O acordo de governo negociado entre Benjamin Netanyahu e o rival Benny Gantz prevê que, a partir desta quarta-feira, 1 de julho, o primeiro-ministro possa apresentar o seu plano para a anexação de cerca de 30% da Cisjordânia. Tudo com base na proposta que o presidente norte-americano, Donald Trump, fez para a paz na região, que inclui a solução de dois Estados mas nunca contou com o aval dos palestinianos..Gantz - líder da coligação Azul e Branca que assumirá a chefia do governo na segunda metade do mandato e que por enquanto é ministro da Defesa - defendeu que a data de 1 de julho não é "sagrada" e que, neste momento de pandemia, tudo o que não é coronavírus pode esperar (Israel já teve quase 24 mil casos e mais de 300 mortes)..Mas Netanyahu não partilha da sua opinião e deixou claro, numa reunião do seu partido, o Likud, que o tema não depende da Azul e Branca. Mas o que irá fazer o primeiro-ministro há mais tempo no poder em Israel?.A possibilidade de anexação tem sido criticada pela comunidade internacional, nomeadamente os países europeus (que não estão contudo unidos para a eventual aprovação de sanções) e os países árabes. Nos últimos anos, Israel tem melhorado os seus laços com estes últimos, mas iniciativas como a cooperação científica em relação ao coronavírus com os Emirados Árabes Unidos, anunciada ainda na semana passada, podem cair por terra..Gantz, que apoia também o plano dos EUA, defende contudo mais tempo para negociar uma solução com os parceiros estratégicos na região e com os palestinianos e não agir de forma unilateral, pondo em causa a estabilidade regional..Apesar de não ter tido a luz verde formal de Washington (que faz depender o seu aval de um acordo entre Netanyahu e Gantz), o primeiro-ministro israelita pode querer avançar com os seus planos antes das presidenciais de novembro nos EUA, onde uma eventual derrota de Trump poderá deixá-lo sem um aliado na Casa Branca..Gantz dispõe de direito de veto no interior do governo, mas caso o parlamento elabore uma proposta de lei, é suficiente uma maioria simples para que seja aprovada. Neste caso, Gantz nada pode fazer para a impedir..Uma anexação por fases?.Em vez de uma ação imediata que inclua a anexação de 30% da Cisjordânia (ou até mais, para agradar aos colonos), Netanyahu poderá ponderar uma anexação faseada. Começaria com os colonatos próximos de Jerusalém, Ma'ale Adumin e Gush Etzion, num eventual teste à resposta europeia e à dos países árabes e como forma de tentar pressionar os palestinianos a sentarem-se à mesa de negociações..As Nações Unidas, através do secretário-geral António Guterres, apelaram na semana passada para que Netanyahu desista dos planos de anexação. O coordenador da ONU para o Médio Oriente, Nickolay Mladenov, disse que esta pode "alterar de forma irremediável a natureza das relações entre Israel e Palestina" e "destruir mais de um quarto de século de esforços internacionais para um estado palestiniano viável a viver em paz, segurança e reconhecimento mútuo com o estado de Israel"..Já a alta comissária para os Direitos Humanos, a chilena Michelle Bachelet, alertou para as consequências de tal ato. "A anexação é ilegal. Ponto final", disse. "Qualquer anexação. De 30% ou de 5% da Cisjordânia", acrescentou pedindo que Israel não siga "por esta via perigosa"..Para muitos, os planos de Israel são apenas reconhecer aquilo que já existe na prática, com a construção de colonatos ilegais a aumentar nos últimos anos, assim como a criação de estradas que os unem ao território israelita e deixam os palestinianos em pedaços cada vez mais retalhados de terra..Israel ocupou a Cisjordânia na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e os acordos de paz de Oslo, assinados em 1993, deviam ter estabelecido a autonomia palestiniana. Mas quase três décadas depois, ainda não há solução e os próprios palestinianos estão divididos..A Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, é considerada território ocupado segundo a lei internacional, o que faz com que todos os colonatos judaicos (são 132, além dos 124 "postos avançados" mais pequenos) e a anexação sejam ilegais. É lá que vivem 450 mil israelitas..Além dos colonatos, o plano de Trump prevê a anexação da zona do vale do rio Jordão, que deixaria os palestinianos sem importantes áreas de terreno cultivável e acesso a recursos aquíferos..Por seu lado, os palestinianos receberiam mais terra na região do deserto do Negev, a sul, e a zona conhecida como o "triângulo", na Galileia, um conjunto de cidades onde vivem cerca de 300 mil árabes israelitas, que gozam de mais privilégios que os palestinianos e não veem com bons olhos ficar sob o controlo da Autoridade Palestiniana..A resposta palestiniana.A anexação é vista na prática como o último prego no caixão da solução dos dois Estados e o plano de Trump nunca teve o apoio dos palestinianos. Estes sempre consideram que o plano é demasiado tendencioso para o lado israelita: além de validar a anexação, prevê a criação de um estado palestiniano desmilitarizado, na prática rodeado por Israel, com a capital nos arredores de Jerusalém..O primeiro-ministro da Autoridade Palestiniana, Mohammad Shtayyed, que controla a Cisjordânia, considerou o plano de Trump uma "ameaça existencial" e prometeu responder à medida. Além de já terem rasgado os acordos de cooperação com Israel (inclusive em matéria de segurança), Shtayyed alertou para um "verão quente" na região..Já o Hamas, que controla a Faixa de Gaza, apelou à união entre os palestinianos e a atos populares de resistência, considerando que uma anexação será "uma declaração de guerra"..Na Cisjordânia, têm-se multiplicado as manifestações contra a ação israelita, mas segundo a AFP não têm a força que tinham no passado, com os palestinianos cansados das promessas não cumpridas dos seus líderes. "Há fadiga", disse a analista palestiniana Nour Odeh. "Fadiga do mesmo de sempre -- ficar em Ramallah à espera que as câmaras apareçam para mostrar o quão chateados estamos", acrescentou à agência francesa..Além disso, as manifestações surgem quando os palestinianos estão preocupados ainda mais com as questões económicas, em plena pandemia de coronavírus. E, segundo um outro analista, Ghassan Khatib, há a ideia de que a anexação não vai na realidade alterar assim tanto a situação de uma "ocupação consolidada" com a construção de cada vez mais colonatos..As forças de segurança israelitas acreditam contudo que qualquer anexação irá desencadear violência do lado palestiniano. E as manifestações até agora podem não ser sinal do que está para vir, com Odeh a lembrar que ninguém foi capaz de prever a primeira intifada, em 1987. "As pessoas não estão à espera de instruções oficiais. As ruas vão liderar", indicou a analista..Em antecipação de uma nova intifada, os serviços de segurança palestinianos terão já recebido ordens para destruir material confidencial. A informação foi avançada por um destes elementos à AFP. Durante a segunda intifada, marcada por inúmeros atentados suicida da parte dos palestinianos, Israel terá feito incursões aos escritórios dos serviços de segurança dos palestinianos para retirar documentos.