Famílias das vítimas vão recorrer de penas "claramente insuficientes"

Três arguidos foram condenados com penas suspensas e 16 absolvidos. Acórdão lido no Tribunal Criminal de Lisboa relativo à morte dos recrutas Dylan da Silva e Hugo Abreu, em 2016
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Os advogados das famílias dos dois recrutas que morreram na "prova zero" dos Comandos em 2016 vão recorrer do acórdão de julgamento que esta segunda-feira condenou três dos 19 arguidos as penas suspensas de prisão.

Ricardo Sá Fernandes, advogado da família de Hugo Abreu e do pai de Dylan da Silva afirmou, à saída do Tribunal Criminal de Lisboa, "não se conformar com esta decisão", anunciando que vai "interpor recurso" para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL).

O instrutor dos Comandos Ricardo Rodrigues foi condenado a três anos de prisão com pena suspensa, segundo o acórdão lido esta segunda-feira no Tribunal Criminal de Lisboa relativo à morte dos recrutas Dylan da Silva e Hugo Abreu, em 2016.

O tribunal condenou ainda Pedro Fernandes a dois anos e três meses de prisão e Lenate Inácio a dois anos, ambos com pena suspensa.

Nas alegações finais do julgamento, em 07 de maio de 2021, a procuradora Isabel Lima pediu a condenação de cinco dos 19 arguidos a penas de prisão entre dois e 10 anos.

Um dos cinco arguidos visados era, precisamente, Ricardo Rodrigues, por considerar que cometeu abuso de autoridade com ofensa à integridade física, com perigo de vida, pedindo ao tribunal que este militar fosse punido com pena de prisão até 10 anos.

Quanto ao diretor da "prova zero", o tenente-coronel Mário Maia foi absolvido, depois de o Ministério Público (MP) ter pedido a sua condenação a uma pena de dois anos de prisão (suspensa por igual período).

O mesmo sucedeu com o médico Miguel Domingues, acusado de abuso de autoridade com ofensa à integridade física, que foi absolvido quando a procuradora tinha pedido uma condenação a cinco anos de prisão, passível de ser suspensa na execução.

Já os restantes 14 arguidos do processo foram todos absolvidos.

No final da leitura do acórdão, o MP pediu a prorrogação do prazo para recurso de 30 para 60 dias, invocando a excecional complexidade do processo.

Dylan da Silva e Hugo Abreu, à data dos factos com 20 anos, morreram e outros instruendos sofreram lesões graves e tiveram de ser internados no decurso da "prova zero".

Oito oficiais, oito sargentos e três praças, todos dos Comandos, a maioria instrutores, foram acusados de abuso de autoridade por ofensa à integridade física. Segundo a acusação, os arguidos atuaram com "manifesto desprezo pelas consequências gravosas que provocaram nos ofendidos".

Embora não conheça ainda os termos do extenso acórdão, que só será disponibilizado na terça-feira, Ricardo Sá Fernandes, advogado das famílias das vítimas, avançou que considera que "as condenações são claramente insuficientes e justificam outras condenações diferentes".

Segundo o acórdão, lido pela juíza presidente Helena Pinto, o instrutor da "prova zero" dos Comandos Ricardo Rodrigues foi condenado a três anos de prisão com pena suspensa, O tribunal condenou ainda os militares Pedro Fernandes a dois anos e três meses de prisão e Lenate Inácio a dois anos, ambos com pena suspensa.

Quanto ao diretor da "prova zero", o tenente-coronel Mário Maia foi absolvido, depois de o Ministério Público (MP) ter pedido a sua condenação a uma pena de dois anos de prisão (suspensa por igual período).

O mesmo sucedeu com o médico Miguel Domingues, acusado de abuso de autoridade com ofensa à integridade física, que foi absolvido quando a procuradora tinha pedido uma condenação a cinco anos de prisão, passível de ser suspensa na execução.

Segundo Ricardo Sá Fernandes, a "solução do tribunal" de julgamento de "entender que os crimes civis, não exclusivamente militares, não podiam ser aqui julgados atirou para debaixo do tapete a matéria mais importante que estava neste julgamento e que tinha a ver com as condutas que alguns destes militares tiveram e que foram determinantes na situação que levou à morte (dos recrutas) de Hugo Abreu e Dylan da Silva".

Nas suas palavras, "isso é inaceitável" e "este tribunal (de julgamento) tinha competência para apreciar essas condutas".

Ricardo Sá Fernandes mostrou-se convicto de que o Tribunal da Relação de Lisboa vai dar razão ao recurso das famílias das vítimas, à semelhança do que aconteceu no início do processo relativamente à questão da admissão dos pedidos cíveis que a juíza não quis aceitar.

Conforme lembrou o advogado, mais tarde o Estado português veio fazer um acordo com as famílias das vítimas.

Ricardo Sá Fernandes insurgiu-se contra o entendimento do acórdão de hoje de que o tribunal criminal "não era competente para julgar matérias e crimes estritamente militares, designadamente as condutas homicidas que vitimaram Hugo Abreu e Dylan da Silva".

"Entendemos que este tribunal tinha competência para ter apreciado essas condutas", disse o advogado, reiterando a sua convicção na futura decisão da Relação, pois caso contrário gerava-se uma "situação kafkiana" de julgar a parte civil das condutas em causa num tribunal civil e a parte militar num tribunal militar.

Também Miguel Santos Pereira, advogado da mãe de Dylan da Silva (cujos pais são separados) manifestou a sua convicção de que a Relação vai anular o acórdão de hoje e se for caso disso mandar repetir o julgamento.

À saída do tribunal, Vítor Paulo, pai de Dylan da Silva, de lágrimas nos olhos, declarou que há muito que "não acredita na justiça" e disse não pretender recorrer por não confiar no sistema judicial, apontando situações ocorridas consigo mesmo em Ponte de Lima.

Lembrou que o sonho do seu filho era "montar um ginásio", mas que acabou por ir para os Comandos e que sempre que regressava a casa aos fins de semana descrevia situações como "pontapés nas costas" e "estalos" nos instruendos, mas não poder agora provar tais factos.

Os advogados Alexandre Lafayette e Paulo Sternberg criticaram esta segunda-feira o trabalho do Ministério Público (MP) no processo dos Comandos, cujo acórdão lido no Juízo Central Criminal de Lisboa ditou a condenação de três dos 19 arguidos a penas suspensas.

Em declarações aos jornalistas após a leitura do acórdão, Alexandre Lafayette, que representa o instrutor dos Comandos Ricardo Rodrigues - condenado a três anos de prisão com pena suspensa, quando o MP pedia pena de prisão até 10 anos - e o tenente-coronel Mário Maia - absolvido, quando o MP pedia dois anos de prisão com pena suspensa -, visou, sobretudo, a procuradora Cândida Vilar, responsável pelo inquérito.

"A procuradora que conduziu o inquérito é absoluta e irremediavelmente incompetente. É o significado disto", afirmou o mandatário dos dois militares, a propósito da "grande divergência" entre o número de crimes que constavam da acusação e aqueles que foram dados como provados em tribunal.

Confrontado com a intenção de recurso já manifestada pelo Ministério Público perante a decisão do coletivo presidido pela juíza Helena Pinto, depois de a procuradora Isabel Lima ter pedido em alegações finais uma pena de prisão até 10 anos para o instrutor Ricardo Rodrigues, Alexandre Lafayette acrescentou: "Aquela senhora até pode pedir champanhe nas alegações finais que eu não lhe sirvo".

O advogado anunciou que "provavelmente" vai interpor recurso da decisão e pedir a absolvição, ao defender que uma pena suspensa de três anos "não é uma pena reduzida" e que se trata de uma "uma mancha no registo criminal e na carreira de um militar".

"O Código de Processo Penal tem uma norma que diz que o MP deve defender a acusação que o colega fez, quando o MP não tem de defender acusações; tem de procurar justiça e, se verificar que o arguido não tem culpa, defende a absolvição, como aconteceu recentemente em Santarém. Isso é que é um verdadeiro MP", reiterou, aludindo ao caso de Tancos, onde o MP veio a pedir em julgamento a absolvição de diversos arguidos.

O tom crítico foi partilhado pelo advogado Paulo Sternberg, mandatário do médico Miguel Domingues, que foi absolvido após ser acusado de abuso de autoridade com ofensa à integridade física, quando a procuradora pedia uma condenação a cinco anos de prisão, passível de ser suspensa na execução.

"Dos 539 crimes pelos quais estes homens vieram aqui ser julgados, 536 crimes o tribunal entendeu que não se verificaram. Ficou uma vez mais patente a dissonância enorme que existe entre aquilo que se faz em alguns processos mediáticos na fase de investigação, naquilo que é levado pelo MP na acusação e naquilo que faz a Polícia Judiciária (nomeadamente a PJ Militar em vários processos que já são hoje conhecidos), e aquilo que, no final, acaba por ser a decisão do tribunal", declarou, resumindo: "Esta divergência radical é absolutamente inaceitável".

Segundo Paulo Sternberg, pode "haver naturalmente dificuldades ou divergências", mas considerou "impossível de aceitar" no sistema judicial português a "discrepância" entre estes aspetos "com um grau enorme de recorrência".

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