Como é que se diz ingratos em grego?*

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Há muitas explicações para a derrota eleitoral do Syriza. Vão desde o acordo sobre o nome da Macedónia do Norte até à má gestão do combate aos mortíferos fogos de 2018, passando pelas acusações de ter prometido resistir à União Europeia e no final acabar por negociar com esta um terceiro resgate à Grécia. Mas, na realidade, a Alexis Tsipras o eleitorado fez pagar o ter sido o rosto da austeridade, necessária mas brutal num país que é mais pobre do que durante anos as estatísticas nacionais fizeram crer. E Kyriakos Mitsotakis surge como o rosto da esperança, um político em teoria sem culpas na crise, se bem que o mesmo não se pode dizer da Nova Democracia, que ganhou com cerca de 40% e que graças ao bónus de deputados para o vencedor deverá ter maioria absoluta.

Entrevistei Tsipras em finais de 2017, quando ele já olhava com ansiedade para o ano que ia entrar e que significava para a Grécia a saída do período sob assistência financeira estrangeira. Convidado de uma reunião em Lisboa dos socialistas europeus, o político que veio da extrema-esquerda dizia ter o governo de António Costa como modelo. Pretendia manter as contas públicas sãs, mas não deixar de olhar para a questão social. Precisava era de tempo, para mostrar que depois do fim da austeridade o Syriza seria capaz de mostrar fidelidade aos que votaram nele para tornar a Grécia menos desigual.

O tempo não foi suficiente. Um ano sem a tutela de fora permitiu que Tsipras relançasse a economia e reduzisse o desemprego. Mas soube a pouco aos gregos. Os jovens não apreciam trabalhos mal pagos, as famílias de classe média revoltaram-se contra a pesada fatia dos sacrifícios que recaiu sobre elas, pois aos magnatas gregos sempre foi difícil obrigar a pagar os impostos que deviam.

Mitsotakis promete manter as contas equilibradas mas fazer mais pelo crescimento da economia, de modo a poder aliviar os impostos. Beneficiou do desgaste de Tsipras e também de a Nova Democracia nunca ter sido punida como o antigo Pasok pela governação irresponsável de há uma década que levou aos pedidos de resgate. Vai estar agora muito sob observação, tem de mostrar resultados. Mas é um convicto europeísta e isso é bom.

Curiosamente, o novo primeiro-ministro vir de uma das três grandes dinastias políticas gregas (pai antigo primeiro-ministro, irmã ex-ministra dos Negócios Estrangeiros, sobrinho atual presidente da Câmara de Atenas) não gerou receio no eleitorado. A personalidade cativou, assim como as garantias de combater o nepotismo. E, afinal, a Nova Democracia é um partido conservador e boa parte da sociedade grega é nacionalista e tradicionalista.

Quanto ao Syriza, os 30% de votos mostram que veio para ficar enquanto partido de poder. Tsipras fez bem quando se libertou de Yanis Varoufakis, economista-estrela que chegou a ser ministro das Finanças. Optou pelo pragmatismo, preferindo negociar com Angela Merkel do que acusar a chanceler alemã de todos os males da Grécia. Aliás, tem com Merkel em comum o empenho em ajudar a resolver a crise dos refugiados, que têm a Grécia como porta de entrada e a Alemanha como destino. E, como mostra a sua proximidade com o primeiro-ministro português, está cada vez mais inserido no campo da social-democracia europeia. Talvez hoje veja os gregos como ingratos, não quer dizer que não vá voltar a tentar conquistá-los.

* Agnomones

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