O presidente norte-americano, Donald Trump, pressionou os países europeus a lidarem com os cidadãos dos seus países que partiram para o Iraque e a Síria para combater ao lado do Estado Islâmico e agora estão nas mãos dos curdos sírios. Isto numa altura em que o grupo terrorista islâmico está prestes a perder o que resta do seu autoproclamado califado, que chegou a ter mais de cem mil quilómetros quadrados e atraiu mais de 40 mil cidadãos de todo o mundo. Mas é mais fácil falar do que fazer.."Isto não se resolve com facilidade, isto não é uma questão apenas de fazer umas declarações", comentou nesta segunda-feira o chefe da diplomacia portuguesa, Augusto Santos Silva, após um encontro com os homólogos europeus, lembrando que comparado com outros Estados membros, a questão em Portugal é "muito pequena"..O problema é julgar aqueles que regressam, quando por vezes é difícil apresentar provas dos crimes, reverter a radicalização e garantir a reabilitação. Sempre garantindo a segurança do país. E também decidir o que fazer com as mulheres, que muitas vezes se apresentam como vítimas mas nem sempre o são, e com as crianças entretanto nascidas na Síria e no Iraque..Há países que têm optado por deixar a justiça dos países onde alegadamente os combatentes comentaram os seus crimes lidarem com eles, mas não são só os EUA a deixar o aviso. Os próprios curdos dizem que não os vão libertar, mas avisam que podem fugir e ser uma "bomba-relógio"..Quantos são e de onde vêm?.Segundo um relatório do Centro Internacional para o Estudo da Radicalização, do King's College em Londres, 41 490 cidadãos de 80 países do mundo juntaram-se ao Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Um quarto dos que partiram eram mulheres ou menores, havendo ainda o registo do nascimento de pelo menos 730 bebés filhos de mães estrangeiras..Desses 41 490, 5904 eram de países da Europa Ocidental (a maioria de França, Alemanha e Reino Unido), sendo que 1765 (incluindo 138 mulheres e 834 menores) já teriam regressado na altura da publicação do estudo, em julho de 2018. O estudo não diz quantos já terão morrido, mas estima-se que tenham sido milhares..No caso português, o relatório fala de 15 - incluindo dois menores e quatro mulheres, sendo que duas já teriam regressado naquela data..Noutro estudo, do Parlamento Europeu, publicado em maio de 2018, dizia-se que dos cerca de cinco mil europeus que se tinham ido juntar ao Estado Islâmico, "a vasta maioria" já tinha regressado há muito - houve duas "vagas", uma ainda antes da declaração do califado, em junho de 2014, e outra no início de 2015.."Apesar de o recuo militar do Estado Islâmico no Iraque e na Síria criar o receio de que os europeus iam regressar em massa com intenções igualmente maliciosas [preparação de atentados como os de Bruxelas em 2014 ou Paris em 2015], na realidade um pequeno número chegou a solo europeu desde então", lê-se no documento..De acordo com os EUA, mais de 800 dos combatentes estrangeiros europeus foram detidos pelas Forças Democráticas Sírias (SDF, na sigla em inglês) nos últimos anos, com o presidente Donald Trump a apelar aos países de origem que repatriem e julguem os seus cidadãos.."O Califado está pronto a cair. A alternativa não é boa porque seremos obrigados a libertá-los. Os EUA não querem ver estes combatentes do Estado Islâmico a entrar na Europa, que é para onde devem ir. Fazemos tanto e gastamos tanto tempo. É tempo de outros se chegarem à frente e fazerem o trabalho que são capazes de fazer", avisou Trump.."Os avisos não são só de Trump, mas dos próprios curdos das SDF que dizem ter detidos 800 combatentes, estando nos campos também 700 mulheres e 1500 crianças. Parece que a maioria dos países decidiram que estão fartos deles, que os vão deixar aqui, mas isso é um grande erro", disse Abdulkarim Omar, um dos responsáveis das Relações Exteriores da região no poder das SDF (apoiadas pelos EUA). Os países devem fazer mais para julgar os combatentes estrangeiros e reabilitar as famílias "ou então isto vai ser um perigo e uma bomba-relógio", reiterou, indicando que não os vão libertar, mas que estes podem fugir..A resposta europeia a Trump.A chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, disse ontem que o tema do regresso dos combatentes estrangeiros e das famílias à Europa foi discutido na reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros europeus, em Bruxelas, como já tinha sido discutida noutras reuniões do passado. Mogherini rejeitou a ideia de que foram as declarações de Trump que chamaram a atenção para o assunto.."O tema já esteve em cima da mesa e continua a estar em cima da mesa, independentemente dos pedidos do presidente norte-americano", disse na conferência de imprensa no final do encontro..Mogherini lembrou, contudo, que a competência nesta matéria, do ponto de vista legal, cabe a cada um dos Estados membros. "Cada um dos países tem um enquadramento diferente, incluindo diferentes responsabilidades dentro dos governos", referiu, dizendo que é preciso coordenação entre diferentes entidades (diplomacia, Ministério do Interior e Justiça, serviços de informação).."Não foi tomada uma decisão hoje e não há uma decisão a ser tomada ao nível da União Europeia", explicou Mogherini, reiterando que é uma "competência nacional". Contudo, a chefe da diplomacia europeia disse ter oferecido aos Estados membros a disponibilidade dos serviços europeus para trabalhar em algumas ideias sobre como coordenar posições nesta área, como explorar diferentes possibilidades de como lidar com o tema.."Não queremos criar qualquer vácuo em tempos de resposta às necessidades de segurança dos nossos cidadãos", referiu Mogherini..O que fazer com quem regressa?.Como lembrou Mogherini, a questão do que fazer com quem regressa depende de cada um dos países e a resposta tem sido variada. Comum é a avaliação de risco e a investigação que é feita em relação a cada um dos ex-combatentes, mas também das mulheres e dos menores que regressam. Podem depois ser julgados ou colocados em programas de reabilitação, sendo que por vezes é difícil provar em tribunal os crimes que terão cometido.."Os que regressam muitas vezes não passam o limiar do nível de prova exigido ou só podem ser acusados por crimes pequenos e as penas de prisão, quando são impostas, são relativamente pequenas", notava o diretor do Centro Internacional de Contraterrorismo de Haia, em julho de 2017, num texto intitulado "Enfrentar a vaga de regresso de combatentes estrangeiros"..No texto, defende apostar na reabilitação para lidar com os indivíduos que não podem ou não merecem ser acusados, mas que ainda são considerados vulneráveis à ideologia radical. E na importância da prevenção dessa radicalização. Dá o exemplo do "modelo Aarhus", que foi adotado na Dinamarca, que prevê uma forte cooperação institucional que começa a nível local e vai até ao nível nacional para lidar com os indivíduos em risco..França, Reino Unido e Alemanha.Em relação aos que podem regressar, França revelou em janeiro que ia organizar o repatriamento massivo dos seus jihadistas da Síria, que estão nos campos controlados pelos curdos, para serem julgados pela justiça francesa. A BFMTV falou em 130 homens e mulheres. "Todos os que voltarem a França serão julgados e entregues aos juízes. Quando o juiz determinar que é preciso prende-los, e será assim na maioria dos casos, serão presos", afirmou o ministro do Interior, Christophe Castaner. Mas, um mês depois, não há avanços..Segundo a mesma estação de televisão, mais de 500 suspeitos de terrorismo estão detidos em França, em prisões com zonas "estanques" preparadas para lidar com a radicalização e evitar a propaganda religiosa..Já o Reino Unido rejeitou abertamente o pedido de Trump para o repatriamento, defendendo que os extremistas devem ser julgados no local em que são cometidos os crimes. "Os combatentes estrangeiros devem ser levados à justiça em conformidade com os procedimentos legais adequados na jurisdição mais apropriada", declarou um porta-voz da primeira-ministra britânica, Theresa May.."Quando possível, tal deve acontecer na região onde os crimes foram cometidos", referiu o mesmo porta-voz, sublinhando ainda que Londres continua a trabalhar "em estreita colaboração" com os seus parceiros internacionais nesta matéria e que o executivo tudo fará "para garantir a segurança do Reino Unido"..A maioria dos que regressaram - segundo indicou o Ministério dos Negócios Estrangeiros à BBC terão sido cerca de 400 (nas primeiras fases do conflito) - foram entrevistados pelos serviços de segurança para estabelecer o risco que representavam. Caso não tenham cometido qualquer crime, são postos em programas de desradicalização..Numa entrevista ao The Times, o ministro do Interior, Sajid Javid, disse que várias medidas estavam a ser pensadas para "impedir as pessoas que representam uma séria ameaça de regressarem ao Reino Unido, incluindo retirar-lhes a cidadania britânica ou expulsá-las do país". O mesmo jornal revela que pelo menos em dois casos, dois britânicos responsáveis pela execução de vários reféns na Síria, perderam a cidadania..No caso alemão, o Ministério do Interior estima que cerca de mil pessoas tenham deixado a Alemanha para se juntar ao Estado Islâmico e outros grupos no Iraque e na Síria desde 2013. Perto de um terço já terão regressado à Alemanha, tendo sido acusados ou colocados em programas de reabilitação. Haverá ainda 270 mulheres e crianças no Iraque, sendo que 75% dos menores têm menos de três anos..A Alemanha, como a França, optou por deixar os países onde os alegados crimes foram cometidos julgar e condenar os combatentes estrangeiros, desde que não seja pedida a pena de morte. Uma política que tem funcionado no Iraque, mas que é mais complicado na Síria, segundo a Deutsche Welle, que explica que como Berlim não tem qualquer relação oficial com a administração curda na Síria (que não é reconhecida), qualquer decisão do tribunal será considerada inválida..Há ainda analistas, citados pela mesma rádio alemã, que avisam que o regime de Bashar al-Assad poderá usar a ameaça de libertar os combatentes do Estado Islâmico como moeda de troca com o ocidente..O chefe da diplomacia alemã, Heiko Maas, considerou "extremamente difícil" organizar um repatriamento dos combatentes do seu país neste momento..Duas portuguesas pediram ajuda.O chefe da diplomacia portuguesa, Augusto Santos Silva, disse que o problema em Portugal é a uma escala "muito pequena" quando comparado com outros Estados membros, confirmando o caso de duas cidadãs portuguesas que estão num campo da Síria e pediram auxílio às autoridades portuguesas. Foram capturadas pelas forças curdas, depois de se terem juntado ao Estado Islâmica involuntariamente por seguirem familiares.."Sim, nós temos informações sobre a presença de pessoas que estão ou estiveram ligadas a combatentes do Daesh na Síria. Algumas dessas pessoas têm descendentes a seu cargo, crianças, e tem-nos chegado informação sobre condições de privação que facilmente se imaginam vividas por essas pessoas e crianças", disse o ministro após a reunião com os homólogos europeus..O ministro admitiu que, "como cidadãs portuguesas, essas pessoas têm direito a proteção consular de Portugal", mas enfatizou que "essa proteção consular de Portugal tem de ser exercida tendo em conta as outras variáveis que estão aqui em jogo, a principal das quais é uma variável relativa à segurança nacional portuguesa e, em segundo lugar, às obrigações de Portugal como membro da coligação internacional anti-Daesh e como membro da UE e da NATO"..Por outro lado, acrescentou, é preciso "ter em conta as questões relativas à segurança nacional de Portugal e à segurança dos portugueses".."Nós não queremos em Portugal pessoas que possam constituir uma ameaça ao modo de vida, aos valores e às pessoas dos portugueses", declarou, lembrando que também cidadãos portugueses foram vítimas de atentados terroristas noutros países.."Isto não se resolve com facilidade, isto não é uma questão apenas de fazer umas declarações", disse o chefe da diplomacia portuguesa, Augusto Santos Silva. No caso de Portugal, garantiu, o objetivo é procurar "uma solução que nunca será a melhor possível, porque a melhor possível era estas pessoas não se terem deixado embarcar numa aventura, se foi uma aventura, ou estas pessoas não terem aceitado fazer parte, direta ou indiretamente, de uma das organizações mais sinistras e que mais ameaça a liberdade, a democracia e a segurança", disse..As mulheres e crianças.Shamina Begum, que deixou Londres ainda adolescente para ir para a Síria, foi entrevistada na semana passada pelo jornal The Times. Grávida de nove meses (entretanto já deu à luz um rapaz), disse que não se arrependia de ter deixado o Reino Unido, mas agora queria regressar porque estava preocupada com a saúde do filho..Tal como Begum, outras mulheres (e até alguns homens) têm sido entrevistados, alegando que querem regressar e que não estiveram envolvidos em combates.."Pintar o quadro de que as mulheres são inocentes e que os homens são perpetradores é muito preto e branco", disse à Euronews Maarten Van de Donk, da Rede de Sensibilização para a Radicalização da Comissão Europeia (RAN, na sigla em inglês). "Nem todas as mulheres são inocentes - algumas trabalharam para a polícia da sharia [lei islâmica], e também sabemos que muitas delas trabalharam no recrutamento", acrescentou, dizendo contudo que é muito difícil provar estes crimes.