Compra de mais vacinas de ARN está a ser estudada para evitar atrasos no processo
Primeiro foi o embate com a vacina da AstraZeneca, com Portugal e outros países a recomendarem a sua aplicação só a partir dos 60 anos. Agora, o embate com a vacina da Johnson & Johnson (J&J), sobre a qual a Agência Europeia do Medicamento (EMA) confirma haver uma "possível" relação entre a toma desta e a formação de coágulos. Uma relação que levou especialistas portugueses a defenderem junto das autoridades de saúde que se seguisse com esta vacina a mesma prática que foi adotada com a da AstraZeneca.
"Face à exposição da EMA, é muito provável que haja uma decisão semelhante à que foi tomada com a vacina da AstraZeneca", afirmaram ao DN. Mas e o que fazer com as faixas etárias mais jovens e grupos de risco com patologias que estão abaixo dos 60 anos? Aí, esta situação traz mais limitações, tendo em conta que é também população que precisa de ser vacinada - as vacinas ainda são a maior arma contra a doença, "salvam vidas", sublinhou ontem a comissária Europeia da Saúde, Stella Kyriakides, na conferência da EMA.
O DN sabe que a Comissão Técnica de Vacinação esteve ontem reunida para avaliar a situação da vacina da J&J, mas que não foi tomada uma decisão oficial, o que só deverá acontecer hoje ou amanhã. No entanto, fonte da task force referiu ao DN que o que está planeado e agendado é a distribuição desta vacina para as Administrações Regionais de Saúde (ARS) já a partir da próxima semana para que comecem a ser administradas à faixa etária considerada prioritária nesta segunda fase do plano de vacinação - os maiores de 70 anos, que correm menos riscos de eventos trombóticos.
Em conferência de imprensa, ontem, no Ministério da Saúde, Marta Temido assumiu não haver restrições no uso da vacina da J&J, precisamente porque "o plano de vacinação está focado nos mais de 70 anos", e neste sentido, neste momento, como referiu, "não há qualquer restrição desta vacina neste grupo etário". Quanto aos grupos de risco por patologias prioritários nesta fase, diabetes, obesidade grave, doença oncológica ativa, transplantação, imunossupressão, doenças neurológicas graves e doenças mentais, o DN também quis saber junto da Direção-Geral da Saúde que vacina irá ser dada, se vai ser usada a da J&J ou uma de ARN mensageiro, mas não obteve resposta.
No entanto, alguns especialistas defenderam ao DN que ao considerar-se usar a vacina da J&J deve ter-se em conta os subgrupos em que foram detetados eventos tromboembólicos (idade e género).
Na terça-feira, a EMA prometeu fornecer mais dados em breve sobre a situação da J&J. O Centro de Controlo de Doenças dos Estados Unidos da América também deve anunciar nesta quinta-feira o que vai fazer em relação a esta vacina, mas, no entretanto, o mundo precisa de vacinas para as populações mais jovens. De tal forma, que em Portugal já há especialistas que defendem junto das autoridades de saúde que sejam estudadas outras opções, nomeadamente a compra de mais vacinas de ARN mensageiro, que até agora não têm revelado efeitos secundários tão graves. É o caso da vacina da Pfizer e da Moderna que são as únicas à base de ARN mensageiro que estão aprovadas no mercado da União Europeia.
"É uma das propostas que está agora em cima da mesa das autoridades", afirmaram ao DN. Até porque, explicaram-nos, seria uma forma de avançar com o processo sem contratempos". Segundo estes especialistas, Portugal poderá avançar para esta solução mesmo através da aquisição feita pela União Europeia, era uma questão de optar mais por umas vacinas do que por outras, embora as de ARN sejam de dose dupla. E recordam que a própria UE já está a seguir este caminho. pois esta semana já anunciou a compra de mais 100 milhões de vacinas à Pfizer, passando para 600 milhões de vacinas o total que deve receber até ao final do ano.
Ao que apurámos, a proposta está a ser avaliada pelas autoridades de saúde portuguesas, mas nestas há outros especialistas que defendem não ser esta a solução mais rápida. "Todos nós desejamos, nesta altura, a compra de mais vacinas, mas se forem adquiridas agora não chegam amanhã e nós precisamos de começar a vacinar população mais jovem", argumentam. Para estes especialistas, a solução está em adaptar-se as vacinas já disponíveis aos grupos que temos a vacinar de imediato.
O DN quis saber ainda junto da task force se os contratos assumidos para a compra da vacina da J&J, que previam a entrega de 2,5 milhões de doses durante o segundo trimestre e de 4,5 milhões na totalidade até ao final do ano, se mantinham ou se iriam ser alterados, mas também não obteve resposta durante a tarde de ontem.
Filipe Froes, pneumologista e um dos especialistas que integram a comissão do Plano Nacional de Vacinação, defendeu mesmo que se comece a desenvolver um novo conceito: o de vacinologia de precisão. E explicou: "Em relação à covid-19 temos optado muito por uma medicina de precisão e deveríamos fazer o mesmo em relação à vacinação." O médico, que é o porta-voz do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a covid-19, reforça: "Ou seja, à medida que vamos vacinando mais população vamos procurando subgrupos que revelem um risco muito discreto em relação a efeitos adversos e que possam ser vacinados com determinadas vacinas". No caso das vacinas da J&J e da AstraZeneca, refere Filipe Froes, "já percebemos que a formação de coágulos não atinge a população acima dos 50-60 anos, portanto estes podem ser vacinados com as duas vacinas, mas também já se percebeu que a população masculina é pouco afetada, portanto a seleção deste subgrupo pode ser uma solução para as vacinas da J&J e da AstraZeneca".
O imunologista Manuel Santos Rosa, professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, aconselha que a seleção de subgrupos por idade ou por género deve ser mais estudada até se fazerem recomendações ao uso das vacinas. "Ainda não há confirmação, mas o problema destas vacinas pode estar no facto de terem um vetor viral, levando à manifestação de sintomas semelhantes aos que provocam a doença naturalmente. A covid-19 é acompanhada de coagulopatia. Por isso, é difícil, nesta fase, fazer recomendações sem se perceber quais são os fatores de risco específicos que levam a este tipo de efeito adverso".
O professor sublinhou que o conhecimento científico de que dispomos neste momento - já se percebeu que afeta uma camada de pessoas mais jovens e mais mulheres - não é suficiente. "É preciso saber o porquê e quais são os riscos específicos". Mas, na sua opinião, há algo que nos dá alguma tranquilidade no uso das vacinas da AstraZeneca e da J&J: "não haver um único caso na faixa etária acima dos 60 anos. Isto é o conhecimento científico que temos, tudo o resto é preciso investigar para se saber se o problema está na origem da vacina ou no seu vetor", explicou Manuel Santos Rosa.
Portugal já administrou 2 679 590 doses de vacinas, tendo neste momento 7% da população com a vacinação completa (689 329 pessoas) e 20% com a primeira dose (2 015 225). De acordo com o site ourwordlindata.org, Portugal está a meio da tabela na União Europeia, 13.º lugar, em termos de população com vacinação completa, mas faltam mais vacinas sem contratempos para acelerar o processo. Parte da esperança reside nas novas vacinas que a UE está a avaliar. Como referiu ontem o presidente do Infarmed, Rui Ivo, "a EMA está a analisar a informação sobre as doses da alemã CureVac e da Novavax (EUA), sendo expectável o início do processo também para as vacinas da Sinovac (China) e da russa Sputnik V".