A equipa de Ovo, o espetáculo que o Cirque du Soleil está a apresentar em digressão pela Europa, passou o Natal em Espanha. Mas a passagem de ano já será em Lisboa, onde o espetáculo se estreia no dia 3 de janeiro, na Altice Arena. Emerson Neves, brasileiro de 46 anos que há dez trabalha com o famoso circo canadiano, já está habituado a esta vida de saltimbanco: "Temos muito trabalho mas tentamos aproveitar para ver as cidades. Acho a cidade de Lisboa linda, é sempre um prazer voltar. Ainda não sei o que faremos no réveillon aí", contou-nos, num dia de dezembro, numa conversa telefónica..Emerson Neves começou a fazer ginástica aos 8 anos, em São Paulo. Foi atleta de alta-competição e chegou a pertencer à seleção brasileira até, em 2006, se ter candidatado a um lugar no Cirque du Soleil. "Mandei um vídeo para eles, depois fiz uma audição no Brasil e só depois me chamaram para fazer uma formação em Las Vegas", conta. "Todos os anos, eles abrem vagas para atletas e outros artistas de circo, do mundo inteiro, e depois desse treino de três meses, numa área específica, convidam os melhores para se juntarem à equipa." Emerson fez formação em báscula russa. "Quando terminei fui convidado para integrar um outro show, Saltimbanco.".Durante seis anos, Emerson Neves integrou o elenco de Saltimbanco, espetáculo do Cirque du Soleil que se apresentou em Lisboa em outubro de 2010. Aí ele fazia números de trapézio e outras acrobacias aéreas. Mas, quando Saltimbanco terminou a sua carreira, em 2012, Emerson já tinha 40 anos e achou que já era altura de deixar o palco. Foi para Macau, trabalhar como técnico no espetáculo House of Dancing Water, até 2015. E, agora, é head coach (ou seja, treinador principal) de Ovo..O espetáculo Ovo, estreado em 2009, tem a particularidade de ter um título em português, o que se deve ao facto de ter sido criado por uma brasileira, Deborah Colker, que se inspirou no próprio desenho da palavra (ovo - dois olhos e um bico) e imaginou um mundo povoado por insetos. "A ação acontece numa colónia de insetos onde chega um estrangeiro, Foreigner, que traz um ovo. Os insetos ficam preocupados e então montam um esquema: a Ladybug tenta distrair o Foreigner para que os outros insetos possam roubar o ovo. Mas ela acaba se apaixonando por ele", resume Emerson. É, portanto, uma história que tem muito que ver com os dias de hoje: com o modo como os estranhos se integram ou não nas comunidades. "Há uma mensagem sobre a aceitação do que a gente não conhece."."Há uma magia que o circo proporciona a quem lá trabalha e a quem assiste, isso é o melhor de tudo", conta Emerson, com o seu sotaque brasileiro. "É um mundo muito especial, de fantasia. Sinto-me como aqueles meninos que entram na Fábrica de Chocolate do filme. Quando eu cheguei em Montreal não queria acreditar que estava ali, rodeado de tantos acrobatas fantásticos. O circo faz que acreditemos no nosso talento e dá-nos a oportunidade de fazermos coisas que julgávamos impossíveis. Tudo isso é incrível." No caso de Ovo, Emerson destaca a música "fantástica" e muito inspirada nos sons brasileiros, "uma música alegre que toda gente vai pegar e sair cantando", assim como o guarda-roupa "incrível" e exótico, como que saído da floresta Amazónia, e, depois, claro, toda a parte acrobática: "Tem contorção, equilíbrio, malabarismo, cama elástica, tem muitas coisas diferentes.".Como treinador, Emerson é o responsável por toda a parte acrobática do espetáculo. "Existe uma diretora artística [Chantal Tremblay] e um designer acrobático [Philippe Aubertin], que criam o show, e o meu trabalho é fazer que a sua visão se concretize, é minha responsabilidade treinar os acrobatas e garantir que toda a parte acrobática se realiza todos os dias como é suposto." Em Ovo, Emerson trabalha com cerca de 40 acrobatas, entre os quais um grande grupo de russos (incluindo bielorrussos e ucranianos) e ainda um grupo significativo de chineses. "No total acho que temos mais de 20 nacionalidades no show", diz. "É uma mistura de línguas, de culturas, de maneiras de ser. Tudo isso é muito enriquecedor mas também pode ser muito confuso", ri-se. Nos bastidores a língua franca é o inglês. "Trabalhar aqui, no meio de tanta gente diferente, torna-nos diferentes, ficamos outras pessoas.".Além de trabalhar com os acrobatas, Emerson tem de estar sempre em contacto com a equipa de fisioterapeutas que mantêm a boa forma física do elenco, e ainda com e equipa de técnicos. "Tenho de ter a certeza de que nada põe em risco a segurança dos artistas", explica. Também é ele quem faz toda a agenda de treinos e ensaios. "Os acrobatas trabalham muito. Mesmo depois de o show estar montado, temos sempre de trabalhar para garantir que tudo sai certo." E se para os espectadores o espetáculo parece igual todos os dias, para ele cada sessão é única. "Há artistas que saem e têm de ser substituídos, há uns que ficam lesionados e voltam, ou que estão cansados e temos de estar atentos, há artistas novos que entram. Tenho de estar atento a tudo isso, aos erros que são cometidos ou, pelo contrário, aos acrobatas que vão evoluindo com o tempo.".Em digressão, a equipa de Ovo do Cirque du Soleil - composta por mais de cem pessoas - é uma verdadeira trupe de circo. Viajam juntos durante meses em aviões ou autocarros fretados. "É como uma família. A gente trabalha junto, tem festa, tem briga, tem tudo", conta Emerson. E entre viagens, treinos, montagens e espetáculos, sobra pouco tempo para relaxar. "Não é uma vida nada fácil", admite. É por isso que, apesar de morrer de saudades do palco, Emerson sabe que já não poderia continuar. "Já tinha feito cirurgia ao joelho e ao quadril, as costas doíam, tinha problema no pulso. O meu corpo estava pedindo: para, por amor de deus. Eu fui atleta e depois artista de circo, é uma vida muito intensa." É por isso que todos os dias ele diz aos seus acrobatas para aproveitarem cada momento e darem o seu melhor: "Cada vez que você pisa o palco é um momento único e especial.".Ovo Cirque du Soleil Altice Arena, Lisboa de 3 a 13 de janeiro Bilhetes: 40 a 79 euros