Comandos questionam investigação feita por Vasco Brazão

Atuação de investigadores da PJ Militar na operação para recuperar armas de Tancos suscita dúvidas sobre rigor da investigação à morte de dois recrutas.
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Os termos da acusação aos instrutores dos Comandos acusados da morte de dois recrutas em 2016 suscitaram uma onda de indignação entre muitos militares contra o Ministério Público (MP). Mas, agora, alguns suscitam reservas à atuação da PJ Militar (PJM) nesse processo à luz do que se sabe sobre a operação ilegal para recuperar as armas de Tancos.

"Será que os conluios e encenações apenas ocorreram para forjar o aparecimento de material roubado ou serão transversais a toda a sua a atuação?", questiona um oficial superior dos Comandos no ativo, ouvido pelo DN sob anonimato por não estar autorizado a falar sobre a matéria.

"Face a tudo aquilo que é público" e sendo o major Vasco Brazão e a sua equipa "responsáveis pela investigação do processo que envolve os 19 militares dos Comandos, qual é a credibilidade dos mesmos?", pergunta a mesma fonte, aludindo à vontade assumida pelo ex-porta-voz da PJM de dar visibilidade e prestígio a essa polícia.

"A PJM nunca antes teve tanta visibilidade e, em nossa opinião, uma visibilidade muito positiva", escreveu Vasco Brazão num memorando encontrado no gabinete do ex-diretor da PJM, coronel Luís Vieira, a propósito da operação forjada para recuperar o material de guerra furtado em Tancos.

Fontes da PJM relativizam essa leitura, lembrando que Vasco Brazão "não estava isolado" quando interveio nas investigações à morte dos dois recrutas dos Comandos. "É natural que haja aproveitamentos" por parte dos advogados de defesa dos acusados, mas havia pelo menos mais uma equipa de investigadores a trabalhar com a do major.

Com base na investigação da PJM, o MP acusou os 19 instrutores - oito oficiais, oito sargentos e três praças - de serem "movidos por ódio patológico, irracional contra os instruendos".

Ao agirem com "manifesto desprezo pelas consequências gravosas que provocaram" nos instruendos, esses instrutores "colocaram em risco a vida e a saúde dos ofendidos [...] logo no primeiro dia de formação", afirmou ainda a procuradora Cândida Vilar.

Os críticos do MP - mesmo quem já reconheceu ao DN ter havido falta de controlo por parte dos responsáveis pela recruta para explicar algumas das situações ocorridas - acusaram Cândida Vilar de desenvolver teses conspiratórias e rocambolescas contra os instrutores dos Comandos.

O advogado de Vasco Brazão

Na base das reservas expressas ao DN esteve o facto de Vasco Brazão - com quem o DN não conseguiu contactar - ter escolhido Ricardo Sá Fernandes como seu advogado de defesa no processo de recuperação das armas de Tancos.

Em causa, para estas fontes, Ricardo Sá Fernandes ser também o advogado de defesa da família de Hugo Abreu, um dos dois instruendos que morreram no início da recruta do 127.º curso de Comandos e que exige ao Estado uma indemnização de pelo menos 300 mil euros.

Essa é uma situação "curiosa e de explícita promiscuidade", Ricardo Sá Fernandes defender Vasco Brazão e ser ao mesmo tempo "entidade diretamente envolvida num outro processo cuja investigação criminal foi da responsabilidade" daquele major, insistiu um antigo oficial dos Comandos.

"Porquê Sá Fernandes e não outro?" Ou porque não exercer o direito estatutário de requerer apoio judiciário ao Exército, como fez o ex-diretor da PJM, nota uma das fontes.

Note-se que nesses casos, é o Exército que escolhe o defensor do militar arguido ou acusado da prática de crimes relacionados com a atuação em serviço.

Vasco Brazão já tinha suscitado grande animosidade entre os Comandos pela forma como ele e a sua equipa surgiram no quartel do Regimento (Carregueira, Sintra) armados e com "aparato desusado" - como se fossem intervir num perigoso bairro como o da Cova da Moura, lembra uma das fontes - para levar a tribunal os instrutores envolvidos naquelas mortes.

Essa ação - que envolveu uma altercação pública entre o tenente-general Faria Menezes (então comandante operacional do Exército) e o major Vasco Brazão, segundo testemunhos ouvidos pelo DN - ocorreu na manhã em que os militares iam ser levados ao tribunal e depois de terem passado a noite no presídio militar de Tomar.

Só que os instrutores vieram de Tomar com a Polícia Militar e foram levados ao regimento para se lavarem e mudarem de roupa antes de irem para tribunal - algo que a PJM terá entendido ser sua competência e, daí, ter aparecido de surpresa no quartel da Carregueira.

Recorde-se que esse comportamento já tinha sido questionado pela Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), ao afirmar que não havia necessidade de tratar os instrutores detidos como "perigosos e foragidos criminosos".

Mais, sendo esse um "processo de julgamento em praça pública inédito em Portugal e cujo alcance na credibilidade dos militares e das Forças Armadas ainda está por apurar", a AOFA - que abriu uma conta solidária para pagar as custas judiciais dos 19 militares acusados - deixou uma pergunta: "A quem interessa esta situação?"

"A sede de protagonismo e a falta de escrúpulos constituíram uma simbiose perfeita", argumenta um oficial do Comando, um dos muitos militares que se têm mostrado indignados com uma atuação da PJM contrária ao apregoado código de valores e princípios vigente nas Forças Armadas e que, agora, colocam em causa a sua conduta na investigação às mortes de Hugo Abreu e Dylan da Silva.

Segundo os críticos da ação da PJM nesse processo - e especificamente de Vasco Brazão, de quem recordam estar envolvido também no aluguer ilegal de casas do Instituto de Ação Social das Forças Armadas - dos comandos, foi a atuação dos investigadores que levou o MP a referir-se aos instrutores como tendo revelado "desrespeito pela vida, dignidade e liberdade da pessoa humana, tratando os ofendidos como pessoas descartáveis".

Essa acusação do MP surgiu depois de evocar "os princípios e valores pelos quais se regem os arguidos" na morte dos dois recrutas.

Essa leitura é feita agora ao contrário: "Perante a constatação dos múltiplos e diversificados comportamentos dolosos e vergonhosos de todos estes elementos [da PJM], que não se regem por quaisquer valores e princípios éticos e para os quais 'vale tudo', não acredito em coincidências."

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