Condenação total ao ataque russo à maior central nuclear da Europa
"O mundo evitou uma catástrofe nuclear. Todos esperámos para respirar enquanto víamos a terrível situação a desenrolar-se em tempo real", disse esta sexta-feira a embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Linda Thomas-Greenfield, apelidando de "imprudente" o ataque russo junto à central nuclear de Zaporizhzhia, a maior da Europa. O ataque, que Moscovo nega alegando ter havido sabotagem ucraniana e falando em "campanha de desinformação contra a Rússia", causou um incêndio num dos edifícios do complexo e fez soar alarmes para um desastre nuclear.
A Ucrânia tem quatro centrais nucleares e um total de 15 reatores ativos - além da desativada Chernobyl, que em 1986 foi palco do pior acidente nuclear da história. A central de Zaporizhzhia, cujos seis reatores são capazes de gerar energia para quatro milhões de casas, está agora sob controlo russo, depois de na noite de quarta para quinta-feira ter sido alvo de um ataque. Houve um incêndio num edifício do complexo, mas não houve fugas de radiação. A própria central de Chernobyl tinha caído nas mãos russas na quinta-feira.
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, acusou Moscovo de "terrorismo nuclear" com este ataque. "Sobrevivemos a uma noite que podia ter parado a história, a história da Ucrânia e a história da Europa", acrescentou, alegando que uma explosão em Zaporizhzhia seria equivalente a "seis Chernobyl". Os especialistas dizem contudo que a central está preparada para resistir ao impacto direto de projéteis, já que ao contrário da velha central soviética têm estruturas de contenção resistentes.
Na reunião de emergência do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o embaixador russo, Vassily Nebenzia, negou ter havido um ataque. "Isto é tudo parte de uma campanha sem precedentes de mentiras e desinformação contra a Rússia", afirmou, admitindo apenas uma troca de tiros de armas ligeiras entre forças russas e ucranianas junto à central e alegando que o incêndio foi causado por "sabotadores ucranianos". No ataque morreram três soldados ucranianos, com a Rússia a dizer que a central está a operar normalmente.
O diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), Rafael Grossi, disse estar muito preocupado com esta situação "sem precedentes". Numa conferência de imprensa de manhã explicou que, dos seis reatores, só um estava a funcionar a 60%. "Disparar projéteis na área de uma central nuclear viola o princípio fundamental de que a integridade física das centrais nucleares deve ser mantida e assegurada a todo o momento", acrescentou.
A embaixadora dos EUA da ONU indicou entretanto que os russos estarão próximo de outra central. Os chefes da diplomacia do G7 avisaram Moscovo para o risco de sofrer mais sanções, apelando ao fim dos ataques junto às centrais nucleares ucranianas. "Qualquer ataque armado ou ameaça às instalações nucleares dedicadas a fins pacíficos é uma violação da lei internacional", lembraram.
Zelensky tem insistido na ideia de a NATO estabelecer uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia, de forma a travar os ataques aéreos russos. Mas, depois de uma reunião de emergência em Bruxelas, a organização deixou claro que isso não está nos planos.
"A única forma de implementar uma zona de exclusão aérea é enviar caças da NATO para o espaço aéreo ucraniano e impor uma zona de exclusão aérea abatendo os aviões russo", disse o secretário-geral, Jens Stoltenberg. "Se fizermos isso, vamos acabar com algo que poderá levar a uma guerra total na Europa, envolvendo muitos mais países e causando mundo mais sofrimento humanos", acrescentou.
A presença de tropas no terreno também está fora de questão, com Stoltenberg a reiterar na conferência de imprensa após o encontro que "a NATO é uma aliança defensiva" e que os aliados não querem "fazer parte do conflito na Ucrânia". Antes da reunião, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, insistiu na mesma mensagem. "A nossa aliança é defensiva. Não queremos conflito. Mas se o conflito chegar a nós estamos preparados e vamos defender cada centímetro do território da NATO", disse. Zelensky avisou na quinta-feira que o presidente russo, Vladimir Putin, não ficará pela Ucrânia e irá "até ao Muro de Berlim" se não for travado.
Stoltenberg disse temer que "os dias vindouros sejam piores" na Ucrânia e que a Rússia avance para outros países. "É provável que os dias vindouros sejam piores, com mais mortes, mais sofrimento e mais destruição, à medida que as Forças Armadas russas trazem armamento mais pesado e continuam os seus ataques por todo o país", afirmou.
No terreno, ao nono dia de invasão, os ucranianos alegaram ter conseguido expulsar as tropas russas de Mykolayiv (no sul do país), mas a cidade portuária estará cercada e os combates continuam nos arredores. Kiev mantém ainda o controlo de Mariupol, palco de combates há vários dias. Junto à capital, onde também se ouvem ataques, continuam as notícias de uma longa coluna de veículos militares russos próximo do aeródromo de Hostomel, que não tem contudo feito avanços significativos.
No norte da Ucrânia, houve um ataque aéreo contra Chernihiv, que terá causado pelo menos 47 mortos. Kharkiv (Carcóvia, a leste), continua sob controlo ucraniano, apesar de estar sob ataque constante.
Putin, num telefonema com o chanceler alemão, Olaf Scholz, negou contudo estar a bombardear as cidades. "As informações sobre o suposto bombardeamento de Kiev e de outras grandes cidades são falsidades grosseiras e propagandísticas", disse a Scholz, segundo um comunicado do Kremlin. O presidente russo reiterou estar disponível para falar sobre a paz, mas condicionou o diálogo à Ucrânia aceitar "todas as exigências russas". As exigências são um estatuto "neutro e não nuclear" para a Ucrânia, a "desmilitarização obrigatória" e "desnazificação" do país, o reconhecimento da anexação russa da Crimeia e a soberania das regiões separatistas pró-russas de Donetsk e Lugansk, no leste ucraniano. Representantes de Moscovo e Kiev têm previsto uma terceira ronda de contactos este fim de semana.
Putin assinou esta sexta-feira a lei que prevê penas de até 15 anos de prisão para quem publicar "notícias falsas" sobre as ações das Forças Armadas, em mais um ataque à liberdade de informação no país. Os apelos a mais sanções contra a Rússia podem ser punidos com penas até três anos de prisão, segundo a lei aprovada no Parlamento.
O jornal independente Novaya Gazeta, do Nobel da Paz Dmitry Muratov, anunciou que iria remover o material sobre a guerra da Ucrânia do seu site, devido à censura, não querendo pôr em risco os seus jornalistas. "Vamos continuar a reportar nas consequências que a Rússia está a enfrentar: o desenvolvimento da crise económica, o rápido declínio das condições de vida, os problemas no acesso a medicamentos estrangeiros e tecnologia, e a perseguição de dissidentes, incluindo por declarações antiguerra", anunciou o jornal.
Por sua vez, a BBC suspendeu "temporariamente" o trabalho dos seus jornalistas na Rússia para assegurar a sua "segurança", dizendo que continuará a informar em russo de fora da Rússia. O acesso à BBC, à Deutsche Welle e à Voice of America está também condicionado no país. Além disso o acesso ao Facebook foi bloqueado no país, com as autoridades a alegar que a rede social "discrimina" os meios de comunicação russos. O Facebook lamenta que "milhões de russos sejam cortados de uma fonte de informação de confiança" e "impedidos de falar". O Twitter também foi bloqueado.
Na União Europeia, os media estatais russos, considerados como instrumentos de "desinformação", foram também suspensos, entre os quais o canal Sputnik e o Russia Today.