Um cavaleiro tauromáquico, um pasteleiro, um instrutor de artes marciais, um comercial e um operário. Era este o quinteto que a 3 de dezembro passado decidiu criar no Facebook o evento "Vamos parar Portugal como Forma de Protesto", marcado para o próximo dia 21 de dezembro, inicialmente apenas na A8, junto às portagens. Mas em poucos dias a "revolta nacional" - como é titulada a iniciativa - disseminou-se. Ganhou escala..A meio da tarde de terça-feira, 11, eram 14 os eventos publicitados na página "Movimento Coletes Amarelos Portugal", entretanto criada. Dessa listagem, apenas o protesto original tem indicação de ser "controlado pela polícia", qual manifestação organizada. Mas o grupo que a fez nascer não gosta da designação. "Percebam uma coisa, isto não é nenhuma manifestação. Isso já se faz, 200 por ano e nada é feito!", grita na página de Facebook Tiago Nunes, 36 anos, comercial numa empresa de telemarketing. Já foi escuteiro e é de "um bom miúdo" que se lembra um antigo colega no agrupamento 516, no Bombarral, embora reconheça que as partilhas que ultimamente faz nas redes sociais parecem "demasiado radicais". Será esse um dos pontos em comum que tem com os restantes quatro amigos, todos do Bombarral: Diogo Pereira (funcionário de uma empresa de mármores), Tiago Soares (instrutor de artes marciais) e os irmãos Pedro Ferreira e Filipe Ferreira, de 43 e 36 anos, respetivamente. Foi Filipe, o mais novo, cavaleiro tauromáquico, quem se lembrou da ideia, como declarou ao DN.."Tinha acabado de pagar o IMI", falava com o resto do grupo e decidiram avançar para um protesto, sugestionados pelas manifestações dos coletes amarelos em França. "Quem os levou para isto fui eu. O povo está cansado", afirma, recusando "qualquer ligação a grupos ou partidos políticos". E quando confrontado com a promoção do evento na página do PNR, Filipe Ferreira não tem dúvidas: "Isso é esse partido a tentar obter votos à nossa conta.".O jovem cavaleiro carrega com ele a memória do padrinho, o agricultor Júlio Sebastião, que no início dos anos 90 liderou a luta contra as portagens do Oeste, a par do deputado do PSD Feliciano Barreiras Duarte, também ele natural do Bombarral. Júlio acabaria por morrer de forma trágica, numa máquina agrícola, tornando-se um mito na região. A família parece marcada pela desgraça: Júlio era pai de Américo Sebastião, o empresário português misteriosamente desaparecido em Moçambique..Filipe Ferreira conta que, em pequeno, "andava com o Américo e o padrinho Júlio no trator, no meio da luta. Somos da luta, nós", acrescenta. É um dos poucos que não mudou a foto de perfil para a imagem de um colete amarelo envolto num arame farpado. Já o irmão, Pedro Ferreira, proprietário de uma pastelaria na Lourinhã, exibe a imagem..O grupo de WhatsApp e as ligações à extrema-direita.Filipe foi o único que acedeu falar ao DN, via messenger. Não deixa de se mostrar surpreendido com a dimensão que o evento tomou, já não tanto com a reportagem do Polígrafo, publicada anteontem, que questiona se estaria o protesto a ser organizado por fascistas. "Infelizmente já andam a tentar demover a nossa causa", afirmou ao DN. Quanto às páginas que a maioria segue, nomeadamente a de José Pinto Coelho, líder do PNR, não chegou a responder..A verdade é que vários elementos do grupo partilham nas redes sociais o gosto por diversas páginas nacionalistas, com mensagens xenófobas e anti-imigração: Movimento Armilar Lusitano, Resistência Nacional, Nova Ordem Social, entre outras. Mas é nos grupos de WhatsApp - entretanto criados para discutir a "revolta nacional", que a extrema-direita foi ganhando expressão, paulatinamente. João (nome fictício) entrou no grupo a 7 de dezembro, numa altura em que eram apenas "umas 30 ou 40 pessoas". Mas no dia seguinte "houve uma expansão brutal. Criaram-se grupos para "Algarve, Porto, e para vários pontos em Lisboa, como Marquês de Pombal ou Ponte 25 de Abril. Atualmente são milhares de mensagens por dia, é impossível acompanhar. Mas é visível a mensagem política por detrás das publicações". João refere-se a sites de fake news como Bombeiros.pt ou Direitapolítica, cujas mensagens são propaladas nas redes sociais..A imagem usada para a iniciativa "Vamos parar Portugal como forma de protesto" é dos coletes amarelos, em Paris. Um dia, depois de criado o evento português no Facebook, o PNR partilhava o evento e usava uma imagem semelhante, com o Arco do Triunfo em fundo, com a seguinte legenda: "Governo francês desiste do aumento de impostos, por cá continuamos mais interessados em discutir se foi ou não penálti.".No sábado, dia 8, quando o DN tentou falar com os organizadores pela primeira vez, o grupo reuniu-se para elaborar um manifesto. "Temos vários advogados a trabalhar connosco", haveria de informar no chat Diogo Pereira, mais tarde..Desse documento de três páginas fazem parte várias revindicações: aumento de ordenados e redução da carga fiscal, maior controlo das contas públicas, entre outras. Pelo meio, uma curiosidade: o movimento pede "referendos nacionais aquando da assinatura de tratados internacionais importantes, tais como o pacto global para a migração segura, entre outros"..O registo populista ocupa a parte final do comunicado, intitulada "ao povo, perguntamos", seguida de um conjunto de questões como "têm carro e motorista para vos levar ao emprego? Os vossos patrões dão-vos um cartão de crédito para usarem à vontade? Podem marcar presença nos vossos empregos sem lá estar e não sofrer qualquer consequência?", esta última numa clara alusão aos deputados cuja presença foi marcada por outros, recentemente..Nos grupos de WhatsApp, a discussão começou por ser essa, "muito antissistema, antiparlamento. Mas rapidamente evoluiu para outro tipo de mensagens", conta João. Nas conversas de chat - a que o DN teve acesso - os organizadores do oeste vão apelando a um "não à violência", sobretudo Diogo Pereira, que grava áudios para passar a mensagem..Porém, os grupos vão crescendo, há quem escreva (muito) e coloque imagens. De pornografia, também. Há imigrantes brasileiros, emigrantes portugueses em França e no Luxemburgo. Um deles fala em vídeo, conta a sua experiência em França, adverte para a necessidade de prolongar o protesto "por dias ou semanas", como ele fez, desde 17 de novembro. "Se isso for um dia, o governo não vai ligar nenhuma. Nós temos de o fazer perder dinheiro. Fazer como em França: tapar as câmaras nas portagens, desmontar as máquinas e assim ninguém paga uma única portagem. Fiz 900 km assim." É este entusiasta que lança a ideia de utilizar no protesto "as nossas claques do futebol. São gente muito jovem, forte e que tem sempre um líder". Quer com isso dizer que é uma forma de "responder à eventual violência da polícia. Nós somos pessoas de bem, mas não podemos levar"..Já nesta quarta-feira, na página "Movimento Coletes Amarelos Portugal", há um post de clara sedução às forças de segurança: "Dia 21 também é por vós que lutamos", com os logótipos da GNR e PSP..Os vídeos em nome da pátria.Entretanto, no fim de semana passado começou a circular um vídeo com cânticos nacionalistas, que termina com a legenda "oh Pátria mãe/por ti dou a vida/há sempre alguém que não te quer perdida". O vídeo é à imagem dos que foram popularizados no Breitbart, o site de Steve Banon, que dirigiu a campanha de Donald Trump: música dramática e imagens a condizer. No grupo do Marquês há a convicção de que o protesto contará com o apoio de polícias e bombeiros. "Muitos estão descontentes com o que se está a passar neste país", ouve-se num áudio..Em vários grupos garante-se o apoio "dos camionistas" e dos motards. As mensagens são muitas vezes decalcadas das que Bolsonaro (Brasil) e Trump (Estados Unidos) usaram: "Vamos fazer Portugal grande de novo.".Entretanto, ontem à tarde eram mais de 44 mil os que manifestavam interesse no evento inicial do Facebook, criado para parar a A8, e 13 mil os que diziam marcar presença. Também os administradores cresceram: ao quinteto inicial juntaram-se mais quatro pessoas - Tiago Silva, Inês Cordeiro, Ruben Lopes e Maria João Oliveira. Até dia 21, a sexta-feira antes do Natal, os mentores apelam a que o colete amarelo seja colocado de forma visível, nos automóveis e nos camiões.