Conflito de interesses. Governo afasta presidente da SIRESP
Depois de ter ordenado a substituição de um consultor do Ministério da Administração Interna (MAI) que foi representante da Motorola para eliminar "riscos de conflito de interesses", o Governo afasta agora a presidente da empresa gestora da rede SIRESP, ex-quadro da Altice.
A exoneração foi anunciada nesta sexta-feira, em assembleia-geral do ministério das Finanças, que tutela esta empresa pública. Na reunião foram ainda aprovada as contas de 2021 e ratificada a não renovação da comissão de serviço da presidente da SIRESP, S.A., que já havia terminado em dezembro.
A decisão do governo vem na linha ainda introduzida pela ministra Francisca Van Dunem, com o objetivo de afastar "quaisquer riscos de conflitos de interesses" na preparação do concurso público internacional para os novos contratos de fornecimento de serviços e tecnologia do Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP).
"Prevê-se a não renovação da comissão de serviço da atual presidente, em face da intenção já anunciada pelo executivo de eliminar todas as situações que favoreçam uma leitura de conflito de ineteresses, no concurso público a lançar em breve", confirmou ao DN fonte oficial do ministério da Administração Interna.
É o segundo afastamento de um responsável ligado a este processo do SIRESP. Na semana passada, conforme o DN noticiou, com o mesmo princípio, a Ministra ordenou a substituição de Helder Santos, um consultor para as questões tecnológicas dessa rede de comunicações de emergência exclusiva do Estado, contratado pela Secretaria-Geral do ministério da Administração Interna (SGMAI) desde 2018.
Esta decisão foi tomada na sequência de alegações de favorecimentos que chegaram à ministra, noticiadas pelo DN, envolvendo a SGMAI, responsável pela modernização e ampliação da rede SIRESP, tutelada pelo secretário de Estado Adjunto da Administração Interna (SEAAI), Antero Luís; e Sandra Perdigão Neves, responsável pela empresa pública, tutelada pelo ministério das Finanças, à qual compete a sua gestão, operação e manutenção.
O facto de Sandra Neves ter sido quadro de topo da Altice e de o consultor, Hélder Santos, ter sido o representante da Motorola em Portugal - as duas maiores fornecedoras de serviços e tecnologia ao SIRESP e concorrentes ao futuro concurso - serviu de argumento para lançar suspeições de favorecimento às respetivas "casas-mãe" na contenda que opôs Antero Luís e Sandra Neves.
A Altice Portugal veio entretanto afirmar que Sandra Perdigão "não tem qualquer ligação à Altice, nem nunca teve durante o exercício das suas funções".
"A principal preocupação do governo é pôr de pé o concurso público, num ambiente em que não subsistam quaisquer conflitos de interesses. Nesse sentido o senhor SEAAI determinou já à secretaria-geral do MAI que providenciasse pela substituição de um consultor com ligações passadas a uma das empresas que faz parte do consórcio que garante a operação do sistema", assinalou fonte oficial do gabinete da Ministra.
Hélder Santos foi o diretor da Motorola em Portugal de julho de 2013 até abril de 2018 - período em que esta empresa já era fornecedora do SIRESP. Nesse ano, tornou-se consultor de "comunicações críticas" no ministério da Administração Interna.
Além de ter ordenado a substituição deste consultor, Van Dunem pediu ainda ao Ministério Público (MP) que averiguasse "se existe algum ilícito criminal na contratação da empresa" que indicou este consultor e que em 2021 fez contratos com o ministério no valor de mais de um milhão de euros.
Trata-se da empresa SKSOFT e o contrato em causa, de acordo com o site base.gov.pt, que regista os contratos públicos, é de "aquisição de serviços de consultoria na área das comunicações críticas TETRA 2021 a 2023", no valor de 110 mil euros assinado pela SGMAI em 2021. A tecnologia Tetra é a usada na rede SIRESP e é a tecnologia da Motorola.
A SKSOFT, com 5000 euros de capital social e tendo só dois sócios, mãe e filho, assinou em 2021 sete contratos com a SGMAI, no valor de um milhão e 146 mil euros (sem IVA) e um com o "Cofre de Previdência da Polícia de Segurança Pública", por 74 500 euros - as únicas entidades com as quais trabalhou neste ano. Entre 2015 e 2020, seis anos, o valor dos contratos com a SGMAI não ultrapassou os 600 mil euros.
Conforme o DN noticiou, o braço de ferro entre Antero Luís e Sandra Neves sobre quais deviam ser os requisitos e a organização do caderno de encargos para o concurso público levou Van Dunem a pedir um parecer à ANACOM, para decidir qual das duas soluções tecnológicas propostas "melhor se adequava à satisfação do interesse público".
Esse parecer acabou por ir ao encontro das ideias defendidas por Antero Luís, mas, contactada pelo DN, a Presidente da SIRESP, S.A. garante que está satisfeita.
"A SIRESP, S.A. empresa 100% do Estado tem recursos com profundo conhecimento de engenharia de telecomunicações e concentra toda a informação da rede SIRESP, pelo que é natural que o parecer da ANACOM, entidade especialista e reguladora de comunicações e segurança, corresponda em absoluto às suas expectativas em todos os pontos analisados", afiança Sandra Perdigão Neves.
O Gabinete de Van Dunem assegura, por seu lado, que "o MAI pediu já à SIRESP, S.A. a alteração do caderno de encargos, na sequência do parecer da ANACOM, que valida integralmente as posições que vinha assumindo".
Sandra Perdigão Neves, 46 anos, foi nomeada para este cargo pelo ex-Ministro Eduardo Cabrita em abril de 2021, depois do lugar ter ficado vago com a demissão do anterior presidente o General Manuel Couto, ex-comandante-geral da GNR.
Sandra Neves era vogal do Conselho de Administração da SIRES, S.A. desde fevereiro de 2020. Segundo o curriculum publicado na página oficial da empresa, esta responsável frequentou o curso de Matemática Aplicada na Faculdade de Ciências de Lisboa, mas licenciou-se na Escola Superior de Artes e Design, com especialização em História da Arte Portuguesa
em 2001. É pós graduada em Direito e em Gestão pela Universidade Lusíada de Lisboa e tem um Master in Business Administration, (MBA) pela AESE Bussiness School, da rede da Universidade de Navarra.
Profissionalmente é apresentada como tendo "20 anos de experiência em gestão de projetos tecnológicos complexos e de equipas operacionais e de alto desempenho, dos quais se destacam pela visibilidade os grandes eventos como a Websummit, a Visita do Papa Francisco a Portugal ou o Festival da Eurovisão em Portugal".
De acordo com o mesmo documento oficial, "desde 2004 que exerce funções de liderança na PKF Portugal, passou para a Portugal
Telecom e mais tarde para a Altice Portugal" e "foi Presidente do Conselho de Administração da New Post, S.A. (CTT + Portugal Telecom)"de 2015 a 2019.
O seu substituto é o Brigadeiro General Paulo Viegas Nunes, que liderava a Direção de Comunicações e Sistemas de Informação do Exército. Tirocinado em Comunicações, tem um Mestrado em Engenharia Eletrotécnica e Computadores pelo Instituto Superior Técnico e um Doutoramento em Ciências da Informação pela Universidade Complutense (Madrid).
Foi nomeado Comandante da NATO Communications and Information Systems School (Itália-Latina) e posteriormente Acting Director da NATO Communications and Information Academy (Portugal-Oeiras). Cumpriu uma comissão de serviço na ONU (MINURSO-Sahara Ocidental), como
Observador Militar e Chief Force Communications Officer; foi professor e coordenador científico da Pós-Graduação em Competitive Intelligence/Guerra de Informação da Academia Militar; participou em diversas missões internacionais no âmbito da ONU (Sahara Ocidental), União Europeia e NATO; foi membro da comissão instaladora do Centro Nacional de Cibersegurança e presidente da Direção da Competitive Intelligence and Information Warfare Association (CIIWA); e participou em vários grupos de trabalho nacionais e internacionais na área da cibersegurança e ciberdefesa, tendo diversos livros e artigos publicados neste domínio.