cimeira europeia de finais de julho, a última vez em que ambos estiveram frente a frente..Agora, Macron devolveu o convite a Merkel, que será a primeira chanceler alemã a visitar a casa de verão dos presidentes franceses desde que o seu mentor, Helmut Kohl, ali esteve a convite de François Mitterrand, em 1985..Quatro presidentes.Merkel sucedeu a Gerhard Schröder à frente dos destinos da Alemanha em novembro de 2005, quando Jacques Chirac estava a pouco mais de um ano de terminar o seu segundo mandato na presidência francesa. Paris foi o primeiro destino internacional de Merkel, tal como Berlim seria o último de Chirac, em maio de 2007..Na altura, o eixo franco-alemão já começava a recuperar dos problemas que tinham surgido na viragem do milénio, quando os alemães pediam mais poder de voto em Bruxelas, uma década depois da reunificação, e os franceses se mostravam contra. A guerra do Iraque em 2003, e a oposição de ambos os países à invasão norte-americana, serviu como ponto de partida para a aproximação que Merkel, quando chegou ao poder, procurou intensificar.."A União Europeia, para funcionar, deve contar com um eixo franco-alemão realmente sólido", disse Chirac a Merkel naquele primeiro encontro, em novembro de 2005. Mas as reuniões entre ambos ficaram marcadas pelas fotos do presidente francês a beijar as mãos da chanceler (um gesto que tinha com outras mulheres)..A chegada de Nicolas Sarkozy ao Palácio do Eliseu em 2007 marcou o início da dupla que ficaria conhecida como "Merkozy" e que teria o seu ponto alto na posição comum durante a crise da dívida soberana, com Berlim a conseguir impor o Pacto de Estabilidade, que se traduziu na austeridade para muitos países, incluindo Portugal..Apesar do apoio de Merkel (que recusou receber em Berlim o socialista François Hollande durante a campanha), Sarkozy não foi reeleito em 2012. A chanceler só conhece o novo presidente no dia em que este toma posse e em que, após alguns contratempos (o avião avariou e chegou atrasado), a visitou na capital alemã. Hollande quer reescrever o Pacto de Estabilidade, mas acabará por ceder e o retificar..Os acontecimentos acabaram contudo por os aproximar: o papel na guerra da Ucrânia e a resposta aos atentados terroristas em Paris. Ficou famosa a fotografia de Merkel de olhos fechados a encostar o rosto ao ombro de Hollande em fevereiro de 2015, num momento de luto pelas vítimas do atentado do Charlie Hebdo. No seu livro, o presidente francês teceu rasgados elogios a Merkel..O socialista, em baixo nas sondagens, optou por não ser candidato à reeleição em 2017, com Emmanuel Macron a tornar-se o quarto presidente com quem a chanceler teve de lidar ao longo dos anos frente aos destinos da Alemanha - já indicou que não será candidata nas eleições do próximo ano..A relação entre Merkel e Macron nem sempre foi fácil, devido aos estilos muito diferentes de ambos. Se Merkel é pragmática, cautelosa e procura consensos, Macron é visto como impulsivo e ambicioso. E não gostava da lentidão com que as coisas avançavam para a chanceler ou para toda a Europa..Os dois acabaram contudo por assinar, em janeiro de 2019, o novo tratado de cooperação e integração e, em plena crise de coronavírus, Merkel acabou por ceder a Macron com o fundo de recuperação europeu - com Berlim a abrir os cordões à bolsa contra todo o rigor orçamental que até então tinha defendido..Agora, para provar que a relação está melhor do que nunca, Macron convidou Merkel para visitar Brégançon, onde no ano passado recebeu o presidente russo, Vladimir Putin, e no ano anterior a então primeira-ministra britânica, Theresa May..Forte de Brégançon.Macron chegou com a família em finais de julho ao forte na Riviera Francesa para três semanas de férias "calmas mas estudiosas", como tinha dito o porta-voz do governo. A calma já teve de ser interrompida várias vezes, quer com reuniões por causa do surto de covid-19 quer pela explosão no porto de Beirute, que levou o presidente francês à capital libanesa..O forte medieval, construído numa pequena ilha (com ligação permanente ao continente) no departamento da Provença-Alpes-Costa Azul, é o retiro oficial do presidente francês desde 1968. Charles de Gaulle, que tinha passado por lá quatro anos antes, estava então no último ano no Eliseu..George Pompidou fez do espaço, cuja construção começou ainda no século XIII e só ficou concluída no século XVII, um local de convívio com artistas e amigos próximos, indo até lá com a sua mulher, Claude, quase todos os fins de semana - fosse verão ou inverno. Valéry Giscard d'Estaing considera o forte um "paraíso" e passa lá vários períodos de férias..François Mitterrand, fora a visita de Helmut Kohl em 1985, prefere passar as férias noutro local e é dos que menos usam o forte, então transformado em local para receber dignitários estrangeiros. Segue-se contudo a idade de ouro do forte, sob a presidência de Jacques Chirac, que frequenta o espaço desde o verão de 1995..Sarkozy passa as férias no forte quer com a primeira mulher, Cecilia, quer com a segunda, Carla Bruni. Já Hollande, após um verão, decide entregar a gestão de Brégançon ao Centro de Monumentos Nacionais e abri-lo ao público..Macron volta a assumir o controlo do forte, com o público a ser autorizado a visitá-lo quando o presidente lá não se encontra. Em 2018, gerou polémica a decisão de acrescentar uma piscina de 35 mil euros ao forte, à procura de maior privacidade - muitos ex-presidentes foram fotografados de calção de banho na praia do forte - e a pensar nos "netos". O presidente francês é casado com Brigitte Macron, 25 anos mais velha, que já tinha três filhos do primeiro casamento, tendo também dois netos..Sem tempo para mergulhos com Merkel.A chanceler alemã visita Macron mas não haverá tempo para mergulhos. O encontro entre ambos, para preparar a rentrée, incluirá no final uma conferência de imprensa conjunta..Segundo o comunicado do Eliseu, que confirmou a visita, a "reunião de trabalho" abordará os grandes dossiês da rentrée na Europa, desde a coordenação ligada ao covid-19, o quadro financeiro plurianual da União Europeia (o orçamento europeu para os próximos anos) e o Brexit..A Alemanha está atualmente na presidência rotativa da União Europeia e estes dois últimos temas têm de ficar decididos até ao final do ano - a 31 de dezembro acaba, por exemplo, o período de transição para a saída do Reino Unido e, caso não haja acordo sobre a relação futura, haverá um recuo até às regras da Organização Mundial do Comércio, desconhecendo-se o impacto que tal poderá ter..Mas também serão discutidos temas de atualidade, nomeadamente a situação na Bielorrússia. A União Europeia, após uma reunião dos líderes por videoconferência, decidiu nesta quarta-feira que não reconhece o resultado das presidenciais que deram um novo mandato a Alexander Lukashenko e ameaça com sanções..A crise no Líbano, agravada pela explosão de 4 de agosto que causou quase 200 mortos, será também abordada entre os dois líderes, tendo Macron tomado a dianteira da resposta internacional..Outro tema a discutir será a situação no Mediterrâneo, onde Grécia e Chipre estão em disputa com a Turquia por causa das águas territoriais ricas em recursos naturais. Paris enviou recentemente dois navios e aviões para um exercício militar com a Grécia, o que deixou o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, irritado. A situação poderá marcar o futuro das relações entre Bruxelas e Ancara.