290 pessoas morreram e mais de cinco centenas ficaram feridas nos atentados terroristas de domingo no Sri Lanka. Entre as vítimas mortais há quase quatro dezenas de estrangeiros, entre eles o português Rui Lucas, de 31 anos. Natural de Viseu, encontrava-se com a mulher, em lua-de-mel, estando o casal alojado no hotel Kingsbury..Os alvos foram, precisamente, três hotéis de luxo de Colombo, a capital do Sri Lanka, bem como três igrejas cristãs, o Santuário de Santo António, em Colombo, a de São Sebastião, em Negombo, e a de Sião, em Batticaloa..Ilha do oceano Índico, membro da ASEAN, o antigo Ceilão, que esteve sob controlo português e holandês e se tornou independente do Reino Unido em 1948, era destino turístico de eleição de muitos europeus nos últimos anos. Muitos se perguntam agora como foi possível uma tragédia de tamanha dimensão neste país..Quem é que as autoridades do Sri Lanka responsabilizaram pelos atentados do Domingo de Páscoa?.Até agora, as autoridades prenderam 13 pessoas em ligação com os atentados de dia 21, tendo três agentes da polícia morrido quando interrogavam outros suspeitos num complexo de apartamentos de Dematagoda, nos subúrbios da capital. Durante a operação policial, ocorreu um tiroteio entre os suspeitos e a polícia, tendo um dos indivíduos conseguido detonar explosivos dentro do apartamento e matar os agentes das forças de segurança. O mesmo aconteceu em Madrid, Espanha, após os atentados de 11 de março de 2004, quando a polícia cercou os terroristas, em Leganés. Um agente dos Tedax (unidade de desativação de explosivos) morreu quando os jihadistas detonaram os explosivos. Segundo o governo do Sri Lanka, os sete bombistas suicidas eram de nacionalidade do Sri Lanka, mas as autoridades não acreditam que seja possível que tenham agido sem ajuda externa e, por isso, pediram ajuda internacional para investigar. A Interpol, por exemplo, já se disponibilizou para ajudar o país naquilo que for necessário. As autoridades, que ordenaram o recolher obrigatório e cortaram o acesso a redes sociais como o Facebook e o WhatsApp, temem mais ataques. Nesta segunda-feira de manhã fizeram explodir uma carrinha que tinha explosivos a 50 metros do Santuário de Santo António em Colombo. E encontraram 87 detonadores numa paragem de autocarros da capital..O ataque não foi reivindicado mas o governo culpou o grupo National Thowheed Jamath (NTJ). "Não vemos como uma organização pequena pode conseguir fazer isto. Estamos a investigar apoio internacional ao grupo. Bem como outras ligações", afirmou em conferência de imprensa o ministro da Saúde do Sri Lanka, Rajitha Senaratne, citado pela Bloomberg. "O Sri Lanka está a ficar sob influência wahabita", disse, à RT, Rajeswari Pillai Rajagopalan. Líder da Nuclear and Space Policy Initiative na Observer Research Foundation, na Índia, a especialista refere que tal ideologia, vinda da Arábia Saudita, país que tem aumentado a sua presença no Sri Lanka, "pode ter levado à emergência de um islamismo radical e do terrorismo" no país..Em 2016, o ministro da Justiça do Sri Lanka, Wijedasa Rajapakse, disse no Parlamento que 32 cidadãos do Sri Lanka, oriundos de quatro famílias, tinham-se juntado ao Estado Islâmico na Síria, mas desde então não houve sinal da ação do grupo no país. No mesmo ano, um dos líderes do NTJ, Abdul Razik, foi detido por incitar ao racismo. O grupo era conhecido até agora por vandalizar estátuas budistas (como faziam, por exemplo, os talibãs no Afeganistão antes do 11 de Setembro de 2001). Para Rohan Gunaratna, especialista em terrorismo citado pela Reuters, o seu objetivo final é difundir a jihad global..Autoridades do Sri Lanka foram avisadas para iminência de atentados?.Segundo o ministro da Saúde do Sri Lanka, Rajitha Senaratne, serviços de informações estrangeiros alertaram as autoridades do país para a iminência de vários atentados no país no dia 4 de abril. A 9 de abril, o Ministério da Defesa escreveu ao chefe dos serviços de informações da polícia e incluiu o nome no grupo que se pensava estar na origem dos ataques..O chefe dessa unidade de polícia, Pujuth Jayasundara, emitiu um alerta para as principais chefias das estruturas de segurança do país. O alerta, datado de 11 de abril, segundo media como a AFP e o The Washington Post, avisava para a hipótese de atentados suicidas vindos de grupos radicais islâmicos que planeavam atacar igrejas..O próprio ministro das Telecomunicações do Sri Lanka, Harin Fernando, partilhou os documentos no Twitter e escreveu: "Alguns oficiais dos serviços de informações estavam a par deste incidente. Portanto, houve um atraso na ação. O que o meu pai soube foi de um agente das secretas. É preciso tomar medidas sérias para saber porque foi ignorado este alerta.".O que é que falhou então na prevenção destes ataques?.Ainda não é claro o que é que as autoridades fizeram com este alerta e que medidas tomaram ou não. Segundo a CBS News, as autoridades indicaram que, além de o nome aparecer nos relatórios dos serviços de informações, pouco se sabia do grupo. O facto é que, devido às tensões políticas dos últimos tempos, o primeiro-ministro Ranil Wickremesinghe e o seu governo não tiveram conhecimento destas informações antes de os ataques às igrejas e aos hotéis acontecerem..O presidente do Sri Lanka, Maithripala Sirisena, demitiu Ranil Wickremesinghe da chefia do governo em outubro de 2018 e dissolveu o executivo. Este recusou-se a acatar a ordem do chefe do Estado e, entretanto, o Supremo Tribunal invalidou a decisão do presidente. No entanto, o primeiro-ministro não tem sido autorizado a participar nas reuniões do Conselho de Segurança desde outubro. A falha pode ter que ver também com o facto de as autoridades do Sri Lanka, as suas forças de segurança e os seus serviços de informações terem estado, durante muito tempo, com a atenção focada nos tamil. "As Forças Armadas do Sri Lanka têm um sistema de recolha de informações muito eficiente. No entanto, eles estão mais centrados em recolher informações sobre a minoria tamil, por recearem um reacendimento da militância entre os jovens tamil, por isso não estão focados noutras fontes de terrorismo", declarou, à RT, Smruti Pattanaik, investigador do Indian Institute for Defense Studies and Analyses. Em Espanha, durante muitos anos, a resposta do Estado esteve direcionada para a ETA e quando aconteceu o 11 de Março, em 2004, o governo espanhol apontou de imediato o dedo aos terroristas bascos. Porém, os ataques que mataram 191 pessoas em explosões nos comboios de ligavam Atocha a Alcalá de Henares foram reivindicados pela Al-Qaeda.Porque é que o presidente tinha demitido o primeiro-ministro no Sri Lanka?.Ranil Wickremesinghe, o primeiro-ministro que tem falado aos media, foi demitido de funções em outubro do ano passado, na altura em que dava uma conferência de imprensa e afirmava poder provar que tinha apoio maioritário no Parlamento..O presidente Ranil Sirisena demitiu Wickremesinghe e mandou substituí-lo pelo ex-presidente Mahinda Rajapaksa. Homem forte na luta contra os independentistas dos Tigres Tamil, Rajapaksa perdeu as presidenciais para Sirisena em 2015, mas o seu novo partido, Frente Popular Unida do Sri Lanka (SLPP), venceu as eleições locais de fevereiro de 2018. Isso veio dar mais força às suas eventuais ambições de regressar ao poder nas presidenciais que têm de ocorrer até 9 de dezembro deste ano..Rajapaksa, que aceitou tomar posse num templo budista como primeiro-ministro alternativo, é visto como próximo da China. Wickremesinghe, por seu lado, é tido como alguém que tem laços tradicionalmente mais fortes com a Índia. Fontes oficiais citadas pela AFP, em outubro, indicavam que Nova Deli estava a seguir de muito perto o que se estava a passar em Colombo..Wickremesinghe, a quem o partido de Sirisena, a Aliança Unida para a Liberdade Popular (UPFA), retirou apoio parlamentar, alegou que o presidente não o podia demitir, pois, após a reforma constitucional de 2015, deixou de ter poderes para tal. Além disso, o chefe do Estado recuou na alegada promessa de não se recandidatar ao cargo, sendo isso mal aceite pelo primeiro-ministro do Sri Lanka, que terá, ele próprio, ambições presidenciais. A somar a tudo isto, Sirisena e Wickremesinghe, que é do Partido Nacional Unido (UNP), desenvolveram divergências significativas entre os assuntos do dia-a-dia do governo e a política económica do mesmo, notava a AFP, em outubro, altura em que vários observadores consideraram que as divergências políticas entre os dois homens poderiam vir a transformar-se numa gravíssima crise constitucional naquele país insular do sul da Ásia..O Sri Lanka tem historial de violência e de sectarismo?.Sim, o Sri Lanka tem um enorme historial de violência, tendo a guerra civil de três décadas acabado há apenas dez anos. Na memória de muita gente, principalmente dos residentes de Colombo, a capital do país, ficaram os atentados com mortos em aeroportos, estações de autocarro, bancos, cafés, hotéis, etc... O hotel Cinnamon Grande, por exemplo, que foi atacado neste domingo, já tinha sido atacado antes, em 1984, quando dava pelo nome de hotel Lanka Oberoi..A Igreja Católica no Sri Lanka remonta à altura da chegada dos portugueses ao território, no século XVI, tendo havido aí grande influência de missionários portugueses, holandeses e irlandeses. Os católicos no Sri Lanka são uma minoria, cerca de 6% da população, num total de 21,4 milhões de habitantes, concentrando-se sobretudo nas zonas de Colombo e de Negombo..Em 1995, o Papa João Paulo II visitou o Sri Lanka, tendo canonizado João Vaz, um padre e missionário de origem indiana. Milhares de pessoas acompanharam a visita papal entre Negombo e Colombo. Três quartos da população do Sri Lanka, antigo Ceilão, identifica-se como sendo de etnia cingalesa e de religião budista. Quase um quinto dos habitantes deste país da ASEAN identificam-se como sendo tamil e são na sua maioria hindus. 10% da população é muçulmana. 7% é cristã. Este grupo incluiu pessoas de etnia cingalesa e tamil. Nos anos 1980, o grupo conhecido por Tigres Tamil começou a combater pela independência do norte e leste do Sri Lanka, enfrentando-se com um exército composto sobretudo por cingaleses budistas. Durante o conflito, houve violações gravíssimas dos direitos humanos, cometidas por ambos os lados, com um balanço total de mais de cem mil mortos. Em 2009, o governo então liderado por Mahinda Rajapaksa conseguiu chegar à vitória final sobre os independentistas..Tasnim Nazeer, jornalista britânica filha de cidadãos do Sri Lanka, alertou, no The Guardian, para o sectarismo no país: "O facto de estas igrejas terem sido atacadas de forma deliberada é terrível e é mais uma tentativa de instigar o medo entre as minorias religiosas. É perturbador ver que os sinais de aviso sempre estiveram lá. Em termos de tratamento das minorias religiosas. Era palpável a ansiedade entre as minorias quando visitei o país para relatar a revolta dos muçulmanos, que estava a acontecer em resposta à intimidação por parte do grupo nacionalista budista Bodu Bala Sena (BBS). Deparei-me com flyers que visavam as minorias muçulmana e cristã. Pediam boicote às suas lojas. O presidente, Maithripala Siresena, prometeu investigar os crimes de ódio contra os grupos minoritários depois de chegar ao poder em 2015. Mas pouco foi feito.".A jornalista freelance, que é também embaixadora para a paz da Universal Peace Federation, prossegue: "Falei com testemunhas de ataque aos muçulmanos e eles disseram que a polícia virava a cara enquanto a violência acontecia. Apesar das garantias, vazias, do governo, as minorias sempre se sentiram desprotegidas. Foi um escândalo, por exemplo, o tempo que demorou a condenar o monge budista e secretário-geral do BBS, Galagoda Aththe Gnanasara Thero. Gnanasara foi preso no ano passado por intimidação. Mas a intimidação contra as minorias religiosas continua." Antes de ser preso, numa entrevista, Galagoda Aththe Gnanasara Thero declarou: "Vemos estes grupos de radicais cristãos do Ocidente virem aqui para converter os budistas. Não podemos continuar a deixar que isto aconteça." Efetivamente, em 2018 o governo do Sri Lanka teve de declarar, em várias ocasiões, o estado de emergência após vários confrontos entre muçulmanos e cingaleses budistas. Houve registo de mortos e feridos..Que outros casos de sectarismo existem na Ásia?.Na Birmânia (Myanmar), destino turístico de eleição de muitos europeus também nos últimos tempos, uma onda de violência sectária levou ao êxodo dos rohingya (muitos deles muçulmanos) e a ONU acusou os militares birmaneses de limpeza étnica..Em agosto de 2017, um grupo de militantes do Exército de Salvação Rohingya de Arakan (Arsa), descrito como "terrorista" pelas autoridades de Myanmar, atacou cerca de 30 postos policiais no estado de Rakhine, no oeste do país..O ataque estimulou uma operação militar em andamento na região que causou a fuga em massa da população rohingya, a quem as autoridades do país de maioria budista qualificam de "bengalis"..Cerca de 700 mil rohingya fugiram da Birmânia para o Bangladesh e, segundo a ONU, dez mil foram mortos..Aung San Suu Kyi, conselheira do atual regime birmanês, ex-prisioneira política e prémio Nobel da Paz, tem sido criticada pelo seu silêncio em relação à matança. Quando falou, foi para criticar os media, acusando-os de desinformação.