Hoje, quando olha para a Colômbia, está satisfeita com a evolução do processo de paz com as FARC, com a pacificação da sociedade e com o desenvolvimento do país? Nós colombianos não vimos a dimensão e a importância do que é desenvolver o acordo de paz e tirar proveito dele. Ainda estamos a discutir se demos de mais ou se devíamos dar menos às FARC e no fundo estamos a perder a floresta, só vemos as árvores. Há toda uma discussão sobre a justiça transicional, sobre a lei que se aprovou no Congresso. O governo quis mudar alguns artigos, mas o Tribunal Constitucional e o Congresso não foram recetivos. O que se passa é que estamos outra vez divididos, uma polarização que não ajuda nada, depois do grande resultado dessa ideia que podia ter realmente unido os colombianos: a paz.O presidente Iván Duque não assumiu todo o legado de Juan Manuel Santos? O governo do presidente Duque tem reservas sobre alguns temas do acordo de paz, então continuam sem o implementar da forma que se esperava que o fizessem: a implementação de um acordo assinado que já era uma lei, parte da Constituição, e que sem dúvida era boa para o país.Há perigo de regresso à luta armada? Agora, infelizmente, perante a incerteza de implementação do acordo, há mais membros da FARC na dissidência. Saíram dos lugares onde estavam e isso faz que haja um risco de que entremos outra vez num conflito que há dois anos lhe diria que estava completamente resolvido. A incerteza traz riscos e o melhor contra a incerteza é poder implementar o acordo que se levou a cabo e em que o presidente Santos trabalhou por acreditar ser o melhor para a Colômbia.O prémio Nobel da Paz que o presidente Santos ganhou foi um reconhecimento pela comunidade internacional de que o esforço e o resultado eram positivos no geral? Sim. Foi de facto o reconhecimento pelo esforço de chegar à paz depois de 50 anos de conflito na Colômbia e depois de todos os presidentes o terem tentado fazer. Não houve um único presidente que não tenha tentado fazer um acordo de paz, que não se tenha sentido tentado a dialogar com a guerrilha e ter o resultado que se teve. Claro que contavam as circunstâncias, porque vínhamos de uma melhoria em matéria de segurança, porque se preparou a comunidade internacional, que deu um apoio muito grande, e que por diferentes razões aconteceu naquele momento..Trabalhou durante oito anos com o presidente Santos como ministra dos Negócios Estrangeiros. Sentiu que esse processo de paz estava a promover a imagem da Colômbia? Que havia um apoio do mundo? Sim. E também há outra coisa importante: apesar do conflito, com a situação da insegurança, a possibilidade que tivemos foi o inverso do que seria de esperar. Tornámo-nos atrativos para o mundo. O que realmente nos dá incentivo é esta imagem de um país que conquistou a saída de um conflito e que logo deu as boas-vindas a todos os estrangeiros, ao investimento, ao turismo, às oportunidades, a tantas coisas. Há muitos estrangeiros que vieram viver para a Colômbia. A paz era necessária para que acreditassem na Colômbia.Como está o país em relação ao narcotráfico. O acordo de paz também traz soluções. O acordo traz soluções para combater o narcotráfico e está prevista uma substituição de cultivo dos campos de todos os camponeses que se viraram, infelizmente, para a ilegalidade. O que diz o acordo é que o governo fará a substituição do cultivo a todas as famílias que aceitem estar de acordo com a substituição, e temos muitas que já assinaram e que vão substituindo. Este programa necessita de recursos porque tem de ajudar os camponeses a cortar as plantações de cocaína, a tratar a terra, a plantar um produto legal, e financiá-los até a sua plantação estar pronta para comercialização. É um grande esforço financeiro para o governo, mas realmente a única saída para acabar com o narcotráfico é esta.Que exige tempo, até haver resultados. Este é um processo de longo prazo, não se resolve de um dia para o outro. O que se passou é que nos primeiros acordos que se fizeram falava-se do tema das drogas e de um financiamento para essas pessoas, e evidentemente houve um aumento da produção nesses anos porque os camponeses passaram a produzir mais porque quando chegasse o momento de entregar os recursos iriam estar em vantagem. Por outro lado, não se pode fazer aspersão com glifosatos, por recomendação da OMS e do Tribunal Constitucional, e por isso terá de haver outra maneira de erradicar as plantações ilegais. Se se olhar para a alternativa oferecida pelo acordo, o compromisso das famílias de camponeses que estão ilegais e o cumprimento das obrigações do governo, essa será a saída do narcotráfico.Foi embaixadora na Venezuela nos primeiros anos do chavismo. A crise na Venezuela é o resultado de Hugo Chávez não estar vivo para comandar a chamada Revolução Bolivariana, ou acha que havia problemas no processo que iriam resultar nesta crise? Acho que são várias coisas. Primeiro, foi uma política económica que foi destruindo o país durante estes quase 20 anos de chavismo. O aparelho produtivo praticamente desapareceu e apenas ficou o rendimento estatal petrolífero, mas toda a sua capacidade produtiva foi-se reduzindo e ainda por cima com um petróleo cujo preço cai drasticamente em 2013.O carisma de Chávez não seria suficiente para estancar a crise? Não. Acho, porém, que Chávez teria gerido a crise de forma distinta de Nicolás Maduro, mas esta é o resultado da queda do preço do petróleo e da deterioração do aparelho produtivo.A Colômbia, tal como outros países da América Latina, da União Europeia e os Estados Unidos, reconheceu Juan Guaidó presidente da Venezuela. Isso é algo que seria previsível também com o presidente Santos? Sim. Com toda a certeza: aquando da eleição de Maduro em maio de 2018, não reconhecemos essas eleições, mas ele não era presidente ainda com base nesses resultados, era preciso esperar que chegasse a tomada de posse para se posicionar e depois dizer "não o reconheço", e ao não reconhecê-lo reconhece-se a autoridade da Assembleia Nacional, que, neste caso, foi com Guaidó..O que se passa na Venezuela afeta diretamente a Colômbia? Muito. Muito mais do que as pessoas imaginam. Temos mais de 1,5 milhões de migrantes, de pessoas que na grande maioria não têm salário, não têm casa, não têm saúde, então o Estado tem de ajudar essas pessoas e isso em todas as áreas: urgências, saúde e maternidade e saúde infantil. Todas as crianças venezuelanas estão inseridas no sistema educativo colombiano e os adultos têm a possibilidade de trabalhar como qualquer colombiano. A sociedade colombiana tem sido muito solidária com a sociedade venezuelana porque a Venezuela foi muito solidária com os colombianos nas décadas em que os colombianos emigravam para a Venezuela. E porque estamos de perto a ver a situação de um povo que viu a sua situação económica e social deteriorada por um regime que não foi capaz de dar ao povo aquilo de que necessita.Como diplomata consegue vislumbrar uma negociação que não seja uma negociação que inclua os chavistas? Acho muito difícil. Penso que uma intervenção militar dos Estados Unidos seria um regresso ao passado que não serviu nada à América Latina. Os Estados Unidos e a Rússia estão também a disputar o seu poder no mundo e a Venezuela é um elemento importante desse conflito. Também outras potências se envolveram, como a China. Não acredito que haja conflito algum que não se possa solucionar através do diálogo e da negociação. Infelizmente o governo venezuelano nunca se quis sentar - diz que se senta, mas não - e eu pessoalmente estive a tratar de negociar com os ministros dos Negócios Estrangeiros do Brasil e do Equador em 2013, a ver se conseguíamos negociar com o governo. Mas vimos que eles não estavam convencidos de que era essa a saída. Acho que não há outra.Terão de ser as Nações Unidas a negociar? As Nações Unidas deveriam intervir mais. Este é um caso humanitário gravíssimo, que afeta a América Latina durante anos, que vai demorar anos a recompor-se.A Colômbia é o país mais afetado? Nós temos 1,5 milhões de venezuelanos, o Peru tem 700 mil, o Brasil tem um pouco menos. Chile, Argentina, Equador... é uma crise que começa a afetar a América Latina. Acho que as Nações Unidas, antes de isto ser pior, deveriam ajudar a pensar como se pode solucionar a Venezuela.Falar da América Latina é falar de muitas diferenças, acha que é uma região que continua no caminho da democracia e do desenvolvimento que tem seguido nos últimos anos e que a Venezuela é uma exceção? A Venezuela é uma exceção, mas também sinto que há na América Latina uma crescente polarização, tal como no resto mundo, da classe política, com uma linguagem que não ajuda nada a conciliar e a encontrar soluções para as populações que não querem mais ir atrás dos discursos políticos de ódio e de não perdão. O que as pessoas na Colômbia e em todas regiões querem é que os governantes encontrem soluções para os problemas. Se continuarmos nesta polarização, isso não será possível. Isto acontece em todo o lado na região. Está a acontecer no México e no Brasil também. O que se passa é que os políticos e os governos levam a vida nestas disputas em vez de estarem a trabalhar nas políticas públicas que deem qualidade de vida às populações..Quando olha para os Estados Unidos hoje, que são um país-chave em relação à Venezuela e a Cuba, vê uma mudança na política externa de Donald Trump para a América Latina, ou não há uma alteração significativa apesar da retórica? Acho que os Estados Unidos não se interessam pela América Latina e este governo de Trump menos ainda. O que temos hoje de política nos Estados Unidos são políticas de ameaça, mas não somos os únicos. A Europa já passou por isso, a China, o Canadá. Estamos todos perante uma série de políticas que se desviaram dos seus parceiros iniciais e que criam uma incerteza permanente de qual é o relacionamento de cada um desses países com os Estados Unidos. Parece-me muito complexo o mundo hoje com uma primeira potência que tem esse tipo de relacionamento muito mais ameaçador do que de consenso. A teoria de Trump é que os Estados Unidos deram demasiado ao mundo e receberam pouco em troca...Para os latino-americanos, a Europa será cada vez mais uma referência? A relação com a Europa é muito importante e é uma relação muito mais estável, independentemente das mudanças de governos na Europa. A política externa da União Europeia segue sempre no mesmo caminho. É uma política comum em que não há sobressaltos, e isso é muito mais fácil para nós do que uma política dos Estados Unidos, em que não se sabe o que vai acontecer no dia seguinte.