Comércio ainda espera clientes. Cabeleireiros com marcações preenchidas
Quando esta manhã Carla Garrido reabriu o salão de cabeleireiro no centro do Porto já tinha "marcações para vários dias". Foi mais de mês e meio de portas fechadas e este regresso ao trabalho no dia em que o seu setor e o pequeno comércio retomam atividade é marcado por diferentes perspetivas. Por um lado o negócio e a satisfação dos clientes exigiam que o trabalho reiniciasse. Por outro, há o receio perante uma pandemia que sente não estar ainda controlada.
"Temos mais medo do que os clientes. E é mesmo preciso algum receio, as coisas ainda não estão normais", diz ao DN a cabeleireira instalada na Rua Sá da Bandeira há 20 anos. Muitas das clientes, relata, pensam que tudo ia ser como antes. "Julgavam que vinham todas quando quisessem. Mas não pode ser. Temos as regras todas para cumprir, Só por marcação, com máscara, gel desinfetante e apenas três pessoas de cada vez. Com um espaço de tempo grande entre cada marcação. Não quero ter muita gente junta."
Para trás ficam os dias em que o salão entrou em lay-off e as contas para pagar sem ter receitas. "As faturas chegam todas na mesma, É luz, é a água com valores altos mesmo tendo estado fechada", desabafa. Espera agora recuperar, mas sem pressas. "É preferível manter algum receio", diz, convicta que poderá dar resposta às clientes habituais com as novas regras, compreendendo também que as pessoas precisam dos seus serviços, "Muitas, pela certa, fizeram asneiras no cabelo em casa."
Na rua Formosa, Luís Soares atendia duas clientes no seu salão de cabeleireiro. Notavam-se as preocupações com a higiene e segurança, com as normas em vigor a serem cumpridas. Passou um "período difícil" e, apesar de otimista, prefere esperar para ver". "As pessoas precisam de confiança para retomar a vida normal", aponta o cabeleireiro que esta segunda-feira já tinha cinco marcações. Agora que os clientes deste salão unisexo sabem que reabriu, espera que regressem apesar de todas as condicionantes no atendimento. "Estaremos abertos no horário normal e vamos vendo."
Idalina Teixeira era uma das clientes, após uma marcação feita no sábado. "Já estava a precisar. Quando isto fechou era a altura em que viria cá. Já não consegui. Por isso não venho ao cabeleireiro há mais de dois meses e meio", conta, realçando que mantém os cuidados. "Neste tempo de emergência só saía de casa para ir ao supermercado." Agora no espaço de Luís Soares sente confiança. "Sei que cumpre todas as regras de segurança", afirma, menos convencida a nível geral na sociedade. "Ainda não se está muito à vontade. Isto ainda não passou."
Se os cabeleireiros tiveram clientes de imediato, o mesmo não é seguro no pequeno comércio. Na sua sapataria, na Rua de Santa Catarina, uma das principais artérias de comércio no Porto, Paula Soares confessa que ainda tinha recebido nenhum cliente, após duas horas com a loja aberta. Bastava caminhar por esta conhecida rua para se perceber que estava muito longe de ter os níveis de afluência dos tempos antes da pandemia. Ainda se vê pouca gente, apesar de muito comércio está já aberto, com outras lojas ainda na fase de preparação da reabertura.
"Nunca imaginei isto. É horrível", diz a comerciante com a sapataria aberta há 12 anos. Há contas por liquidar, como a renda do espaço. "Temos de recomeçar de qualquer forma, apesar das restrições", diz referindo-se ao uso de máscaras e outras normas de higiene e aos limites de clientes no interior do espaço. Teme que os clientes tardem. "Há muito medo nas pessoas e acho que os próximos meses vão ser assim. Para mais, aqui funcionamos muito na base dos turistas. E esses não voltam tão cedo."
Noutro setor do comércio, o vestuário, Maria Reis fala de forma idêntica sobre a clientela. "Há receio de saírem à rua. Talvez nas próximas semanas isto melhore. Era essencial reabrir", refere, acrescentando algum otimismo por ter uma loja de roupa infantil. "As crianças crescem e precisam de nova roupa. Não é dos piores setores. E vamos entrar numa nova estação."
Estas comerciantes têm ainda de lidar com a difícil tarefa de auxiliar clientes a escolher produtos sendo que agora as regras são diferentes a nível do manuseamento dos artigos. Mas para isso sentem estar prontas, tal como para impedir o acesso a vários clientes em simultâneo. O pior é mesmo ter negócio, fazer dinheiro que compense as perdas. Por isso retomar a atividade é crucial, depois da paragem forçada "Já foi demasiado longe. Ninguém estava preparado", diz Maria Reis.
Francisco Sousa, 51 anos, é hoje gerente de uma loja de malas e carteiras que começou com o seu bisavô. Diz ter começado aos 18 anos e nunca passou por nada semelhante. "Achei bem ter fechado, era preciso por questões de saúde pública", diz, admitindo que "o lay-off ajudou um bocado" a manter os cinco postos de trabalho nas duas lojas que tem no Porto. "Tivemos prejuízos de 2400 euros. Depois há a renda, a luz, a água."
Está moderadamente otimista mas não a curto e médio prazo. "Já tive clientes a ligar, foram vários até, mas os primeiros tempos vão ser maus. Não há turistas que eram uma percentagem interessante dos clientes. Julgo que maio e junho vão ser fracos, aí a 25% do habitual", antevê o comerciante na sua loja em Santa Catarina, artéria que espera ver em breve com "o movimento que sempre a caracterizou". Não será de imediato mas "tudo voltará a mexer".
É assim no Porto um reabrir do comércio com espaços até 200 m2 um pouco tímido, receoso ainda das confiança dos consumidores. Os riscos de contágio são ainda muito altos como se constata com as regras impostas nos transportes públicos. É obrigatório o uso de máscaras.
Na estação do Bolhão, Sandra diz que sempre usou o metro durante o período do estado emergência, apesar de ter carro. E usava máscara. "Via-se pouca gente - em cada dez, duas tinham máscara. Hoje vi um pouco de mais movimento e agora em cada dez todas usavam máscara", disse ao DN. "Há sempre receio mas as máscaras são necessárias. Sinto-me mais segura."
Em todas as estações há elementos da segurança a informar as pessoas e a controlar aqueles que chegam sem máscara. As máquinas de venda automática estão apetrechadas com este artigo de segurança pessoa e há também gel desinfetante disponível gratuitamente. Apesar de haver casos de utentes a chegar a estações sem máscara, a maioria dos passageiros estava a par das normas e já ia preparada.