O primeiro encontro foi à mesa do jantar. Depois de 12 horas de viagem, uma breve passagem pela Grande Muralha da China, Marcelo Rebelo de Sousa encontrou-se, pela primeira vez, com o presidente chinês. E foi ali, no Palácio do Povo, numa sala cheia de chefes de Estado e de governo de todo o mundo, que Xi Jiping disse, alto e bom som, para quem o quisesse ouvir, que gostou muito da forma calorosa como foi recebido em Lisboa, quando visitou Portugal em dezembro passado..A frase, que podia ser apenas de circunstância, na verdade simboliza muito mais do que isso. Marcelo Rebelo de Sousa começa por classificar as relações atuais entre os dois países de "excelentes". Não apenas pela ligação que tem mais de cinco séculos, "sem nunca termos atacado a China nem a China nos ter atacado a nós", mas, sobretudo, porque "Portugal foi um dos 20 países da UE que assinou o memorando com a China na iniciativa Faixa e Rota e foi pioneiro" quando assinou, ainda em dezembro, um memorando de entendimento já a pensar nesta estratégia. Agora, diz Marcelo, é preciso dar "um salto qualitativo" nesta visita. Nos próximos dias, Portugal e China assinam um acordo bilateral "passando do memorando para um relacionamento político ao nível de países como a França, o Reino Unido ou os Estados Unidos". Um passo "muito significativo", garante o Presidente, que está absolutamente convencido de que "a China reconhece o papel cimeiro de Portugal quer no quadro a União Europeia quer no quadro a CPLP"..O que é que Portugal tem que possa interessar à China?.O que sempre sobrou à China em poderio económico faltou sempre em poder geopolítico. E é essa, aparentemente, a grande ambição do regime: afirmar-se mundialmente como um player global e um ator geopolítico muito mais relevante do que é hoje. Portugal está disposto a ajudar. Com o poder que só "uma relação geopolítica importante" pode dar, afirma o ministro dos Negócios Estrangeiros. Santos Silva lembra o posicionamento privilegiado de Portugal, "um país europeu cujas credenciais e presença em todas as etapas da integração europeia são inquestionáveis". Augusto Santos Silva sublinha ainda as vantagens que a China pode retirar de um "Portugal que é conhecido por ser um país muito à vontade no multilateralismo. Temos portugueses a viver em 178 países do mundo e somos bons construtores de pontes entre a Europa e África e Sudeste Asiático"..Eis uma das linhas estratégicas desta visita oficial de Marcelo Rebelo de Sousa: explicar ao regime de Pequim, nas palavras do Presidente da República, que "Portugal é por natureza um país charneira. Conhecemos bem o mundo e somos bem conhecidos", lembra. Se a China quer abrir novas vias comerciais para a Europa e para África, Portugal quer ser a porta e a janela de entrada e usar todas as vantagens que possa ter - incluindo a língua - para convencer o regime de Pequim de que Lisboa é o melhor parceiro que pode ter..Com a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos ainda longe de estar resolvida, Marcelo não poupa nos argumentos para "vender" Portugal aos chineses como a melhor escolha para parceiro estratégico e garante que o nosso país "funciona em todos os tabuleiros, seja entre a China e a União Europeia, entre a China e os Estados Unidos, mas também entre os Estados Unidos e África. É o que tenho chamado plataforma entre culturas, civilizações e continentes"..O governo também está convencido do mesmo. Augusto Santos Silva acredita que a China olha para Portugal a partir da história - foi um português, Jorge Alvares, o primeiro europeu a chegar à China no princípio do século XVI por via marítima - mas também com a confiança de quem nunca falhou um compromisso: "Portugal foi o último país europeu a abandonar responsabilidades de administração no território chinês com a transição de Macau em 1999 e a China reconhece que essa transição foi bem preparada e que todos os compromissos foram cumpridos", lembra o ministro dos Negócios Estrangeiros.."O valor da confiança", que o ministro sublinha, pode tornar-se fundamental nas escolhas que a China vai fazer nos próximos anos, nomeadamente no Faixa e Rota, um programa de milhares de milhões de euros lançado pelo governo chinês, do qual Portugal não quer ficar de fora. A interconectividade que vai ser criada, seja ela por via marítima, por via terrestre ou por via aérea, interessa, e muito, e foi essa a principal preocupação do governo de António Costa no memorando de entendimento que assinou em dezembro, aquando da visita de Xi Jiping a Portugal..Instalar empresas e não comprar empresas.Mais investimento e uma relação comercial mais equilibrada. Dito assim, parece simples, mas não é. Se a China dá cada vez mais sinais de abertura e tem uma população que é 140 vezes a portuguesa, como se explica que a balança comercial entre os dois países esteja tão desequilibrada? "É uma dinâmica de abertura de mercados que ainda se está a fazer", explica Augusto Santos Silva. Marcelo arrisca um conselho aos empresários portugueses e sugere que escolham bem "onde atuar neste mercado e área onde se atua", lembrando que ainda há muito por fazer..Também no investimento direto chinês em Portugal. E, sobre esta matéria, o Presidente da República é muito claro: "Nós preferiríamos o investimento no terreno e não o investimento financeiro, a instalação de empresas e não a aquisição financeira de empresas", explica Marcelo, que dá os exemplos da "indústria automóvel, do turístico ou do agroalimentar" como áreas onde Portugal estaria disponível para acolher o investimento chinês..Especial TSF/DN