Combatem bactérias, salvam o ambiente, descobrem doenças. São as cientistas do ano

Como combater uma bactéria resistente a antibióticos? Ou curar a mais comum distrofia muscular congénita? O que é que as microalgas podem fazer pelo ambiente e o relógio biológico por nós? As investigadoras que procuram as resposta foram premiadas como as cientistas portuguesas do ano.
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Se é certo que há anos que vários estudos centrados na desigualdade de género apontam as diferenças de oportunidades profissionais entre homens e mulheres como uma realidade na maioria dos países europeus, também é certo que são elas que continuam a ser as que mais seguem para o ensino superior. Na ciência, o assunto não é diferente: de acordo com dados da OCDE, Portugal é o país com a maior percentagem de mulheres nas áreas da ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Mas quantas delas chegam a lugares de topo?

Foi sob a missão de valorizar estas profissionais que nasceu, em 2004, a iniciativa Medalhas de Honra L"Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência, que todos os anos premeia quatro cientistas portuguesas e as suas investigações. Depois da distinção a mais de 50 jovens investigadoras, Ana Luísa Gonçalves, Rita Carlos, Cristina Godinho-Silva e Diana Priscila Pires são os nomes a reter entre 80 este ano, anunciadas esta quarta-feira como vencedoras desta 16.ª edição.

Cada uma das vencedoras receberá um prémio individual de 15 mil euros, de forma a apoiar a sua investigação. O júri científico foi presidido por Alexandre Quintanilha, além de político, um físico português reconhecido internacionalmente. O reconhecimento parte de uma parceria entre a L'Oréal Portugal, a Comissão Nacional da UNESCO e a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).

Como as algas, em tamanho micro, podem salvar o ambiente

Aos 30 anos, é no mar que Ana Luísa Gonçalves encontra o problema e a solução. No laboratório de Engenharia de Processos, Ambiente, Biotecnologia e Energia (LEPABE) - da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, onde se doutorou em 2017 -, procura uma resposta para retrair os estragos que os efluentes industriais, regularmente despejados por empresas.

Foi ali entre "várias oportunidades" que teve de se ligar à investigação, já durante o seu mestrado integrado, que Ana Luísa começou o seu primeiro contacto com microbiologia ambiental. E foi numa passagem académica por Paris que encontrou o seu objeto de estudo: as microalgas, como forma de tratamento terciário daquilo que é descarregado nas águas em dois principais setores económicos nacionais: as indústrias têxtil e da pasta e papel.

A ideia, explica ao DN a investigadora, é "utilizar microalgas para remover o azoto e o fósforo de afluentes industriais", visto que "estes nutrientes, mesmo após algum processo convencional, subsistem nos efluentes e a sua descarga para o ambiente pode ter alguns impactos ambientais, como a eutrofização". São também "nutrientes importantes para as microalgas", por isso, Ana Luísa pretende criar um processo que, ao alimentar este micro-organismo, retire dos efluentes o que o faz prejudicial para o ecossistema aquático.

As microalgas são também geradoras de "uma biomassa muito rica em pigmentos fotossintéticos, proteínas, hidratos de carbono, lípidos e outros elementos", podendo ser ainda "utilizada na produção de pigmentos naturais, biocombustíveis, biofertilizantes, entre outros". Por isso, as potencialidades deste objeto de investigação, acrescenta a cientista, ainda estão longe de ser conhecidas.

Encontrar a origem da mais comum distrofia muscular congénita

O nome pode soar estranho para a maioria das pessoas: MDC1A, mais especificamente distrofia muscular congénita merosina-negativa. Mas esta é a forma mais comum de distrofia muscular, causando a perda progressiva de massa muscular e incapacidade no corpo, que sem músculo fraqueja. Este tipo de distrofia em específico revela-se logo à nascença. Para a investigadora Rita Carlos, tudo isto não podia ser mais familiar.

É através do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c), da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que a cientista de 34 anos procura entender como se desenvolve esta doença, até agora desconhecido, de forma a encontrar a melhorar forma de a tratar ou até curar. Tudo parte do estudo das mutações gene LAMA2, que a investigadora procurará saber se são responsáveis pelo envelhecimento precoce das células dos músculos.

Ao "desvendar os mecanismos que desencadeiam esta distrofia, teremos pistas que podem ajudar, no futuro, a identificar quais as moléculas capazes de tratar a MDC1A e dar melhor qualidade de vida a quem dela sofre", diz Rita Carlos.

A investigação poderá servir para desvendar a origem desta doença poderá abrir portas para melhor compreender o funcionamento dos restantes tipos de distrofia.

O que o relógio biológico pode fazer por nós?

A paixão pela ciência, as suas potencialidades e a forma de vida, começou a fervilhar durante o seu ensino secundário "quando a professora de Biologia (a) introduziu ao fascinante mundo do material genético, DNA e RNA e, posteriormente, à biologia dos micro-organismos". Não demoraria muito até à decisão de ser cientistas: "no ano seguinte recebemos na escola a visita de um investigador a trabalhar no Instituto Português de Oncologia (IPO) que nos falou um pouco sobre o seu trabalho e o dia-a-dia de ser cientista", conta Cristina Godinho-Silva, 33 anos, uma das cientistas premiadas na 16.ª edição desta iniciativa.

Licenciou-se em Microbiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, tendo definido mais tarde que as suas áreas de foco seriam a virologia ou patogénese viral e a imunologia, áreas nas quais já lecionou.

Em 2017, mudou o seu laboratório para a Fundação Champalimaud, onde tenta hoje descobrir de que forma é que "as perturbações no nossos horários e hábitos de sono" - isto é, o nosso relógio biológico - "influenciam a atividade das ILC2", células imunitárias com um relevante papel "na reparação e regeneração dos tecidos após uma lesão", explica. Ao mesmo tempo, perceber como pode este relógio biológico comprometer a atividade de diferentes órgãos vitais, como os rins.

"Se esta hipótese se verificar", acrescenta a investigadora, "ao compreender de que forma o relógio biológico regula a atividade das ILC2 podemos no futuro pensar em estratégias para aumentar ou reduzir terapeuticamente a atividade destas células".

Batalhar contra uma bactéria resistente a antibióticos (e ganhar)

Pseudomanas aeruginosa não é só uma bactéria. Trata-se de uma bactéria responsável por graves infeções hospitalares e elevada mortalidade. No entanto, resistente a qualquer antibiótico e considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um risco para a saúde pública e uma urgência na investigação terapêutica.

Os dados não deixaram Diana Priscila Pires, de 32 anos, indiferente, que decidiu dedicar-se ao desenvolvimento de uma ferramenta de edição genética para melhorar a forma de combate às infeções causadas por esta bactéria.

O trabalho faz-se no Centro de Engenharia Biológica da Universidade do Minho, através da melhoria das propriedades dos bacterófagos, vírus bacterianas com capacidade de atacar as bactérias nocivas, como é o caso, e que não registam qualquer efeito adverso para o ser humano.

As infeções hospitalares, onde o combate a estas bactérias resistentes se torna mais relevante, representam uma ameaça mundial, em países mais ou menos desenvolvidos. Nos desenvolvidos, sete em cada 100 pacientes hospitalizados é afetado por estas infeções. Nos países em desenvolvimento, o número aumenta de 10 em 100. De acordo com estimativas da OMS, são responsáveis pela morte de pelo menos 30 mil pessoas por ano na Europa.

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