Foi a 8 de dezembro de 1829 que surgiu ali na Praça da Figueira, pelas mãos de Balthazar Roiz Castanheiro, a Confeitaria Nacional, que aos 192 anos é a confeitaria mais antiga de Lisboa ainda em funcionamento e que continua na posse da mesma família, atualmente já na sexta geração. É também graças a este espaço da Baixa que chegou a Portugal a receita do bolo rei, iguaria que é a grande atração do estabelecimento, vendendo-se milhares todos os anos. E 2021 não vai ser exceção..Luzia Nabais sabe muito da já longa história da Confeitaria Nacional e nos 17 anos que leva na casa, atualmente na função de chefe de turno, também se recorda de algumas histórias de quem por lá passa. Principalmente, as mais românticas. Diz ela que davam para escrever um livro. "Conheço mais do que um casal feito aqui. Com um desses casais estávamos, um dia, lá em baixo e eu disse que tinha uma mesa no piso de cima para se poderem sentar. E os senhores disseram "não, não, nós queremos esta mesa aqui especificamente, porque foi aqui que começámos o nosso namoro". Era um casal com 70 e poucos anos e eram pessoas que saíam da faculdade na altura e vinham aqui para a confeitaria namorar", conta ao DN Luzia Nabais. "Também há histórias engraçadas de raparigas da faculdade, agora senhoras com 60 e 70 anos, que dizem que saíam faculdade e vinham até cá porque sabiam que na confeitaria era frequentada por muitos rapazes italianos""..No tempo da monarquia, a Confeitaria Nacional obteve por alvará do rei D. Luís o estatuto de fornecedor oficial da Casa Real Portuguesa, que manteve até à implantação da República. Hoje é fornecedora da Presidência da República. "Costumam encomendar bolos reis e respetivas coroas, nomeadamente na altura do Natal", conta Luzia, recordando que receberam muitas visitas de presidentes. "Em tempos, recebíamos a visita do falecido doutor Jorge Sampaio. O nosso primeiro-ministro esteve cá recentemente a comprar bolo rei", prossegue esta funcionária, dizendo que não tem conhecimento de visitas de Marcelo Rebelo de Sousa..Visitantes ilustres à parte, são os turistas que compõem a maioria dos clientes da Confeitaria Nacional. Graças a muitos portugueses e a um grupo de clientes fiéis conseguem manter algum espírito de bairro. "Quando é a época alta do turismo, estamos sempre com a casa cheia. Mas mantemos os portugueses, que são nossos clientes habituais todo o ano, pessoas que vêm aqui há 30, 40, 50 anos, pessoas com 60 ou 70 anos que nos dizem que já vinham cá pela mão dos avós", desvenda a chefe de turno..Opinião partilhada por Lino Carvalho, gerente da Confeitaria Nacional. "Principalmente são turistas, mas também temos muitos clientes portugueses, ainda mais nesta altura, em que as pessoas estão habituadas a vir buscar o bolo rei e o bolo rainha. Também temos clientes habituais, que todos os dias vêm aqui almoçar ou beber o cafezinho da manhã ou o cafezinho da tarde e que já são nossos conhecidos. Já conseguimos tratá-los pelo nome e acho que se cria aqui um ambiente muito positivo"..E o que é que todas estas pessoas procuram quando entram na Confeitaria Nacional? O bolo rei, claro. Abramos um parênteses para falar da forma como esta iguaria chegou a Portugal em 1875, quando Balthazar Júnior, o filho do fundador e na altura já à frente do negócio, numa visita a Toulouse viu o bolo rei e contratou alguns confeiteiros para virem ao nosso país fazer o referido doce na fábrica da Confeitaria Nacional, então situada na rua do Duque. Até hoje a receita se mantém em segredo, sendo apenas conhecida pelo dono atual e pelo chefe pasteleiro.."A época do bolo rei começa em outubro e vai até à Páscoa. O bolo tem uma massa que tem de levedar e por isso tem de ser fabricada com o tempo mais frio. Com o calor a massa já não fica igual, daí fazermos uma paragem na produção da Páscoa até outubro", conta Luzia..Os dias de maior loucura na venda do bolo rei são 23 e 24 de dezembro, datas em que chegam a vender "à vontade 1500 a 1600 bolos por dia", diz a funcionária da Confeitaria Nacional. "Em outubro começamos, se calhar, aí com uns 30, 40 quilos por dia - a norma é cada bolo rei ter um quilo. Depois vamos subindo a produção. Atualmente, estamos com cerca de 200 quilos de bolo rei por dia, bolo rainha cerca de 40 a 50 quilos por dia, fora as encomendas das empresas, que são muitas por esta altura", acrescenta Lino Carvalho.."A quantidade deste ano ainda não temos definida, pois ainda estamos a fechar as encomendas, mas vendemos muitos bolos reis. Vamos fechar as encomendas nos próximos dias para garantir a produção nos dias 23 e 24", prossegue o gerente da confeitaria. "Em 2020, quando comparado com 2019, houve uma quebra grande devido à pandemia. Agora, felizmente estamos a recuperar muito bem e estamos idênticos a 2019. Não tenho os valores de 2019 disponíveis, mas em 2020, no dia 24, vendemos cerca de 1500 quilos de bolo rei. Este ano esperamos que sejam mais"..Para garantir que toda a gente consegue comprar o seu bolo rei, a fábrica, agora situada em Campo de Ourique, não para. "Nos dias 23 e 24 não para, são 24 sobre 24 horas, os motoristas estão sempre cá e lá. Vêm, descarregam, nós continuamos a vender, vão para a fábrica novamente, voltam, e é assim esta dinâmica. Lá os fornos também não param, estão sempre a trabalhar, completamente cheios. Claro que é inevitável aqui alguma demora, porque há muita afluência", refere Lino Carvalho..Para que este ano corra tudo sem grandes demoras e para evitar grandes ajuntamentos de clientes, a Confeitaria Nacional vai optar por uma nova estratégia nos dias 23 e 24. "Vamos ter os dois pisos alocados à venda direta, com o sistema de senhas e o cantador das senhas, como já vem sendo hábito. Serão oito balcões a atender clientes e as encomendas deslocámos para a nossa fábrica, para aqui ficarmos só dedicados à venda ao público", explica o gerente, recordando que o cantador é já uma tradição da casa e é uma pessoa que fica na entrada e que canta as senhas que foram distribuídas aos clientes. "Este vai ser o meu primeiro Natal aqui. Mas, pelo que tenho percebido, as pessoas gostam mesmo disso"..ana.meireles@dn.pt