Combate ao covid-19. Rastrear e avisar pessoas por telemóvel? Constitucionalistas estão divididos

O primeiro-ministro fecha a porta a usar sistemas de geolocalização de potenciais infetados por covid-19, mas admite usar o telemóvel para rastrear e avisar pessoas que tenham estado perto de um caso positivo. Os constitucionalistas dividem-se sobre esta matéria.
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Como detetar mais rapidamente potenciais infetados por covid-19 é a questão que se coloca numa altura em que os países começam a querer retomar lentamente normalidade social e económica possível.

O primeiro-ministro, António Costa, já reiterou que está fora de questão usar-se sistemas de georreferenciação universais, através do uso de dados individuais não anónimos., mas admitiu que haverá soluções tecnológicas mais ágeis, ligadas aos telemóveis.

"O máximo que tenho visto digamos mais intrusivo, e que se coloca no limite do que é compatível com o regulamento europeu da proteção de dados e com os nossos valores constitucionais, é a possibilidade de, por exemplo, a DGS poder ter acesso, a partir do meu telemóvel, à identificação de números de telemóvel com quem o meu telemóvel esteve em proximidade durante mais de X tempo e em menos de X distância nos últimos 14 dias, e enviar uma mensagem a essas pessoas, também sem saber quem são, informando "Cuidado, esteve em proximidade mais de 10 ou 15 minutos ou o tempo que for com o telemóvel de uma pessoa que é dada como infetada", disse António Costa esta quinta-feira ao site oficial do PS, numa entrevista conduzida pelo jornalista Filipe Santos Costa.

Mas é este tipo de solução de facto compatível com o espírito dos DIreitos, Liberdades e Garantias da Constituição da República Portuguesa? As opiniões dividem-se.

O constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia admite que esta forma de localização dos potenciais infetados possa ser constitucional se a pessoa que acusar positivo no teste de forma voluntária comunicar esse dado clínico anonimamente aos outros que estiveram perto dela. "Nessa base não me parece que seja inconstitucional", assegura ao DN. Até porque, sublinha, a pessoa que recebe a mensagem de que poderá estar infetado não é identificada perante ninguém e assim, "a sua privacidade não fica tolhida, não há interferência na intimidade". Sempre com o "princípio geral do consentimento" de quem presta a informação e de quem a recebe.

Esta posição é secundada por Jorge Reis Novais, que até se manifesta "admirado" com o facto do Presidente da República e do primeiro-ministro terem tantas reticências a medidas de geolocalização, quando foram favoráveis aos metadados que, "esses sim eram inconstitucionais".

Para o constitucionalista, a recomendação da Comissão Europeia para os Estados estejam recetivos à aplicação de os gigantes da internet, Apple e Google, estão a desenvolver para que, de forma voluntária, os cidadãos a instalem nos seus telemóveis e assim possam partilhar informação anónima sobre potenciais infeções do novo coronavírus.

"Não deve é ter interferência da DGS. Este mecanismo é possível ser feito pelos cidadãos e de forma anónima", frisa o constitucionalista, que garante que se for por diante ele próprio será utilizador. "O Estado tem de estar atento é para que não haja nenhum imposição no uso da aplicação", frisa Reis Novais.

Aliás, na entrevista ao site do PS, António Costa reconhecia que na recomendação da Comissão Europeia "existem um conjunto de aplicações que vão ser desenvolvidas - e que livremente qualquer um pode descarregar - que no fundo estabelecem uma comunidade de partilha de informações, sempre anonimizadas".

Já completamente avesso à ideia avançada por António Costa, por considerar que fere a Lei Fundamental, é o constitucionalista Paulo Otero, Na sua opinião, só é possível esta partilha de dados se se mantiver declarado o estado de exceção ou se continuarem algumas medidas de estado de emergência.

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